A ilusão do planejamento central: a defesa da liberdade em Hayek
No ensaio A Pretensão do Conhecimento, Friedrich Hayek apresenta uma crítica contundente ao planejamento centralizado e à presunção de que uma autoridade central ou grupo de especialistas pode deter o conhecimento necessário para controlar e organizar eficientemente uma sociedade. Esse ensaio, apresentado em 1974 quando Hayek recebeu o Prêmio Nobel de Economia, explora os limites do conhecimento humano e reforça a relevância da descentralização e da liberdade individual, pilares essenciais do pensamento liberal.
O contexto em que o ensaio foi escrito é crucial para entender a profundidade das críticas de Hayek. Após a Segunda Guerra Mundial, as ideias socialistas e keynesianas dominavam o cenário econômico. O planejamento central e a intervenção estatal eram vistos como soluções eficazes para reconstruir economias devastadas e corrigir o que se consideravam falhas de mercado. O socialismo, em particular, havia se consolidado em muitos países, e o keynesianismo, com sua defesa de políticas fiscais ativas e controle governamental sobre a demanda agregada, era amplamente aceito. Foi nesse ambiente que Hayek se levantou contra essas correntes, argumentando que qualquer tentativa de centralizar o controle econômico falharia inevitavelmente.
O principal argumento de Hayek é a limitação do conhecimento humano. Ele sublinha que, em uma sociedade complexa, o conhecimento está disperso entre milhões de indivíduos, tornando impossível sua centralização completa por qualquer entidade. O autor critica a ideia de que os planejadores centrais podem coletar e utilizar de forma eficiente todas as informações necessárias para tomar as melhores decisões em nome de todos. Esse pressuposto de um conhecimento superior ignora a realidade de que as informações mais relevantes para a tomada de decisões estão espalhadas entre os indivíduos, cada um deles detentor de conhecimentos únicos e locais.
Se compararmos Hayek com outros economistas influentes de sua época, como John Maynard Keynes, o contraste se torna ainda mais evidente. Enquanto Keynes acreditava que o governo tinha um papel fundamental em ajustar a economia para evitar crises e desemprego, Hayek via tais intervenções como
perigosas, dado que ignoravam a complexidade do mercado e a natureza dispersa do conhecimento. Já Karl Marx, com sua teoria do socialismo científico, defendia a centralização completa dos meios de produção pelo Estado, uma ideia que Hayek considerava uma ameaça direta à liberdade individual e à prosperidade econômica.
Para os liberais como Hayek, a ordem social e econômica deve surgir naturalmente da interação entre os indivíduos, e não ser imposta de cima para baixo. O reconhecimento da limitação do conhecimento é um ponto crucial na defesa da liberdade individual e do livre mercado. Um exemplo prático do princípio de ordem espontânea pode ser visto no desenvolvimento tecnológico no Vale do Silício. Sem uma autoridade central coordenando cada inovação, empresas e indivíduos, através da competição e do empreendedorismo, criaram
um dos maiores polos tecnológicos do mundo, gerando avanços que impactaram globalmente. Outro exemplo é o comércio internacional, que se expandiu significativamente nas últimas décadas sem um controle centralizado, beneficiando-se das decisões descentralizadas de milhões de agentes econômicos.
Outro conceito fundamental apresentado por Hayek é o de ordem espontânea, que está no coração do pensamento liberal. Segundo Hayek, as melhores soluções para os problemas sociais e econômicos surgem
espontaneamente através da livre interação entre indivíduos. O mercado é o mecanismo que possibilita essa coordenação, sem a necessidade de um planejador central. O sistema de preços, por exemplo, funciona como um sinalizador que transmite informações importantes sobre a oferta e a demanda, permitindo que os indivíduos ajustem suas ações de maneira eficiente.
A ideia de ordem espontânea é uma crítica direta ao socialismo e ao keynesianismo, que preconizavam uma intervenção mais ativa do Estado para corrigir o que viam como falhas de mercado. Para Hayek, essas intervenções centralizadas não apenas fracassam em resolver os problemas sociais, mas também criam novas distorções. O livre mercado, por outro lado, faz uso mais eficaz do conhecimento disperso entre os indivíduos e permite que a sociedade funcione de maneira coordenada, sem a necessidade de uma autoridade central controlando cada aspecto.
Hayek também critica o racionalismo construtivista, a crença de que a sociedade pode ser moldada por meio de uma aplicação racional e científica do conhecimento. Esse tipo de pensamento está na base das abordagens
centralizadoras, que acreditam que a sociedade pode ser organizada e controlada como uma máquina, a partir de princípios científicos e lógicos. Para Hayek, essa visão é simplista e perigosa.
Ele argumenta que os planejadores centrais falham ao subestimar a complexidade dos sistemas sociais e econômicos. O conhecimento necessário para governar esses sistemas é tão vasto e mutável que é impossível para uma autoridade central prever ou controlar adequadamente todas as variáveis. Isso resulta em políticas mal concebidas, que não levam em consideração as nuances e os detalhes que apenas os indivíduos em suas situações específicas conhecem.
O ensaio de Hayek também oferece uma crítica direta ao planejamento central, que era amplamente defendido no início do século XX, especialmente entre os defensores do socialismo. A ideia de que o governo pode regular eficientemente a economia, de maneira a garantir prosperidade e bem-estar social, é duramente contestada por Hayek. Para ele, qualquer tentativa de centralizar o controle da economia falha em captar a totalidade do conhecimento disperso e ignora as complexidades das interações humanas.
A crítica final de Hayek é direcionada à arrogância intelectual dos planejadores centrais. Ele considera perigoso que essas autoridades acreditem ser capazes de controlar e moldar a sociedade com base em seu conhecimento limitado. Essa presunção de conhecimento, segundo Hayek, não apenas ignora as limitações inerentes à mente humana, mas também subestima a complexidade e a imprevisibilidade das interações sociais.
Essa crítica ressoa profundamente com o pensamento liberal, que valoriza a liberdade individual e reconhece que os indivíduos, agindo em suas esferas privadas, possuem o conhecimento necessário para tomar decisões
melhores para si e para a sociedade como um todo. A tentativa de impor uma ordem de cima para baixo, além de ineficiente, é uma ameaça à liberdade e à autonomia dos indivíduos.
Em tempos contemporâneos, a relevância das ideias de Hayek continua clara. Discussões sobre a regulamentação de novas tecnologias, como a inteligência artificial, e a intervenção estatal durante crises econômicas, como a pandemia de COVID-19, ilustram como a pretensão do conhecimento centralizado ainda é uma armadilha perigosa. A descentralização e o livre mercado permanecem como os melhores mecanismos para lidar com a complexidade dessas questões.
Em resumo, A Pretensão do Conhecimento é uma obra central no pensamento liberal, oferecendo uma crítica poderosa às tentativas de controle centralizado e à arrogância daqueles que acreditam poder planejar e organizar uma sociedade complexa. Friedrich Hayek nos alerta sobre os perigos de ignorar a dispersão do conhecimento humano e ressalta que o mercado e a liberdade individual são os mecanismos mais eficientes para promover a ordem e a prosperidade.
*Maria Almeida é administradora formada pelo IBMEC BH, com experiência no
mercado financeiro, especialmente em gestão de experiência do cliente.
Atualmente, é sócia fundadora da CliniConsulting e qualifier do IFL-BH desde o
segundo semestre de 2024.