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Um breve experimento sobre a desigualdade

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A capacidade de abstração é a ferramenta mais poderosa de que os seres humanos dispõem para compreender o mundo e planejar ações visando a um estado de maior bem-estar. Estamos a todo momento procurando sistematizar nossas observações para construir modelos: explicações sobre como o mundo funciona. Esses modelos vão funcionar como caixas mentais que provém restrições na forma como pensamos. Essas restrições são necessárias para sermos capazes de analisar um problema.

Nós moldamos nossos modelos, mas nossos modelos moldam a forma como pensamos.

Em algum momento durante o século 20 passamos de uma sociedade preocupada com a pobreza para uma sociedade que despreza a desigualdade. Esse novo modelo de compreensão da sociedade pavimentou e justificou as mais destrutivas políticas já vistas. Quando nos preocupamos com a pobreza, praticamente qualquer solução irá girar em torno da ideia de geração de riqueza.

Quando o problema passa a ser a desigualdade, podemos atacá-lo destruindo a riqueza acumulada no lado mais próspero da balança.

A desigualdade é um fenômeno complexo

Abra o jornal ou qualquer periódico científico e você irá perceber que praticamente todas as explicações para as causas das desigualdades na sociedade têm cunho moral ou político: as pessoas são egoístas. Mises analisa esta questão em sua obra A Mentalidade Anticapitalista, para a qual direciono o leitor para mais detalhes. Esta explicação é simples, porém errada.

“Explicações existem, elas sempre existiram; sempre haverá uma solução bem conhecida para cada problema humano – elegante, plausível e errada” (H. L. Mencken)

Quando falo de um problema complexo, não quero dizer simplesmente um problema complicado. Complicado é aquilo que tem muitos fatores envolvidos, mas em que o conhecimento destes possibilita realizar uma previsão inequívoca sobre o comportamento do sistema. Um sistema complexo, por outro lado, pode ter poucas variáveis envolvidas, mas a interação destas produz um resultado muito maior do que a soma de suas partes, na maioria das vezes impossível de prever antes da sua observação.

A desigualdade é o resultado de um sistema complexo: a sociedade humana.

Proponho um experimento bastante simples para analisar a desigualdade de patrimônio (wealth). Tomemos uma sociedade com 1000 indivíduos, cada um com um patrimônio inicial de R$1.000,00. Todos os dias, cada indivíduo escolhe aleatoriamente um outro para entregar-lhe R$25,00. Caso um indivíduo não tenha o dinheiro para dar, a troca não acontece. Nessa sociedade, ninguém pode acumular débitos.

Essas são todas as regras.

Nessa sociedade não existe egoísmo nem altruísmo, não existe racismo ou discriminação por classe social. Todos os indivíduos participam das trocas escolhendo aleatoriamente um outro indivíduo para receber R$25,00.

Esse é o panorama no primeiro dia do experimento: todo indivíduo é igual morando no paraíso socialista.

Após um ano, essa sociedade já apresenta alguma desigualdade.

Após 30 anos, esses pobres coitados estragaram completamente a sociedade atingindo um grau de concentração que seria considerado elevado. Mais da metade da população vive com patrimônio menor do que aquele que foi distribuído inicialmente. A distribuição final ficou assim:

O 1º quartil (patrimônio acima de R$1.475,00) acumulou 60% da riqueza total;
O 2º quartil (patrimônio entre R$1.475 e R$675) acumulou 26% da riqueza total;
O 3º quartil (patrimônio entre R$675 e R$250) acumulou 11% da riqueza total;
O 4º quartil (patrimônio abaixo de R$250) acumulou 3% da riqueza total;

A figura a seguir mostra como esse nível de desigualdade é persistente, não muito diferente do que se encontra em qualquer relatório de desigualdade.

Por exemplo, os dados do World Inequality Database (Banco de Dados Mundial sobre Desigualdade) sobre o Brasil mostram um comportamento semelhante: grande desigualdade entre os percentis da população (mais extrema do que no experimento simulado) e persistência ao longo do tempo.

 

Porcentagem da riqueza acumulada no Brasil por quartil. Dados do World Inequality Database.
Acessado em 18/03/2022.

O que se vê e o que não se vê

Se você não conhecesse o ambiente do experimento, seria muito fácil concluir a partir destes dados que se trata de uma sociedade imoral composta de pessoas egoístas que não se importam com o sofrimento dos mais pobres, uma conclusão absolutamente falsa. A desigualdade observada foi causada pelo simples fato de os indivíduos trocarem riqueza entre si. Neste cenário, as trocas acontecem aleatoriamente, não havendo nenhuma preferência sobre com quem fazer negócios.

Ainda, é muito fácil concluir que os ricos se mantêm ricos e que os pobres se mantêm pobres. Se não fosse assim, como pode o percentil mais rico se manter no topo da pirâmide ano após ano? Ludwig von Mises já trazia uma observação contraditória a esta ideia em seu livro As Seis Lições:

“O princípio segundo o qual a mobilidade social opera, nas palavras do sociólogo e economista italiano Vilfredo Pareto, é o da “circulation des élites” (“circulação das elites”). Isso significa que haverá sempre no topo da escada social pessoas ricas, politicamente importantes, mas essas pessoas – essas elites – estão em contínua mudança”.

Selecionei 4 indivíduos e observei seus patrimônios ao longo do tempo. A Sra. 27 é uma capitalista de sucesso. Seu patrimônio cresce constantemente ao longo do tempo, fazendo parecer que é fácil ser cada vez mais rico. O Sr. 185, ao contrário, nunca conseguiu se livrar do seu destino de pobreza. Estes dois indivíduos parecem confirmar a tese de que os ricos ficam sempre mais ricos e os pobres sempre mais pobres.

Porém, observe estes outros dois indivíduos. A Sra. 94 encontrou bastante sucesso sendo uma das pessoas mais ricas dessa sociedade por volta do ano 8, mas não pôde manter seu patrimônio e acabou na pobreza. O Sr. 552, por outro lado, estava entre os mais pobres durante os primeiros 10 anos dessa simulação, mas terminou como um dos indivíduos mais ricos.

Essa simples observação indica o caráter dinâmico da sociedade baseada em trocas aleatórias. Uma sociedade real não é muito diferente, apesar de muitos outros fatores influenciarem a acumulação de riquezas. Esse dinamismo é
mascarado pela estatística que escolhemos mostrar. Nos gráficos de desigualdade, selecionamos os indivíduos mais ricos a cada ano, mas eles não sempre os mesmos indivíduos!

Quando observamos a sociedade como um todo, os padrões tendem a ser estáticos, a menos que ocorra uma mudança estrutural nas regras dessa sociedade. Regras razoavelmente constantes tendem a gerar padrões consistentes ao longo do tempo. Por outro lado, quando observamos cada indivíduo, encontraremos todo tipo de
situação. É o que chamamos de um equilíbrio dinâmico.

Conclusões

O que este experimento nos mostra é que a desigualdade pode ser explicada pelo simples fato de existirem trocas entre indivíduos em uma sociedade. Ele também mostra o caráter dinâmico da situação de cada indivíduo. Ainda assim, é preciso cautela para não extrapolar estes resultados para as sociedades reais. Parafraseando o matemático Solomon Golomb, nenhum modelo é uma explicação perfeita da realidade; deduções baseadas em modelos devem ser consideradas com a devida suspeita.

Trata-se de uma experimento bastante artificial em que a riqueza total acumulada na sociedade é constante. A economia real não é um jogo de soma zero: as pessoas produzem nova riqueza ao longo do tempo e essa produção não se dá de maneira uniforme na sociedade.

Nosso experimento também não permite que os indivíduos acumulem débitos. O sistema de créditos foi inventado para alavancar os investimentos, mas é extensivamente utilizado para consumo. Isso gera dívidas e a possibilidade de patrimônio negativo.

Por fim, em uma economia real, a maior parte do patrimônio dos indivíduos está imobilizado em empresas e outros bens que não são facilmente transacionados. Transações de todos os valores podem acontecer.

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José Edil G. de Medeiros

José Edil G. de Medeiros

José Edil Guimarães de Medeiros é professor no Departamento de Engenharia Elétrica da Universidade de Brasília. Foi um dos fundadores do Instituto Liberal do Centro-Oeste e do Instituto de Formação de Líderes de Brasília.

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