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As lições de um grande economista

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Hoje, peço licença aos meus prezados leitores para escrever um artigo um pouco mais técnico do que o habitual. É que o mundo perdeu, na última segunda-feira, 15, um de seus economistas mais brilhantes e influentes. Deixou-nos, aos 85 anos, Robert Emerson Lucas Jr., carinhosamente chamado por seus colegas de Bob Lucas, um dos responsáveis — o maior, para muitos — por uma verdadeira revolução na teoria econômica, especialmente na macroeconomia, que começou na segunda metade dos anos 1960 e se estendeu pelas décadas seguintes, e ficou conhecida como Escola de Expectativas Racionais, ou Economia dos Novos Clássicos.

Quem foi Robert Lucas

Seu nome, sem margem de dúvida, já está marcado como um dos economistas mais influentes da segunda metade do século passado, e seus pensamentos e insights — sempre criativos — tornaram-se padrões instrumentais, não só teóricos mas também, para os economistas mainstream de viés liberal, para ancorar políticas econômicas. Laureado com o Prêmio Nobel de Ciências Econômicas em 1995 e respeitado até por keynesianos contumazes, como Gregory Mankiw, que se referiu a ele como “o macroeconomista mais influente do final do século 20”, Lucas influenciou uma plêiade de notáveis economistas, entre os quais Finn Kydland, Edward Prescott, Thomas Sargent, Christopher Sims, Paul Romer (todos também agraciados com o Nobel, respectivamente, os dois primeiros em 2004, os dois seguintes em 2011 e o último em 2018), além de Robert Barro, Leonard Rapping, Neil Wallace e muitos outros respeitados pesquisadores.

Nascido em 1937 (em Yakima, Washington), graduou-se em história na Universidade de Chicago em 1959 e lá mesmo doutorou-se em economia, em 1964. Entre 1963 e 1974, foi professor de economia na Carnegie Mellon University e, daquele ano em diante, na Universidade de Chicago, onde permaneceu até aposentar-se, em 2015. Em 2016, recebeu o Prêmio Fênix, a mais importante honraria concedida pelo Departamento de Ciências Sociais da Universidade de Chicago. Lucas foi, portanto, um verdadeiro Chicago boy, que modernizou e dinamizou a teoria econômica, partindo da microeconomia e integrando-a magistralmente com a macroeconomia e a teoria de equilíbrio geral, o que abriu campo para estudos empíricos mais precisos sobre os impactos de políticas econômicas.

Lucas sempre fez questão de limitar-se a ser um técnico por excelência e, embora se declarasse favorável ao livre mercado, jamais atuou como militante político-partidário, como outros laureados com o Nobel, infelizmente, passaram a se comportar depois que ganharam fama (refiro-me a Joseph Stiglitz e Paul Krugman, dois economistas brilhantes, mas que se transformaram em militantes da ala esquerda do Partido Democrata). E também se notabilizou por sua humildade, por aquela modéstia característica de quem realmente é grande: pouco depois de ser agraciado com o Nobel, em 1995, perguntaram-lhe como estava vendo a economia norte-americana naquele momento, e sua resposta, surpreendente para uma nova estrela, foi que não se sentia capaz de emitir uma análise precisa, porque estava voltado para questões teóricas.

As contribuições de Lucas

Ao estabelecer os fundamentos da Escola de Expectativas Racionais, Bob Lucas, literalmente, virou a macroeconomia de cabeça para baixo. É interessante observar que, embora a modelagem teórica dessa escola seja relativamente sofisticada, as implicações para a política econômica que sugere são importantes quando olhamos para o mundo real. Por mais elegantes e aparentemente sofisticados que sejam os modelos teóricos dessa escola, são também intuitivamente bastante palatáveis.

Os modelos keynesianos — que eram o padrão na profissão até os anos 1960 — tratavam as expectativas como estáticas, ou constantes, o que equivale a dizer que não influenciavam as políticas econômicas. A famosa Curva de Phillips, desenvolvida pelo economista A. W. Phillips a partir de dados salariais do Reino Unido entre 1861 e 1957, baseava-se em expectativas estáticas e estabelecia um trade-off (dilema) entre taxa de crescimento dos preços e taxa de desemprego: se o governo decidisse combater a inflação de preços, teria necessariamente de aceitar maior taxa de desemprego e, inversamente, se resolvesse estimular o emprego, seria forçado a admitir preços em elevação.

Já nos anos 1960, Milton Friedman e Edmond Phelps (agraciados com o Nobel em 1976 e 2006, respectivamente), dois próceres do monetarismo, introduziram as hipóteses de expectativas adaptativas e de taxa de desemprego natural ou normal, que anulam a Curva de Phillips original ao argumentar que qualquer tentativa por parte do governo de manter a taxa de desemprego abaixo de seu nível natural provocaria aumento na inflação de preços e — eis a novidade — acarretaria um processo de ajuste gradual das expectativas de preços, em que os agentes econômicos, ao formularem suas expectativas de inflação futura, o faziam com base nos erros cometidos no passado, o que, no caso de o governo insistir em manter o desemprego abaixo do nível natural, significaria simplesmente que a inflação de preços tenderia a crescer ao longo do tempo. Mais do que isso, as políticas de estímulos à demanda, no limite, não alterariam nem o emprego nem o produto. Em resumo, as propostas keynesianas de inflar os gastos — assim como a concepção original da Curva de Phillips — seriam válidas apenas em uma perspectiva de curto prazo, definido como um tempo de hibernação das expectativas. No longo prazo, seriam absolutamente ineficazes. Foi uma forte crítica ao pensamento que dominava o mundo acadêmico da época.

Vieram, então, Lucas e seus brilhantes colegas e desferiram o tiro de misericórdia na falácia keynesiana de que aumentos artificiais da demanda (isto é, provocados pelo governo) seriam bons, desejados, necessários, belos e morais para todos.

A Escola de Expectativas Racionais baseia-se em três hipóteses bastante fortes: primeira, todos os agentes econômicos são “otimizadores”, ou seja, sempre tomam as melhores decisões; segunda, eles não sofrem de nenhum tipo de ilusão monetária (money illusion), isto é, tomam sempre as suas decisões com base em variáveis reais (e não em variáveis nominais); e terceira, suas expectativas são racionais (conceito formulado pela primeira vez por John Muth em 1961 e que se popularizou após a publicação de um famoso artigo assinado por Robert Lucas e Leonard Rapping em 1969 sobre salário real, emprego e inflação).

De forma simples, diz-se que as expectativas dos agentes econômicos são racionais quando, na média, eles acertam em suas expectativas ou, em outras palavras, usam as informações de que dispõem de maneira eficiente.

Com base nas três hipóteses mencionadas, Lucas e os novos clássicos concluem que, em um ambiente em que os preços são livres, nem mesmo transitoriamente é possível para o governo manter a economia funcionando acima de sua capacidade natural mediante políticas de “sintonia fina” de natureza keynesiana, pois os agentes econômicos antecipam a inflação futura e a trazem para o presente. Na verdade, é algo bastante intuitivo, como, por exemplo, quando olhamos para o céu e para as previsões meteorológicas, nos convencemos de que vai chover e então, ao sairmos de casa, levamos um guarda-chuva.

Uma das implicações mais importantes da nova escola — e que abalou os cânones keynesianos até então estabelecidos — é a conhecida “proposição da invariância”, segundo a qual as políticas do governo não têm nenhum poder, nem mesmo no curto prazo, para afetar as variáveis reais da economia, tais como o produto, o emprego e os salários reais. Isso significa que apenas no caso em que as políticas do governo contiverem algum elemento de incerteza, ou seja, não previsto, é que elas podem transitoriamente afetar os níveis de produto e de emprego. Mais uma vez, a intuição ilustra essa hipótese: se o treinador de um time avisa na imprensa que pretende vencer a equipe adversária no próximo domingo concentrando seus jogadores no lado direito do campo e alçando bolas sobre a área no segundo pau, é evidente que o técnico do outro time vai tomar precauções contra essa tática, não haverá surpresa e, portanto, a tática dificilmente vai ter sucesso.

A famosa equação de oferta de Lucas, uma das bases de sua abordagem, estabelece que a oferta (ou PIB) em um período qualquer é a soma de dois componentes: o primeiro é o PIB normal ou natural e o segundo é uma proporção direta da diferença entre a média dos preços observada nesse período e a expectativa quanto a essa média, porém formulada no final do período anterior. Tentando escapar do economês para não fatigar o leitor, isso pode ser explicado da seguinte maneira: quando as expectativas estão certas (ou seja, são racionais, no sentido de que, na média, são percebidas pelos agentes), o PIB será igual ao seu nível natural; se o nível esperado de preços for superior ao efetivo, o PIB será menor do que o natural; e, se o nível esperado de preços for inferior ao nível efetivo, o PIB será superior ao seu nível normal.

Para chegar a essa equação, Lucas partiu de um mundo microeconômico de diversas “ilhas” informacionalmente isoladas umas das outras e, mediante uma elegante construção teórica, passou da microeconomia para a macroeconomia.

Lições práticas derivadas de Lucas

O primeiro ponto a ser ressaltado, como o leitor certamente já percebeu, é que Lucas era bastante cético quanto aos benefícios da intervenção do governo na economia. Era um defensor do livre mercado, um economista liberal sem aspas. Certa vez, afirmou em entrevista que a opção para a política econômica era a mesma de três séculos atrás: livre mercado versus mercantilismo.

Uma lição interessante da Escola de Expectativas Racionais é que os preços correntes dependem da política monetária vigente hoje — que, obviamente, é conhecida —, mas também da política monetária que os agentes econômicos esperam que o Banco Central vá executar no futuro, a qual, por sua vez, depende do estado atual das contas do governo e, similarmente, do estado das contas públicas esperado para o futuro.

Quando o governo apresenta forte desequilíbrio em suas contas e o Banco Central resolve atacar a inflação, a taxa de juros necessária para que a inflação caia passa a ser muito maior do que seria caso as contas públicas apresentassem equilíbrio entre receitas e despesas.

Portanto, podem existir situações em que, na presença de desequilíbrio crônico nas contas públicas, uma política monetária austera pode significar mais inflação no futuro, bastando, para isso, que as expectativas para o déficit público sejam no sentido de que ele vai se deteriorar. Não basta, portanto, olharmos para o que o Banco Central e as autoridades fiscais estão fazendo; é preciso que olhemos para o que achamos que ambos vão fazer no futuro. Isso revolucionou a macroeconomia moderna. É fácil — e bastante preocupante — concluir o que acontecerá ao aplicarmos essa lição ao atual governo brasileiro.

Outra lição importante de Lucas, muito bem explorada um pouco mais tarde por Sargent, foi ressaltar a importância da existência de coordenação entre os regimes monetário e fiscal, para que o “jogo” da economia seja cooperativo. Quando não existe coordenação, por exemplo, quando o governo apresenta forte desequilíbrio em suas contas e o Banco Central resolve atacar a inflação, a taxa de juros necessária para que a inflação caia passa a ser muito maior do que seria caso as contas públicas apresentassem equilíbrio entre receitas e despesas. Mais uma vez, ao pensarmos no Brasil de hoje, somos forçados a coçar a cabeça.

Rest in peace, Professor! E obrigado por seus ensinamentos. Como seria bom se os atuais ministros da área econômica do Brasil e seus assessores arrogantes conhecessem — e entendessem — a sua obra…

* Artigo publicado originalmente no site da Revista Oeste.

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Ubiratan Jorge Iorio

Ubiratan Jorge Iorio

É economista, professor e escritor.

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