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A Escola Austríaca e a economia brasileira

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Para começar, é importante registrar que a Escola Austríaca de Economia é a que mais consegue explicar a economia do mundo real e o faz de maneira simples e inteligível para qualquer pessoa, com lógica irrepreensível e dentro das limitações que a realidade impõe a todas as ciências sociais.

Dentre todas as abordagens econômicas existentes, a Escola Austríaca, é sem dúvida, a mais liberal, no sentido de enfatizar a importância da economia de mercado e das liberdades individuais, desde as suas origens nos pós-escolásticos, há seis séculos, até o presente.

Em meu livro Ação, tempo e conhecimento sintetizei os fundamentos da Escola Austríaca como sendo uma tríade concomitante e complementar, formada pelos conceitos de ação humana, de tempo dinâmico e pela hipótese acerca dos limites que existem ao nosso conhecimento. Esses três componentes formam o seu núcleo fundamental e se transmitem por meio de seus elementos de propagação, que são também em número de três, para os diversos campos da sociedade.

O primeiro deles (que não é exclusivo da Escola Austríaca) é o princípio da utilidade marginal, que determina o valor. O segundo é o subjetivismo, que enfatiza a criatividade e a autonomia das nossas escolhas individuais e, por conta disso, subordina-se ao individualismo metodológico, que é a concepção de que os resultados do mercado devem ser explicados em termos de atos de escolhas individuais. Para os austríacos a teoria econômica deve considerar prioritariamente o emaranhado de fatores que explicam as escolhas e não limitar-se a simples interações entre variáveis objetivas. E o terceiro é o conceito de ordens espontâneas, que são classes intermediárias de fenômenos específicos da ciência da ação humana ou Praxiologia, instituições que se situam entre o instinto e a razão, resultantes da ação humana, mas não da execução de qualquer desígnio humano planejado.

A Escola Austríaca pode ser descrita, em linguagem bem simples, como o estudo da ação humana individual ao longo do tempo e em condições de incerteza genuína.

Quais são as principais diferenças entre a Escola Austríaca e as demais escolas de pensamento econômico?

Quando se estuda a Escola Austríaca, analisa-se não apenas a economia, mas as relações desta com a política, o direito, a história, a sociologia, a psicologia, a antropologia, a epistemologia e a filosofia política. Examina-se, de um lado, como a economia é influenciada por todos esses ramos do conhecimento e, de outro, quais as suas implicações sobre eles, ou, pelo menos, sobre alguns deles. Aquele típico homo oeconomicus a que todos os estudantes de Ciências Econômicas tradicionalmente são apresentados no início das estruturas curriculares dos cursos das universidades de em todo o mundo, simplesmente, não existe. É fruto da imaginação, uma construção imaginária útil do ponto de vista teórico, mas desconectada com a realidade do dia a dia.

A partir daí, surgem as diferenças em relação às demais escolas. Uma é que a Escola Austríaca não se limita a estudar os problemas econômicos isoladamente, como as demais escolas o fazem. No mundo real, aquele que não está nos livros, não existe o homo aeconomicus, mas sim o homo agens, cujas escolhas são também influenciadas por fatores filosóficos, políticos, jurídicos, psicológicos, antropológicos, etc. Ela trata, portanto, a economia como uma ciência social interdisciplinar.

Outra é que a EA dá ênfase às escolhas individuais, que chama de ação humana, que sempre são feitas ao longo do tempo e em ambiente de alguma incerteza que não pode ser medida, uma vez que considera com bastante cuidado que o conhecimento necessário para as tomadas de decisão individuais é sempre incompleto, tem imperfeições e está disperso. A EA, ao considerar que as escolhas são individuais, rejeita o método da macroeconomia.

Uma terceira é o subjetivismo presente nas escolhas, o que leva a EA a olhar com desconfiança modelos matemáticos de comportamento, assim como modelos econométricos de previsão.

Uma quarta e última – para não me alongar em excesso – é que a EA considera a economia como uma ciência de meios e não de fins, ou seja, dado um objetivo qualquer, procurar descobrir quais os meios necessários e como devem ser combinados para atingi-lo.

Quais são os principais autores da Escola Austríaca? Quais foram suas contribuições para o pensamento econômico?

Os mais conhecidos são Carl Menger, considerado o fundador da escola (1840-1921), Ludwig Von Mises (1881-1973), que demonstrou a insustentabilidade econômica do socialismo e escreveu Ação Humana, considerada a sua obra mais importante e Friedrich A. Hayek (1899-1992), laureado com o Nobel em 1974, que desenvolveu a teoria dos ciclos econômicos e escreveu O Caminho da Servidão, seu livro mais conhecido.

Além desses nomes, existem outros em vários países, tanto os que mantiveram a tradição da escola e não permitiram o seu desaparecimento, como os que, a partir dos anos 70, vêm procurando expandi-la, modernizá-la e aperfeiçoá-la: nos Estados Unidos, entre outros, Israel Kirzner, Murray Rothbard, Hans Sennholz, Richard Ebeling, Mark Skousen, Roger Garrison e Peter Boettke; na Alemanha, Hans-Hermann Hoppe, Jorg Guido Hülsmann e Philipp Bagus; na França, Pascal Salin; na Espanha, Jesus Huerta De Soto; na Itália, Lorenzo Infantino e Flavio Felice; em Portugal, José Manuel Moreira e André Azevedo Alves; na Argentina, Gabriel Zanotti, Alberto Benegas Lynch,  Juan Carlos Cachanosky e Adrián Ravier. No Brasil, os meus queridos colegas Antony Mueller e Fabio Barbieri, além de outros mais jovens.

Que países adotaram, pelo menos parcialmente, as ideias difundidas pelos economistas austríacos? Quais foram os resultados?

Os mais conhecidos são o Reino Unido, no período de 1979 a 1990, com Margaret Thatcher como primeira-ministra e os Estados Unidos entre 1981 e 1989, sob a presidência de Ronald Reagan. Ambos adotaram políticas interna e externa conservadoras, bastante influenciadas pelas ideias de Hayek.

No Reino Unido, as grandes reformas estruturais promovidas pela primeira ministra deram fim a uma grande crise causada pelos governos trabalhistas e permitiram um longo período de crescimento autossustentado e recuperação da influência britânica no cenário mundial. Sua filosofia política e sua política econômica foram fortemente influenciadas pela Escola Austríaca e consistiram em forte redução do papel do Estado; incentivo ao livre mercado; desregulamentação; flexibilização dos  mercados de trabalho; privatização de estatais; diminuição substancial no enorme poder e influência que tinham os sindicatos, com a aprovação de leis para coibir a militância sindical; moralização das finanças públicas, com cortes radicais de gastos e impostos; aumento da competição no mercado financeiro; controle obstinado da inflação; e modernização industrial, com a desativação de indústrias obsoletas.

Nos Estados Unidos, as reformas pró-mercado de Reagan, também proporcionaram um período de prosperidade, com sua política de recuperação econômica mediante estímulos à oferta, conhecida como “Reaganomics” e com medidas de desregulamentação, redução dos gastos governamentais e cortes de impostos. Até o final de seu governo, a inflação caiu de maneira significativa, foram criados espontaneamente dezesseis milhões de empregos e a economia cresceu a uma taxa média de 7% ao ano.

Em resumo, os dois governantes fizeram todo o possível, mesmo enfrentando as limitações usuais impostas pelas pressões políticas, para cumprir na prática as principais recomendações da Escola Austríaca: redução do papel do Estado, incentivo ao livre mercado e à competição e respeito às liberdades individuais.

Por qual(is) motivo(s) os economistas austríacos são marginalizados nas universidades brasileiras?

Não é só no Brasil que isso acontece. Penso que a explicação para essa queda na popularidade acadêmica tem pelo menos dois motivos; o primeiro é que as explicações dos austríacos para a Grande Depressão e suas consequentes recomendações quanto ao que os governos deveriam fazer não eram lá – e continuam não sendo -, digamos, muito agradáveis aos ouvidos dos políticos, quando comparadas às de Keynes: enquanto os primeiros recomendavam apenas liberdade, austeridade fiscal e controle monetário, Keynes apregoava que os governos deveriam gastar mais para estimular a demanda, ou seja, entre o comportamento parcimonioso da formiga e o esbanjador da cigarra, políticos preferem sempre optar pelo último, que lhes é duplamente conveniente, seja porque lhes dá mais popularidade, seja porque o dinheiro que gastam não é o deles.

Não foi outro o motivo pelo qual Keynes “venceu” o famoso debate que travou contra o seu amigo Hayek, o que desgostou o austríaco ao ponto de lhe causar desinteresse pela teoria econômica pura e estimulá-lo a outras áreas de interesse, como a filosofia política, as relações do Direito com a Economia, a Epistemologia, a defesa das liberdades, a crítica à engenharia social, etc.

O segundo motivo é que a teoria econômica passou a se afastar progressivamente, desde o início do século passado, de suas origens clássicas na filosofia moral e a aderir ao positivismo, o que a levou a adotar métodos cada vez mais semelhantes aos das ciências naturais, o que contribuiu a fez tornar-se alheia ao mundo real, por ignorar as relações que sempre existiram e vão existir, da economia com as demais áreas de conhecimento do campo social. Por isso, a Escola Austríaca foi sendo marginalizada pela nova “sabedoria” convencional, revestida de matemática e métodos econométricos e os austríacos considerados ultrapassados, fora da ciência, prisioneiros da “intuição” e outras acusações semelhantes.

Mas a partir de 1974, o jogo começou a virar. Naquele ano, Hayek ganhou o Nobel e um dos motivos de sua premiação foi que sempre defendera a possibilidade de inflação e desemprego coexistirem, ou seja, a estagflação, defesa que sempre foi considerada uma heresia pela mainstream economics, mas que se tornou real desde que aconteceu a primeira crise do petróleo, em 1973 (assim como está acontecendo hoje na pós-pandemia).

Começou, então, uma espécie de Renascimento da EA. Embora não exista teoria econômica perfeita, porque a economia é uma ciência social e não uma ciência exata, a verdade é que a EA parece descrever o mundo real mais apropriadamente do que as teorias rivais, inclusive as de teor liberal.

A análise cuidadosa dos ciclos econômicos do início do século XIX até hoje é um bom exemplo disso, porque nos leva a reconhecer um núcleo de identidades básicas fundamentais que nos permite identificar uma origem única para os ciclos econômicos: uma fartura postiça, falsificada, ilusória de moeda e crédito. E essa fartura de moeda e de crédito nas economias, naturalmente, é promovida pelos governos, por meio dos seus bancos centrais e do sistema bancário. Essa e somente essa é a causa dos ciclos econômicos e das crises, de acordo com a Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos, a TACE.

Para confirmar esse diagnóstico, basta recorrer à História e voltar duzentos anos no tempo. No ano de 1819 houve uma crise, um pânico, nos EUA, provocado pelo crédito postiço; em 1836, na Inglaterra e nos EUA, houve outra crise, também provocada por um excesso de crédito falsificado, ou seja, sem lastro em  poupança; no ano de 1847 também aconteceu o mesmo fenômeno, que começou no Reino Unido e depois se estendeu à França e aos EUA; em 1866, repetiu-se, também no Reino Unido e na França; em 1907, na época da adoção da energia elétrica, houve uma expansão brutal do crédito para novas companhias de eletricidade, resultando em uma bolha; a Grande Depressão de 1929, contrariamente ao falso diagnóstico de Keynes, não foi provocada por insuficiência de demanda, mas por uma brutal, descomunal expansão de crédito que aconteceu na segunda metade da década de vinte, já então sob a regência de um novo organismo, o FED (Federal Reserve).

Mais tarde, na recessão do final dos anos setenta, todo o mundo colocava a culpa no mordomo, como nos romances nos filmes policiais e o mordomo, no caso, era o preço do barril de petróleo, que tinha quadruplicado. Entretanto, os criminosos não eram os árabes, que haviam aumentado o preço: os meliantes eram os bancos centrais, ou seja, os  governos com suas políticas  inflacionárias deliberadamente inflacionárias. Mais tarde, houve uma recessão no início dos anos noventa, também deflagrada por uma nova expansão creditícia nos EUA acontecida nos anos oitenta, que provocou um boom espetacular, artificial nas bolsas de valores. Isso se repetiu também no final dos anos noventa, com a famosa crise da Nasdaq. E, em 2008, na famosa bolha imobiliária, que também foi precedida por uma expansão artificial de crédito e da moeda substancial, dessa vez com um ingrediente adicional, que eram os novos produtos financeiros. Por fim, com as políticas adotadas no mundo inteiro para combater a pandemia e seus efeitos, os austríacos, como sempre, avisaram antes dos demais o que iria acontecer: inflação e desemprego. E é o que está acontecendo.

Só esse fato já justifica a importância de se tirar o salto alto da arrogância pretensamente “científica” e conhecer a Escola Austríaca.

Qual a relação da Escola Austríaca com o libertarianismo?

Os libertários representam o ramo mais radical da Escola Austríaca. Entretanto, a maioria dos austríacos não é libertária, porque a fundamentação original da EA é o liberalismo clássico, de teor conservador. A esse respeito, é curioso que muitos libertários defendam pautas bem semelhantes – e às vezes idênticas -, às progressistas, como aborto, liberação de drogas, defesas de “minorias”, feminismo e outras, embora haja divergências quanto aos meios. O ponto essencial é que para um libertário – como, aliás, o próprio nome indica – a liberdade é ”tudo” ou quase tudo na hierarquia dos direitos.

Como disse, a raiz da EA está fincada na terra mais conservadora do liberalismo clássico e, portanto, considera que a hierarquia dos chamados direitos naturais deve ser, primeiro, a vida, e depois a liberdade e a propriedade.

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Ubiratan Jorge Iorio

Ubiratan Jorge Iorio

É economista, professor e escritor.

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