Resenha do livro “Evolução Histórica do Liberalismo”

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Evolução Histórica do Liberalismo é um livro de ensaios dos autores Alex Catharino, Antonio Paim, Francisco Martins de Souza, Gustavo Adolfo Santos, José Osvaldo de Meira Penna, Ricardo Vélez Rodríguez, Ubiratan Borges de Macedo e Ubiratan Jorge Iorio. A obra faz uma revisão da ideologia liberal desde o nascimento até sua consolidação, contribuindo para a preservação do patrimônio do liberalismo. O texto está organizado em 12 capítulos, iniciando pelos fundamentos teóricos liberais, seus pensadores de destaque, principais reformas, escolas econômicas, até chegar às vertentes contemporâneas do liberalismo político. 

O ponto de partida do livro é a compreensão do conceito de liberalismo, segundo o qual se traduz no “conjunto de ideias, de valores, de princípios e de conhecimentos que, partindo da experiência histórica concreta, servem de base para um sistema que visa assegurar a liberdade individual nos campos da religião, da moralidade, da política e da economia”. O objetivo do liberalismo, então, é assegurar que todos possam perseguir a felicidade com autonomia e responsabilidade. 

Os primeiros traços do liberalismo podem ser encontrados no século XVII, particularmente na Inglaterra, a partir da Revolução Puritana de 1640 e da Revolução Gloriosa de 1688, sistematizada originalmente por John Locke. À época, o foco dos liberais estava na defesa da tolerância religiosa, da limitação do poder discricionário e, principalmente, dos direitos à vida, liberdade e propriedade, algo relacionado, atualmente, ao conservadorismo. 

Entretanto, diante da mistura dos conceitos ao longo dos anos, a obra faz uma útil conceituação sobre o liberalismo de matriz conservadora. Segundo o texto, o termo “conservador” surgiu na França na Era Napoleônica, criado por escritores políticos para descrever uma posição moderada que buscava conciliar o melhor do Antigo Regime com as mudanças positivas da Revolução Francesa, sem ser reacionário ou excessivamente progressista. Essa é uma conceituação relevante para o contexto atual, especialmente num mundo cada vez mais polarizado, onde o liberalismo econômico ora se confunde com o liberalismo de costumes, ora com o conservadorismo.

O livro também reforça as duas instituições basilares do liberalismo segundo a ordem liberal: (1) o Estado de Direito, entendido como o império da lei, considerado o único formato de organização jurídica possível que permite as liberdades e a convivência pacífica entre as pessoas, e; (2) a economia de livre mercado. A partir da discussão sobre o Estado de Direito, emerge o debate sobre o alinhamento entre liberalismo e democracia. Nesse aspecto, Tocqueville fez as maiores contribuições, destacando o valor da democracia e suas virtudes na promoção do desenvolvimento, da justiça e do bem-estar das sociedades. Tocqueville, no entanto, sabia dos desafios enfrentados pela democracia ao tentar conciliar os ideais revolucionários de liberdade, igualdade e fraternidade. O forte desejo de igualdade poderia levar ao socialismo, resultando na submissão ao despotismo burocrático. Por outro lado, para ele, o ideal de liberdade poderia ser explorado por aqueles que buscam, justamente, eliminá-la, uma ideia que ressoa com a mesma história narrada anos mais tarde por Hayek em O caminho da servidão

Para Tocqueville, assim como para Montesquieu, a cultura política e os costumes morais de uma sociedade são essenciais para moldar o caráter de uma nação. Abaixo da moralidade, as leis desempenham um papel importante, seguidas pelas circunstâncias geográficas e históricas. Esses fatores combinados determinam se uma sociedade será livre ou não. O componente chave dessa liberdade é de natureza religiosa, considerado em seu sentido mais abrangente. Para Tocqueville, a sociedade americana era a que melhor conseguia integrar o espírito religioso com o espírito de liberdade à época.

Assim, segundo a visão liberal, não é papel do Estado impor a moral social, que deve ser ensinada no ambiente familiar, nas escolas e na própria sociedade, permeada por uma religiosidade – não uma religiosidade ritualística, sacramentalista ou supersticiosa, mas baseada nos fundamentos racionais da ética. A falta disso nos países latinos é o que nos levou a adotar a ideia equivocada de uma moralidade imposta pelo Estado, originando muitos dos desafios comuns aos países latino-americanos.

Do ponto de vista econômico, a obra também faz uma análise sobre a contribuição dos clássicos, essencial para o avanço do liberalismo econômico e da própria ciência econômica. Nesse aspecto, o liberalismo surgiu com o objetivo de superar o mercantilismo das monarquias absolutistas, baseando-se na ideia de que os agentes econômicos devem operar livremente, sem coerção de indivíduos ou autoridades governamentais. Em outras palavras, os preços deveriam refletir o grau relativo de escassez de bens e serviços, e as trocas comerciais deveriam buscar o lucro. 

Adam Smith foi o precursor do liberalismo econômico no século XVIII, apresentando os princípios da defesa do livre mercado, do interesse individual e da divisão social do trabalho, valores também defendidos nas obras de Thomas Malthus, David Ricardo, Frédéric Bastiat, dentre outros. Smith foi quem introduziu a ideia da mão invisível, que equilibra os interesses no mercado, bem como a importância do egoísmo para a riqueza das nações. A célebre frase do economista escocês explicita o conceito sem interpretações pejorativas: “Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro e do padeiro que esperamos o nosso jantar, mas da consideração que eles têm pelos próprios interesses”. 

David Ricardo, por sua vez, introduziu a ideia das vantagens comparativas, sugerindo que os países deveriam se especializar na produção do que fosse mais barato para eles e importar o restante, mesmo que isso prejudicasse empresários e trabalhadores locais. Embora amplamente defendido na teoria, o conceito ainda é polêmico na prática, mesmo entre liberais, e raramente é aplicado na realidade do comércio internacional, onde subsídios e barreiras comerciais são utilizados para proteger produtores locais, como no caso da taxação de compras internacionais acima de $50 no Brasil.

Continuando o curso da evolução do liberalismo, o crescimento das cidades europeias fez emergir novos desafios, como o aumento da demanda dos trabalhadores por melhores condições de vida. Nesse contexto, surgiram as ideias de Keynes, que argumentava que o Estado Liberal deveria ter a responsabilidade de assegurar um determinado nível de emprego. Para tal, o governo deveria incentivar os investimentos, principalmente por meio da redução das taxas de juros. Contudo, como apenas a redução dos juros não resolveria, o governo deveria também arrecadar mais, fazendo com que o liberalismo começasse a deixar de lado o conceito de não intervenção (laissez-faire). 

Segundo a obra, o intervencionismo econômico keynesiano ajudou a garantir um longo período de crescimento nas economias desenvolvidas. Entre 1951 e 1973, os Estados Unidos, a Europa Ocidental e o Japão cresceram a uma média de 5% ao ano, ao passo que, nos 150 anos anteriores, o capitalismo enfrentava cerca de vinte crises a cada sete ou oito anos, além de várias recessões menores que culminaram na Crise de 1929. 

Os economistas keynesianos acreditam que o governo deve gastar mais dinheiro de forma contínua, porque gastos públicos podem impulsionar a economia através do “efeito multiplicador”. Esse conceito sugere que a aplicação de recursos via Estado gera mais atividade econômica do que via mercado, ajudando a transformar investimentos simples em grandes benefícios para a sociedade – embora essa teoria não tenha se comprovado na prática.

A obra se volta, então, para uma análise da evolução – ou involução, nesse caso, do liberalismo no século XX. O livro aponta que foram justamente os ideais do liberalismo que ajudaram a organizar e apoiar a representação política dos trabalhadores, promovendo a inclusão de operários e outras classes trabalhadoras na sociedade. Paradoxalmente, foi justamente a partir desses movimentos que surgiram o coletivismo e as grandes disputas entre o liberalismo e as formas totalitárias de socialismo, comprovando o que citou Tocqueville anos antes. 

O século XX foi marcado pela predominância do coletivismo explícito, onde os Estados e seus líderes causaram o maior número de mortes na história em nome de ideologias, com centenas de milhões de pessoas perdendo suas vidas em guerras e perseguições. 

Em contrapartida a essas crises e mesmo contra o keynesianismo, o liberalismo manteve-se firme, especialmente por meio da Escola Monetarista de Chicago, da Escola das Expectativas Racionais, da Public Choice, da Nova Economia Institucional e da Escola Austríaca. Essas correntes retomaram a ótica do interesse dos agentes no estudo da economia, bem como a influência das regras e das forças de mercado. 

Do ponto de vista político, também surgiram novas correntes a partir do final do século XIX como o Liberalismo Social, o Neoliberalismo, os Libertários Radicais e os Conservadores Liberais. O Liberalismo Social combina ideias liberais com uma visão mais permissiva do papel ativo do Estado. O movimento defende que o governo deve intervir o quanto menos, mas precisa garantir igualdade de largada para que todos tenham chances e oportunidades similares de crescimento pessoal. 

O Neoliberalismo, por sua vez, defende fortemente a liberdade econômica e critica a interferência do Estado na economia. A corrente se baseia na ideia de que as ações são guiadas por decisões e motivações individuais, dentro de um ambiente social complexo, e que nenhuma pessoa ou governo consegue controlar ou planejar completamente a ponto de acertar o nível ótimo de intervenção. 

O movimento libertário, popularizado por Ayn Rand, busca libertar as pessoas de controles sociais, religiosos e tradicionais, argumentando que o Estado é ilegítimo, imoral e ineficaz. Seus adeptos baseiam suas ideias em princípios do Direito Natural e da Escola Austríaca de Economia, argumentando que cada indivíduo tem direitos naturais que proíbem qualquer forma de coerção ou agressão, incluindo a interferência do Estado. Nesse sentido, o Estado é visto como agressor por natureza, especialmente quando cobra impostos compulsoriamente.

Por sua vez, os conservadores liberais ou neoconservadores acreditam na importância da preservação da liberdade individual, do direito à propriedade, da limitação de poderes estatais, do Estado de direito e da moralidade cristã como essenciais para enfrentar os desafios da sociedade moderna. A falta disso estaria na raiz de regimes autoritários e totalitários, que levaram às grandes guerras. 

Em conclusão, a obra demonstra que o liberalismo contemporâneo possui uma ampla diversidade de pensamentos, evidenciando sua vitalidade e habilidade de se adaptar a variados cenários políticos e culturais. Não obstante, como se viu, o movimento enfrenta obstáculos desde quando seus primeiros defensores ergueram a bandeira da liberdade individual, da restrição ao poder governamental e da aceitação de diferentes visões de mundo. Esses desafios incluem críticas de quem sente a falta de tradições culturais e religiosas mais profundas, de regimes populistas autoritários e de classes que não se beneficiaram dos recentes progressos econômicos. 

Dessa forma, surge a necessidade de promover a união entre as diferentes correntes do liberalismo, respeitando as preferências específicas de cada vertente em relação a determinados aspectos. Como sugere o livro, os liberais podem aproveitar sua principal força — a capacidade histórica do movimento de interagir com essas questões, valorizando a dignidade humana e promovendo a liberdade e a verdade ao longo da trajetória histórica.

Por fim, é importante lembrar que os ideais vigentes estão sempre sujeitos a mudanças, mas é fundamental estar vigilante, pois “toda democracia, se não é moralmente vigilante no respeito à liberdade de iniciativa e expressão, tende à centralização estatal e, consequentemente, a uma espécie de despotismo burocrático que pode degenerar em tirania”. Os eventos recentes no Brasil reforçam a necessidade de valorizarmos e colocarmos em prática os ideais defendidos ao longo da evolução histórica do liberalismo.

*Gustavo Garcia Vieira de Almeida é Associado II do IFL – BH, Diretor de Gestão e Novos Negócios na Invest Minas, agência de promoção de investimentos de Minas Gerais. É mestre e bacharel em Administração Pública pela Fundação João Pinheiro e em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Especialista em assuntos governamentais, políticas públicas e regulamentação, com uma trajetória de 16 anos dedicados a orientar governos e corporações na execução de estratégias, fomento de novos negócios e promoção de investimentos. É fundador e Conselheiro de Administração na empresa Meubiz, especializada em fusões e aquisições. Conselheiro Consultivo na International Economic Development Council (IEDC) e membro da Câmara de Mercado da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG). Foi Conselheiro da Fundação Caio Martins e Conselheiro de Administração da Agência de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte. É fellow pela Eisenhower Fellowships e pela American Council for Young Political Leaders, nos Estados Unidos, alum em Facilitação de Negócios pelo Ministério de Relações Exteriores da China e em Desenvolvimento Econômico pelo Governo de Singapura. Participou e liderou missões internacionais por diversos países, dentre eles Estados Unidos, Portugal, Estônia, Finlândia, Suécia, China e Singapura.

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