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Qual o tamanho do gasto do governo em relação ao PIB?

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Fui dar uma olhada mais cuidadosa na apresentação oficial do Plano Mais Brasil (link aqui). No quarto slide, deparei-me com um gráfico mostrando a despesa total do governo considerando o setor público consolidado.

Estranhei os valores próximos a 50% do PIB. Estou acostumado a trabalhar com os números do FMI que colocam a despesa do governo geral em torno de 38% do PIB. De onde vem a diferença? É normal que existam diferenças entre dados nacionais e dados do FMI, mas estamos falando de cerca de 12% do PIB em um fluxo de despesa. É muita coisa.

Para descartar a hipótese de erro no gráfico, resolvi reproduzir os números da apresentação do Plano Mais Brasil. Para isso fui à página Tesouro Nacional Transparente (link aqui). O gráfico da apresentação cita a STN como fonte e ainda procurei pelas despesas do governo geral. Como o gráfico é de barras e não apresenta os valores para cada, não sei ao certo se estou usando os mesmos números que os usados na apresentação, mas os valores são próximos. Se o único número disponível no gráfico, 49,2%, for referente a 2018 – creio que seja -, então estamos quase iguais, pois eu encontrei 49,1%. Salvo erro meu, os valores para o gasto medidos pelo Tesouro e pelo FMI são de fato bem diferentes. A figura abaixo ilustra as duas medidas.

Recorri a colegas de profissão para entender a diferença, que fica um tanto mais difícil de explicar por o Tesouro afirmar que a série é construída com uso de critérios internacionais. A resposta mais sólida que consegui diz que os dados de Tesouro de fato seguem padrões internacionais, mas não são os mais adequados para medir o tamanho dos gastos. Isso ocorre por conta de imputações, por conta de dupla contagem nos pagamentos dentro do setor público e na forma de cálculo dos juros. São questões técnicas mais conhecidas (e dominadas) por contadores especializados em orçamento público do que por economistas, mas, se a diferença entre o número do FMI e o do Tesouro for por conta dessas questões, são muito relevantes para passarem desapercebidas. Seria bom esclarecer essa questão antes que os debates comecem para evitarmos a “guerra de números” que tanto atrapalhou o debate sobre a reforma da previdência.

Outro número estranho é o de que, a cada R$ 100 do orçamento da União, cerca de R$ 65 são para pagamento de folha. Como mostrei em post anterior (link aqui), o gasto da União com Pessoal e Encargos Sociais fica próximo a 25% da Receita Corrente Líquida e cerca de 4,3% do PIB, números que não são compatíveis com um gasto com folha de 65% do orçamento da União. Até agora não encontrei explicação para esse número; ainda me ocorreu que tenham colocado o RGPS (previdência) como folha, mas seria uma canelada muito grande e preferi não testar.

Um último ponto em relação aos números da apresentação diz respeito à figura mostrando despesas obrigatória e discricionárias. Não vou entrar no animado debate a respeito do uso de gráficos com escalas duais (mentira, eu vou), mas gráfico com escala dual que só mostra uma é demais para um leitor de livros e artigos do Hadley Wickham e usuário do ggplot2, como bem mostram os gráficos desse e de muitos outros posts do blog.

Para que o leitor entenda o problema das escalas duais (eu avisei que estava mentindo) vou fazer um exemplo que chega o mais próximo possível de uma escala dual que ggplot2 permite. A figura abaixo mostra a despesa discricionária e a despesa obrigatória desde 2012 segundo os dados da STN. Os valores são de julho de 2019 e os dados são a soma de doze meses. 

Repare que a figura mostra de forma clara que o ajuste fiscal foi feito sacrificando gastos discricionários, mas pode induzir o leitor desatento a pensar que a queda no gasto discricionário levou a uma forte queda no gasto total. Essa impressão é uma ilusão; repare que a escala do gráfico da esquerda é diferente da escala do gráfico da direita. Em uma figura com escala dual, é mais difícil perceber a diferença; por costume, olhamos a escala da esquerda e temos dificuldade em ler da direita para a esquerda. No gráfico da apresentação fica ainda pior, pois só aparece uma escala. Quem não conhece os dados fica com a impressão de que já fizemos um ajuste fiscal gigantesco, o que é ruim para a tese do governo, e que a queda do gasto discricionário foi muito maior do que a queda que de fato ocorreu, o que ajuda a tese do governo da necessidade de controlar o gasto obrigatório. Tese que nunca é demais dizer que considero correta.

A figura abaixo mostra os mesmos dados da figura anterior, a única diferença é que agora o lado esquerdo e direito usam a mesma escala. Perceberam a diferença? Nela fica mais difícil enxergar a queda do gasto discricionário, porém fica fácil perceber que a queda do gasto discricionário não compensa o aumento do gasto obrigatório (aquele “morro” em 2016 foi por conta do reconhecimento de pedaladas). 

Qual é a melhor forma de mostrar os dados? Esse é o tipo de pergunta que pode tomar horas de discussão entre quem gosta do assunto. Eu talvez usasse a primeira, afinal o objetivo é apontar o limite no ajuste via despesas discricionárias, mas faria ressalvas quanto às escalas em algum lugar. Como seguidor esforçado do Wickham, evitaria usar a escala dual, mas entendo que às vezes não aparecem alternativas. No caso específico, me limito a pedir que coloquem a outra escala.

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Roberto Ellery

Roberto Ellery

Roberto Ellery, professor de Economia da Universidade de Brasília (UnB), participa de debate sobre as formas de alterar o atual quadro de baixa taxa de investimento agregado no país e os efeitos em longo prazo das políticas de investimento.

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