Presidente do BACEN diz que é preciso acabar com “meia-entrada” nos juros
Tenho inúmeros artigos condenando o BNDES, mostrando como seus subsídios são prejudiciais para a economia, desviam o foco para “investimento” em lobby em vez de produtividade, gera corrupção por conta do valor da “amizade com o rei”, e produz o efeito “crowding out”, espantando o mercado desse setor e pressionando a taxa de juros geral para cima.
Mas quando é o próprio presidente do Banco Central, que tem a missão de cuidar da taxa de inflação para que fique dentro da meta, a dizer basicamente a mesma coisa, então merece destaque. Em entrevista ao Globo, Ilan Goldfajn condenou a “meia-entrada” nos juros, ou seja, o acesso que alguns privilegiados têm aos desembolsos do BNDES, enquanto o restante paga mais por isso. Eis alguns trechos:
A inflação caiu. Os juros estão caindo. A economia está começando a se recuperar. O nosso objetivo é manter isso de uma forma perene. Não dá para relaxar e dizer o jogo está ganho. Já tivemos, no passado, experiências de queda da inflação e até de queda de juros que não se sustentaram. O nosso foco agora é tentar manter a inflação baixa, mas estável. Juros baixos, mas estáveis. São oportunidades que nós, como os brasileiros, temos que aproveitar.
A direção da política econômica e da política monetária tem de persistir nas reformas. Muita gente diz que a inflação caiu por causa da recessão. Essa ideia de que a inflação “acontece” tira um pouco a nossa responsabilidade. Quando ela fica alta, podem ser choques, mas tem responsabilidade. No trabalho para a inflação ficar mais baixa, nós tivemos decisões importantes. A meta nos parecia desafiadora, porque a inflação estava em 10% e tinha de chegar a 4,5%, mas era crível.
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Hoje, o Brasil tem uma característica diferente do resto do mundo. Tem sistema de crédito dual. Metade do crédito do Brasil tem taxa de mercado. E temos metade do crédito do Brasil que a taxa é subsidiada. O resultado disso é que você tem taxas muito altas para todo mundo. Uns amigos economistas fizeram uma ótima analogia: é a ideia da meia-entrada. O Brasil é cheio de meias-entradas. No cinema, todo mundo tem direito à meia-entrada, e quem paga a inteira paga muito alto. No sistema financeiro, tem meia-entrada também. É um círculo vicioso. Você só consegue reduzir os juros para todo mundo se você conseguir quebrar esse mecanismo.
O presidente do Bacen está certo. A taxa de inflação caiu por mérito do Bacen, que soube ancorar as expectativas. O país já estava em recessão antes, durante o governo Dilma, mas a inflação continuava alta, até subindo. Quem acha que basta recessão para derrubar inflação não entendeu ainda que a inflação é um fenômeno monetário. A Venezuela tem depressão econômica e hiperinflação, como era na República de Weimar e em tantos outros casos históricos.
Goldfajn também está certo ao lembrar que, agora, as reformas são necessárias. A política monetária tem apenas um poder limitado, e sem a política fiscal, é como matar uma formiga com uma bazuca: o efeito colateral é enorme. Para conter a inflação usando apenas a taxa de juros, sem resolver a origem do problema – os descontrolados gastos públicos – é necessário usar o instrumento com força demais. Napoleão conquistou a Rússia, mas agora a cavalaria tem que vir em seu apoio, pois o inverno está chegando.
Sem reformas, não teremos solucionado a raiz do mal, e ficaremos dependentes exclusivamente da política monetária, o que impedirá um crescimento econômico maior. Ou aprovamos as reformas estruturais, ou teremos apenas voos de galinha.
Por fim, o conceito de “meia-entrada” é excelente para explicar o problema causado pelo BNDES. Todos sabemos que o preço dos ingressos são mais caros pois há “malandros” demais abusando da meia-entrada, e os demais, “otários”, precisam pagar o pato. Ocorre o mesmo nos juros, só que os “malandros” são poucos grupos grandes e organizados. Mais de 70% dos empréstimos do BNDES vão para esses poucos privilegiados.
Somos o país da “meia-entrada”, em que todos querem se dar bem à custa dos outros. Precisamos resgatar o conceito de isonomia, caro aos gregos, de que todos devem ser tratados da mesma maneira. Os anglo-saxões levaram a ideia adiante com o “império das leis”, o oposto de privilégio, que vem de privi leges, ou “leis privadas”, feitas sob medida para beneficiar somente um grupo seleto, poderoso.
É preciso, portanto, aprovar reformas, cortar gastos públicos para valer, e acabar com os subsídios do BNDES em sua escolha dos “campeões nacionais”. O caminho é esse, liberal. A alternativa é insistir nessa heterodoxia “desenvolvimentista” que tem produzido alta inflação, baixo crescimento e muita corrupção.