Um Bolsa Família mais justo
O Bolsa Família, embora concebido como uma rede de proteção social emergencial e temporária, tem assumido feições de um benefício perpétuo, descolado de exigências mínimas de esforço pessoal, responsabilidade cívica e transição para a autonomia. Esse modelo não apenas desincentiva a emancipação dos beneficiários, como impõe um custo elevado e crescente à sociedade produtiva. É urgente repensar seus pilares sob uma perspectiva liberal que privilegie a dignidade por meio do trabalho, a conduta ética e o uso responsável dos recursos públicos.
Atualmente, o Brasil experimenta um cenário de recuperação do mercado de trabalho. Segundo dados do IBGE (PNAD Contínua, 2025), a taxa de desemprego está abaixo de 8%, e há mais de 500 mil vagas formais abertas, especialmente em setores de baixa exigência técnica, como serviços, agricultura e construção civil. Isso demonstra que o problema não está, em grande medida, na ausência de oportunidade, mas na desconexão entre políticas assistencialistas e a realidade do mercado. Um programa social verdadeiramente justo deve funcionar como um incentivo à inserção produtiva e não como um desestímulo ao esforço individual.
Nesse sentido, um Bolsa Família mais justo deve atrelar sua permanência a critérios que valorizem o trabalho. O beneficiário que recusar, de forma reiterada e sem justificativa plausível, ofertas de emprego compatíveis com sua qualificação deve ser gradualmente desligado do programa. O sistema francês de assistência social, por exemplo, aplica sanções progressivas a quem não demonstra esforço em retornar ao mercado sem que isso seja considerado uma violação de direitos, mas uma aplicação racional do princípio da reciprocidade social. O trabalho dignifica, emancipa e gera mobilidade intergeracional. A assistência, quando mal desenhada, cristaliza a pobreza.
Ademais, o benefício deve ser transitório por definição. Estudos de políticas públicas mostram que transferências permanentes tendem a perpetuar a dependência e a criar ciclos intergeracionais de assistencialismo. É necessário instituir um modelo de escalonamento decrescente, em que, conforme a renda familiar aumenta, o valor do benefício se reduz progressivamente sem desincentivar o ingresso no mercado formal. Tal desenho de incentivo, aplicado com êxito em países como Chile e Canadá, impede a chamada aposentadoria precoce da pobreza e reorienta o programa para a autonomia.
Outro ponto central para tornar o Bolsa Família mais justo diz respeito à conduta cívica e moral dos beneficiários. O Estado não pode se tornar cúmplice indireto de comportamentos antissociais ou criminosos financiando indivíduos condenados ou reincidentes em crimes dolosos. O mínimo que se espera de um cidadão financiado pelo esforço alheio é o respeito às leis. Nesse sentido, a manutenção do benefício deve ser condicionada à inexistência de condenações criminais transitadas em julgado, especialmente por crimes violentos, contra o patrimônio público ou contra a integridade de terceiros. A sociedade que financia o Bolsa Família não deve ser obrigada a sustentar seus próprios algozes.
Da mesma forma, o uso responsável dos recursos deve ser objeto de regulamentação. Estudos internacionais indicam que, em contextos de pobreza estrutural, uma parcela do auxílio é frequentemente desviada para consumo não essencial ou até mesmo nocivo. Em 2023, o governo australiano iniciou o controle do uso de benefícios públicos para evitar gastos com álcool, jogos de azar e produtos não essenciais, prática que poderia inspirar medidas semelhantes no Brasil. O uso do cartão do Bolsa Família, por exemplo, pode ser vinculado a categorias de consumo básicas, como alimentação, transporte, educação, saúde e vestuário, impedindo, por meios tecnológicos, transações com sites de apostas, jogos online ou casas lotéricas. Não se trata de paternalismo, mas de responsabilidade com o dinheiro público.
Por fim, um programa de transferência de renda eficaz deve ser parte de uma estratégia maior de mobilidade social e não o centro dela. A verdadeira justiça social nasce da liberdade de empreender, da segurança jurídica, da eficiência estatal e da educação de qualidade. Como afirmou Milton Friedman, um sistema que recompensa o fracasso perpetua o fracasso. O Bolsa Família deve proteger quem momentaneamente cai, mas jamais oferecer abrigo permanente à inércia ou à má-fé.
Para ser justo, o programa precisa abandonar o viés político-assistencialista e assumir uma forma tecnicamente racional, focalizado, exigente, temporário e vinculado ao mérito mínimo de quem recebe. A assistência pública não deve ser tratada como um direito incondicional, mas como uma ponte entre a vulnerabilidade e a dignidade, e essa ponte deve ter começo, meio e fim.