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Politicamente correto e censura? – estrelando a diretoria do Fluminense

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Para quem não sabe, sou sócio-torcedor do Fluminense Football Club. Não se preocupem, não escrevo isso para transformar este espaço em um blog esportivo. Não pretendo falar aqui sobre minhas frustrações futebolísticas, sobre o desempenho do time e do técnico, nem mesmo sobre questões políticas do clube e sobre os aspectos gerais da atual gestão. Solicito, inclusive, que o leitor tricolor não leve para esse lado. Não estou aqui fazendo campanha a favor dessa ou daquela corrente política dentro do Flu, tampouco contra.

O motivo para trazer o Fluminense à baila é que o ano de 2017 terminou com uma atitude lamentável da nossa diretoria – atitude que, para além das tradicionais queixas de torcedores de futebol, oferece um modelo interessante para abordar o problema da possível introdução sutil da censura através do intervencionismo politicamente correto, bem como o potencial de regulamentações exageradas afrontarem o que já funciona naturalmente pela ordem espontânea.

O Fluminense foi pioneiro em muitas coisas. É o grande responsável pela própria introdução do futebol no Rio de Janeiro em posição de destaque sobre outras modalidades esportivas, com o termo “Football” constando de sua designação oficial; também construiu um estádio próprio para abrigar jogos da Seleção brasileira e do futebol carioca e recebeu uma das maiores honrarias do desporto mundial por excelência administrativa, a Taça Olímpica. Infelizmente, dessa vez, ao que parece, a diretoria do Fluminense teve a ideia brilhante de ser pioneira em algo que não nos dá orgulho algum.

Parece que, antes dos demais clubes brasileiros, o Fluminense decidiu destacar uma lista de “Termos de uso” para quem pretenda comentar e interagir com suas redes sociais. O descumprimento de uma das oito regras exibidas pode desencadear banimento ou a exclusão do comentário.

Quero deixar claro de antemão: os perfis do Fluminense pertencem à instituição e são, por isso mesmo, geridos por sua diretoria eleita para isso. Não tenho nenhuma intenção de equiparar esse gesto a uma censura oficial perpetrada pelo Estado. Também não há indício de que a diretoria do Fluminense já tenha utilizado as tais regras como orientação para medidas práticas de censura aos comentários em suas redes.

O ponto aqui, em vez disso, é que, em boa medida, esses “termos de uso” ou são desnecessários, porque procuram evocar impropriedades que a lei já prevê, ou não dialogam com o ambiente natural do futebol, caracterizando uma proposta abstrata e regulamentadora de impacto artificial, capaz apenas de gerar estresse e reação no público consumidor – ou seja, os tricolores. Também ecoam o “politicamente correto”, como se a pretensão fosse “domesticar” esse público, e sutilmente abrem margem à exclusão de qualquer comentário crítico, desses que espontaneamente aparecem em espaços e fóruns destinados à discussão do futebol, se, em sua vagueza e amplitude, forem plenamente aplicados.

Vejamos; o Fluminense diz que não aceita em seus comentários “posts com conteúdo de programa político-eleitoral”. Até aí tudo bem; não há muito sentido em a página oficial do clube ficar poluída de montagens e artes em defesa de candidatos do próprio Flu, muito menos desandar para a discussão da política nacional. “Comentários que incitem a violência ou atos considerados criminosos de maneira geral, pela lei brasileira”, “Comentários com correntes, divulgação de comércio, serviços diversos, outros sites ou fan pages que fogem ao propósito e tema da página”, também faz sentido que o clube deseje apagar. Esses conteúdos apenas atrapalham as próprias manifestações dos torcedores e sócios nas seções de comentários.

O problema começa quando o regulamento inclui o seguinte: “Não são permitidas, nesta página, campanhas contra pessoas ou instituições”. Reflito: o que é uma campanha contra uma pessoa? Afirmar, por exemplo, que tal jogador é um tremendo “perna de pau”, que o técnico está esbanjando incompetência, que tal profissional do Fluminense demonstrou uma conduta imoral e deveria ser repreendido, que o presidente do clube não está cumprindo suas promessas e deveria renunciar, seria fazer “campanhas contra pessoas”? Repito: não estou dizendo que isso esteja sendo interpretado dessa maneira. Ainda é possível ver muitos comentários críticos nas redes sociais do clube nesse sentido que não foram apagados. Contudo, a presença desse item, sem especificações, sugere uma intimidação a quem pretenda fazê-los. Pergunto: haverá tipo de comentário mais comum do que esse no mundo do futebol? Não há críticas desse jaez nas páginas de quase todos os clubes brasileiros, algo próprio da natureza passional das torcidas que desejam sentir que estão participando do rumo de seus clubes?

Mais adiante: “Não é permitido direcionar ofensas pessoais/nominais, xingamentos, ameaças ou acusações infundadas a outros torcedores, jogadores, diretores ou funcionários do Fluminense Football Club”. À primeira vista, tudo bem. Ninguém contesta o comportamento abjeto de muitas torcidas organizadas de futebol, por exemplo, o que de maneira alguma equivale a todos, sendo essa uma paixão popular nacionalmente. Contudo, de novo, o que é uma “ofensa pessoal/nominal” a um diretor ou jogador? Acusá-lo de irresponsável, ineficiente, como tantos torcedores costumam fazer o tempo todo, é algo absurdo que deveria ser cerceado? É plausível empreender tal “correção de comportamento”? Um clube de futebol deve ensinar seus críticos como ser cordatos e obedientes?

“Não é permitido o uso de palavras de baixo calão, imagens ou frases que caracterizem ofensas à opinião pública, sejam elas direcionadas ou não a algo ou alguém”. Sinceramente não entendi muito bem até onde isso vai. É sério que um clube de futebol vai querer impedir que torcedores de futebol soltem sequer um “pqp” na seção de comentários? Em que planeta vive a pessoa que escreveu isso? O politicamente correto aqui não parece se importar com o modo como as coisas são, preferindo um “dever-ser” difuso.

O penúltimo regulamento proíbe comentários ofensivos ou provocativos de torcedores de outros clubes ao Fluminense em sua seção de comentários, o que me parece também uma medida razoável, embora não veja qualquer necessidade de divulgá-la em um documento ou uma arte específica: basta excluir esses comentários, que um clube não tem nenhuma obrigação de agradar os torcedores de seu rival.

Aí vem o derradeiro item: “São proibidas brincadeiras de gosto duvidoso, assim como afirmações difamatórias que possam gerar constrangimento ou danos morais direcionados ao Fluminense F. C. e às pessoas que nele trabalham”. Mais uma vez: o que diabos é “gosto duvidoso”? O que seria uma “afirmação difamatória”? O que diabos “pode gerar constrangimento”?

A amplitude subjetiva das regras faz com que elas flutuem sobre os limites da realidade e abram margem a um cerceamento sem precedentes do comportamento tradicional do público a que a instituição se dirige. Da mesma forma, em ambiente não-privado, regulamentos excessivamente abrangentes e confusos, ou simplesmente não conseguem ter efeito algum – o que é péssimo para se criar uma cultura de respeito e deferência às leis, mas é menos nocivo – ou impactam das maneiras mais perniciosas e imprevisíveis a vida real.

Reafirmo: a diretoria do Fluminense até o momento nada fez na prática que demonstre a aplicação dessas regras na amplitude que elas se permitem. Contudo, o simples fato de estarem lá demonstra uma mentalidade que seria melhor não ser nem sugerida, e por isso mesmo merece ser contestada.

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Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colunista e presidente do Instituto Liberal, membro refundador da Sociedade Tocqueville, sócio honorário do Instituto Libercracia, fundador e ex-editor do site Boletim da Liberdade e autor, co-autor e/ou organizador de 10 livros.

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