Os presidentes das casas legislativas fazem parte do consórcio

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Motta e Alcolumbre demonstram que o Congresso não está omisso diante dos descalabros institucionais do país; ele é cúmplice.

Cinco segundos foram tudo de que o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), julgou precisar para aprovar um requerimento de urgência para um projeto de lei. O leitor poderia imaginar que seria uma das pautas prioritárias para devolver o Brasil da juristocracia a uma condição mínima de normalidade democrática, tais como a anistia ou o fim do foro privilegiado.

Infelizmente, a urgência é do governo Lula: o PL 2.628/2022, que, sob o pretexto da proteção de crianças e adolescentes, estabelece que plataformas de mídias sociais sejam obrigadas a remover conteúdos considerados ofensivos imediatamente, mesmo sem ordem judicial, bem como cria uma “autoridade nacional” para realizar essa verificação (leia-se vigilância). A tal “autoridade” teria poder para suspender o funcionamento de redes sociais inteiras. Motta também pautou e conseguiu ver aprovado um projeto que cria 330 novos cargos comissionados para servirem aos interesses de ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Um país com pessoas presas injustamente em condenações draconianas envolvendo violações de princípios basilares do Direito, em que a liberdade de expressão e manifestação está ameaçada por decisões arbitrárias e em que a prepotência autoritária dos membros da Suprema Corte arrasta toda a população ao receio do futuro diante de um estresse com a nação mais poderosa do mundo não pode estar de acordo com as prioridades de Hugo Motta. No entanto, a vontade dele prepondera, considerando os elevados poderes dos presidentes das casas legislativas, que detêm autoridade para definir o que será ou não discutido.

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), caminha em sentido semelhante. Segundo senadores, ele havia dito que nem com 81 assinaturas pautaria o impeachment de Alexandre de Moraes — que, na minha opinião, expressa veementemente à época, já não deveria ser ministro do STF desde 2019, quando a revista Crusoé foi censurada por ele e Dias Toffoli. O hipotético número de 81 assinaturas de senadores, paradoxalmente, incluiria o próprio Alcolumbre, pelo que ele está sentenciando que mesmo que fosse a sua própria vontade, não daria sinal verde para a abertura do processo.

Diante de um aditamento ao pedido de impeachment protocolado pela oposição e desprezado por sua vontade monocrática, Alcolumbre vomitou groselhas como a de que “muitas vezes o ódio e as agressões estão tomando o lugar do amor” e de que precisamos de “paz” e deixar a disputa eleitoral para o ano que vem.

Hugo Motta e Davi Alcolumbre demonstram que o Congresso, ao contrário do que vínhamos dizendo há muito tempo, não está omisso diante dos descalabros institucionais que perturbam a nação. Ao menos através de suas duas principais autoridades, ele é cúmplice. Motta e Alcolumbre fazem parte do consórcio entre STF, governo Lula e setores da grande imprensa. Estão lá, eis o que é pior, com apoio da oposição brasileira, que ajudou a elegê-los para as presidências das casas alegando acreditar em falsas promessas, como a de que a anistia seria pautada e de que oposicionistas teriam vaga em comissões.

Durante o “recesso branco”, uma paralisação não oficial do Congresso, Motta nem quis permitir que as tais comissões pudessem se reunir. Em seguida, depois de representantes da oposição brasileira desmobilizarem a obstrução que estavam fazendo na Câmara alegando que um acordo para pautar os projetos prioritários havia sido firmado, não apenas fez Motta avançar em interesses do Executivo e do Judiciário como ameaçou punir os parlamentares oposicionistas.

Em um sistema liberal-democrático e representativo, existem freios e contrapesos estabelecidos entre os poderes. De acordo com a Constituição, o Legislativo é o poder responsável por punir autoridades judiciárias que extrapolem suas prerrogativas. Se o Legislativo não o faz, deve ser pressionado pela sociedade. Ocorre que, dentro do Legislativo, os presidentes das casas constituem um “poder” interno, capaz de fazer avançarem pautas ou paralisá-las indefinidamente. Quem pode criar dificuldades para eles são os próprios parlamentares. Seja pelo caminho da obstrução incondicional, seja pelo caminho da pressão por destituição das respectivas presidências, os deputados e senadores precisam mostrar aos presidentes das casas que o resgate da dinâmica democrática é inegociável — e que não se tolerará quem queira retardá-lo.

*Artigo publicado originalmente na Revista Oeste.

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Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colunista e presidente do Instituto Liberal, conselheiro de diversas organizações liberais brasileiras, membro refundador da Sociedade Tocqueville, sócio honorário do Instituto Libercracia, fundador e ex-editor do site Boletim da Liberdade e autor, co-autor e/ou organizador de 11 livros.

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