O mito da Constituição Cidadã e o homem que a personificou
Se 5 de outubro é o aniversário da finada (?) Constituição de 1988, 6 de outubro marca o nascimento do político que foi alçado à condição de símbolo vivo daquele texto, a que rendeu loas sob o título entusiasmado de “Constituição Cidadã”: Ulysses Guimarães (1916-1992).
Por conta de sua posição de proeminência política no combate aos últimos governos militares, lançando-se como “anticandidato” do opositor MDB em 1973 contra o representante da ARENA, Ernesto Geisel, e como presidente da Assembleia Constituinte, Ulysses é visto com um olhar muito positivo e nostálgico por setores da esquerda e do centro. Alguns liberais contemporâneos o veem quase como “mais liberal que os liberais”. Na minha opinião, há sensível exagero nessa postura.
Egresso dos círculos do PSD, o maior e mais poderoso partido da República de 46, Ulysses partilhava da máquina herdada do regime varguista, tal como todos os seus companheiros de legenda, o que determinou uma trajetória política praticamente ininterrupta, com direito a diversos mandatos consecutivos como parlamentar.
Professor de Direito e advogado, na década de 50 se opôs à luta udenista pela exclusividade de distribuição das cédulas eleitorais nos locais de votação. Integrante da “Ala Moça” do PSD, apoiou Juscelino Kubitschek, o desenvolvimentismo industrializante, a contenção das remessas de lucro para o exterior e os monopólios estatais em diversos setores.
Apoiou a emenda parlamentarista de 1961, o golpe de 1964 e votou em Castelo Branco – assim como outros políticos que, pelos mesmos motivos, são tratados como encarnações do demônio. Antes de falecer em um acidente de helicóptero, estava lutando a favor do parlamentarismo. Na Constituinte, por cerca de dez minutos, versou sobre as promessas do texto, como o fim do analfabetismo, a integração dos trabalhadores, cozinheiras, índios, estudantes, servidores civis e militares; a ideia de que o povo passaria a ter o poder supremo de legislador, sem tutelas autoritárias, e de que a vida pública brasileira passaria a ser fiscalizada pelo cidadão; de que a moral seria o “cerne da Pátria” e a corrupção seria combatida como “cupim da República”. O cupim não se impressionou.