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O “Estado Mundial” de Morgenthau e o “Globalismo”

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Quando do debate realizado entre o diplomata Paulo Roberto de Almeida e o pensador Olavo de Carvalho acerca do conceito de “Globalismo”, o primeiro deu voz a toda uma gama de argumentações superficiais cuja única consistência é dizer que as referências ao assunto são pura “teoria da conspiração”. Almeida sentenciou que o tema é uma teoria “paranoica” de um “fantasmagórico governo mundial” derivada de um “nacionalismo estreito” e um “soberanismo introspectivo”. Somos todos, os que admitem sua existência, completos lunáticos.

À época, recordamos a obra de H. G. Wells, A Conspiração Aberta, como uma declaração explícita do interesse de levar a cabo uma agenda de supressão das soberanias nacionais. Há, porém, um exemplo ainda mais emblemático e recente, que pode ser esclarecedor a quem investiga o que está por trás desse assunto.

É o caso de Hans Morgenthau (1904-1980), um dos mais importantes estudiosos de Relações Internacionais, conhecido mundialmente pela sua abordagem da escola “realista”. O “realismo”, em linhas gerais, sustenta a prevalência dos interesses dos Estados nas relações internacionais, entendendo-se que eles se regem, nas decisões e negociações, por esses mesmos interesses objetivos, não com base em grandes regras universais ou em um cosmopolitismo abstrato.

Paradoxalmente ou não, o “realismo” de Morgenthau está associado a uma confessa ambição globalista. Se por globalismo entendermos a defesa de uma agenda que promova a erosão das fronteiras e limitações nacionais e transfira poder para esferas decisórias supranacionais, Morgenthau foi adepto de um extremo globalismo. Ele é a prova viva de que, ao contrário do que dizem os que se limitam a ironizar o tema, essa posição ideológica é real e exerce seus efeitos no mundo, mesmo sem jamais alcançar plenamente a realização dos seus maiores sonhos – e quem disse que uma ideologia, para existir, precisa se realizar plenamente? Fosse assim, nenhuma existiria.

Em sua obra magna A política entre as nações – A luta pelo poder e pela paz, vindo à luz em 1948, portanto dentro do contexto do pós-guerra, há um capítulo simplesmente intitulado “Estado mundial”. Depois de abordar uma série de tentativas de governanças internacionais, da Santa Aliança pós-napoleônica à Liga das Nações, Morgenthau conclui que a relativa estabilidade reinante nas sociedades nacionais, então inexistente em âmbito internacional, se devia à presença do Estado, em uma evocação da filosofia de Thomas Hobbes. Uma instituição a que as lealdades nacionais se vinculam e que impõe a segurança e a justiça é o elemento indispensável para conseguir tal organização na comunidade política; logo, deduz Morgenthau, a mesma coisa deveria ser criada para garantir a mesma estabilidade na dimensão internacional.

“Não pode haver paz internacional de caráter permanente sem a existência simultânea de um Estado cujas fronteiras coincidam com as do mundo político”. Em outras palavras, é preciso criar um Estado mundial, um governo planetário, porque isso acabará com as guerras. Lindo, não é? Porém, o próprio Morgenthau sabia que isso era, na época, um sonho impossível. As sociedades não estão dispostas a emprestar ao “mundo” a mesma lealdade que às suas nações. Os chineses, os alemães, os americanos, não terão ao “Estado mundial” artificialmente imposto a mesma “submissão” que têm para com as organizações políticas de seus próprios países.

“Não existe uma sociedade supranacional que compreenda todos os membros individuais de todas as nações e que, portanto, seja idêntica à humanidade politicamente organizada”, ele lamenta. Se não existe e se é preciso que exista, como criá-la? A resposta de Morgenthau é que um Estado precisa de uma comunidade que o preceda e a ele se vincule. “A comunidade do povo americano surgiu antes do Estado americano, do mesmo modo como uma comunidade mundial terá necessariamente de existir antes de um Estado mundial”.

Ou seja, é preciso fabricar artificialmente uma conjuntura que incentive as pessoas a abdicar por completo das lealdades nacionais e se identificar cada vez mais com o conjunto da humanidade, facilitando um sistema político unitário para todo o planeta. Uma ideia que para muita gente pode parecer absurda e ridícula, e é mesmo, mas Morgenthau a levava muito a sério e está muito claramente exposta em seu livro.

Mais: ele diz que a UNESCO e outras agências especializadas das Nações Unidas foram criadas em parte sob o influxo do interesse dessa fabricação de uma comunidade mundial, mas tiveram sua abrangência muito limitada e ineficaz para a consecução desse objetivo. “Enquanto os homens continuarem a julgar e agir de acordo com padrões e lealdades nacionais, em vez de supranacionais, a comunidade mundial permanecerá como um postulado que ainda aguarda a sua realização”. Precisa ser mais claro do que isso? Pois então que seja: “Nós propusemos que o primeiro passo a ser dado no sentido de alcançar a solução pacífica dos conflitos internacionais, que podem levar à guerra, seria a criação de uma comunidade internacional como estágio preparatório para um futuro Estado mundial”.

Está dito, sem tirar nem pôr. Para Morgenthau, deveria ser levado a cabo um esforço sistemático, envolvendo agências internacionais e, principalmente, a diplomacia, para atingir esse propósito. “Se esse Estado mundial não pode ser atingido em nossos dias, embora seja indispensável para a sobrevivência do mundo, é necessário criar as condições sob as quais deixará de ser impossível estabelecer um Estado mundial”.

Antes mesmo dos excessos de Bruxelas, dos financiamentos de George Soros, da Open Society ou da Fundação Ford, lá estava Morgenthau dizendo tudo abertamente. Sugestão: mostre o livro dele aos amigos que debocham de você quando fala apenas o óbvio. Existem uma ideologia e uma agenda cujo objetivo é transferir cada vez mais poderes nacionais a estruturas supranacionais, e isso já foi dito em alto e bom som por muita gente graúda. É apenas um fato.

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Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colunista e presidente do Instituto Liberal, membro refundador da Sociedade Tocqueville, sócio honorário do Instituto Libercracia, fundador e ex-editor do site Boletim da Liberdade e autor, co-autor e/ou organizador de 10 livros.

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