A mídia está fazendo de tudo para Bolsonaro ser eleito
As críticas por parte da mídia em relação ao presidenciável Jair Bolsonaro paradoxalmente ajudam em suas pretensões políticas. Foi justamente após começar a recebê-las, a partir de 2009, que ele evoluiu em suas votações como representante do Rio de Janeiro na Câmara dos Deputados.
Reportagem da Revista IstoÉ desta semana é um grande exemplo de análise enviesada e críticas desproporcionais em relação ao presidenciável. Há trechos em que ele é chamado de “ultraconservador”, “um mito com pés de barros” e “troglodita desprovido de freios”. Nessa linha, a matéria afirma que “(ele) veste pele de cordeiro, mas é um predador” e que “leva Messias no nome, mas definitivamente não conduz o País para um bom caminho”. Mau gosto a parte, o veículo trata ainda de algumas piadas faladas por Jair em momentos de descontração, como “ataques a minorias”, concluindo que ele é um “homofóbico, misógino e racista”, um padrão que tem se verificado nos últimos anos em relação ao parlamentar.
No entanto, a crítica mais leviana da reportagem ocorreu ao desqualificar uma proposta econômica do pré-candidato. A revista chamou nada mais que Maria da Conceição Tavares para comentar a proposição de Bolsonaro de dar independência ao Banco Central. Ela afirmou se tratar de uma “patetada”, a despeito de todo o respaldo acadêmico internacional e da desastrosa gestão de Dilma Rousseff. Para quem não a conhece, trata-se de uma economista heterodoxa, ex-deputada federal pelo Partido dos Trabalhadores e ainda hoje filiada ao partido. O comentário dela, além de ir na contramão acadêmica mainstream, revela uma desonestidade intelectual da matéria, pois esta chamou uma representante de um grupo político adversário a ele, travestida de especialista isenta, para comentar o plano do presidenciável. É indecente o fato de não ter convidado outros economistas com visões distintas da dela.
As consequências desse tipo de postura jornalística é que parte do eleitorado enxerga Bolsonaro como uma vítima de ataques desproporcionais e fica anestesiada com eventuais críticas legítimas e robustas a que ele está sujeito como figura política que é. Algumas dessas análises críveis são, inclusive, mencionadas na reportagem, mas, devido a esse tipo de abordagem, nenhum eleitor de Jair as levará em consideração. Não à toa uma das hashtags mais comentadas na semana foi #IstoÉDesespero, levantada por apoiadores do ex-capitão. Em suma: mesmo quando as críticas a Bolsonaro são válidas, os eleitores dele as ignoram por estarem acostumados a análises rasas dos opositores.
Tal como outros nomes de que se cogita disputarem a corrida eleitoral, a candidatura de Bolsonaro possui inúmeros problemas – e não é preciso exagerar, distorcer ou inventar nada a respeito dele para criticá-la. Com a provável ida do deputado federal ao Partido Ecológico Nacional, que deve mudar seu nome para Patriotas, Jair possuirá três grandes obstáculos internos com o objetivo de chegar ao Palácio do Planalto, pouco ou nada exploradas pela mídia tradicional, ocupada em atacá-lo por qualquer pormenor dito pelo pré-candidato. Em meio a campanha, ele terá pouco dinheiro, falta de tempo de TV e ausência de lideranças políticas locais. Por mais que as redes sociais assumam cada vez maior relevância no pleito eleitoral, evidências empíricas demonstram que esses três fatores ainda serão os mais decisivos.
Assim, comparar Jair Bolsonaro ao fenômeno de Donald Trump, como muitos apoiadores e veículos o fazem, não é concebível em muitos pontos. Primeiro porque o próprio empresário financiou em larga escala sua campanha. Ademais, o Partido Republicano tinha uma base partidária robusta, coisa que o PEN, um partido nanico, não possui. Por fim, o sistema eleitoral brasileiro é majoritário, diferente do americano: Trump, inclusive, não teve maioria de votos, tendo assumido a Casa Branca por ter conquistado mais delegados.
O período que antecede a urna é o momento de testarmos os políticos para sabermos se eles possuem competência de fato ao que estão se propondo a fazer. A imprensa faz parte desse laboratório, mas tem pecado em sua abordagem em relação ao parlamentar.Particularmente, não concordo com Jair em suas opiniões em relação às minorias, mas o foco da mídia ao entrevistar outros presidenciáveis destoa muito quando o alvo é Jair Bolsonaro. Trago aqui alguns exemplos.
Ao tratar do deputado, a mídia muito fala sobre seus ataques ao Lulo-petismo e pouco sobre o fato de Bolsonaro ter votado sistematicamente com o PT entre o final dos anos 90 e o segundo governo Lula. Até que ponto é ideologicamente consistente sua mudança de postura em sua atuação parlamentar a partir do mandato de Dilma Rousseff? Nunca vi um jornalista o questionar disso.
Ao perguntar se Jair é homofóbico, deixa-se de sabatinar sua pobre atuação parlamentar. Por exemplo: se eleito, ele terá de enfrentar a provável falta de base sólida no Congresso Nacional. Além disso, seu histórico legislativo sugere falta de protagonismo, sem ser relator em projetos relevantes, tampouco presidindo comissões, além da dificuldade de levar adiante seus próprios projetos de lei. Não é difícil imaginar que, caso ele esteja na cadeira presidencial em 2019, será muito difícil governar o país.
Ao indagar se Bolsonaro foi racista em sua entrevista no CQC de 2011, deixa-se de explorar seu evidente despreparo em relação à economia, algo admitido por ele próprio e preocupante, por, aparentemente, ele não ter buscado compreender os preceitos fundamentais da economia mesmo tendo de decidir a vida do país no Congresso por quase três décadas. Como disse a economista Monica de Bolle, “é tarefa ingrata transformar um nacional-desenvolvimentista convicto em mocinho liberal”.
Ao questionar se Jair é misógino, a imprensa deixa de falar sobre seus ataques a direitos humanos e sua clássica defesa do “bandido bom é bandido morto”. Em palestra recente em Vitória (que pude acompanhar), o parlamentar declarou a necessidade de excludente de ilicitude para policiais militares em serviço poderem “matar vagabundos” sem ter de enfrentar problemas legais. Ora, bandido bom é bandido encaminhado a julgamento com direito à ampla defesa e preso conforme os termos estabelecidos na legislação, com o fim de evitar autoritarismo de representantes do Estado. Precisamos urgentementede reformas no Código de Processo Penal e no Código Penal brasileiro, mas isso deve ser feito respeitando princípios liberais milenares, o devido processo legal. Para garantir a liberdade é preciso, antes de mais nada, defender os direitos civis.
Jair peca, é verdade, ao entrar em polêmicas desnecessárias, como negar que houve uma ditadura no Brasil. De fato, ela foi mais branda que o verificado em outros regimes militares na América Latina, mas basta uma morte por motivação ideológica para estar configurada uma ditadura. Trata-se de um discurso que tende a ser abandonado. Entretanto, ao dar espaço a isso, a imprensa deixa de abordar a agressividade com que Bolsonaro e seus apoiadores reagem quando criticado, mesmo que de forma palatável. Em meio a esses ataques, como o que fez a Miriam Leitão, raramente entra-se no mérito das críticas, elas se limitam a desqualificar a imprensa e o arauto da análise, um modus operandi lamentavelmente perpetrado nos 13 anos de governo petista.
Não se questiona que essa animosidade provavelmente dificultará ainda mais um eventual governo seu, e isso nos leva ao último ponto: é provável que, caso Jair Bolsonaro chegue ao Palácio do Planalto, não consiga “pacificar” o país, prolongando o êxtase político que o Brasil vive desde 2013. Ele é uma das figuras que mais geram polarização, nem sempre de forma saudável. Mas, ao que tudo indica, a mídia só vai se preocupar com isso após conseguir elegê-lo com essas “críticas mimimi”.