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Judith Butler e censura: se a direita “dá vexame” a esquerda é o vexame!

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No último dia 8, a Veja publicou artigo de autoria de Maicon Tenfen intitulado A “direita” só saiu do armário para dar vexame. A tese principal do texto dá conta de que os movimentos da “nova direita” nascente no Brasil, entre liberais e conservadores, estariam dando demonstração de profunda incoerência em suas últimas manifestações contra palestras e exibições artísticas. Será, porém, que efetivamente só “saímos do armário para dar vexame”? Vamos avaliar o mérito dessa afirmação.

Diz Tenfen que os conservadores vociferam contra os riscos de desintegração da “família tradicional” e com isso justificam “o fechamento de museus e a queima de bonecas em via pública, como aconteceu ontem, em São Paulo, antes da palestra da filósofa americana Judith Butler”.

Ignoraremos aqui os parágrafos que perfazem a maior parte do artigo, abordando a inevitabilidade da admissão de “novas” formas de estruturação familiar, comportamentos sexuais e quejandos sob o influxo do desenvolvimento tecnológico da sociedade multicultural globalizada e whatever como que a insinuar que todos nós, incluídos em tal coletivo difuso de “direitistas”, quiséssemos impor o que quer que seja a quem quer que seja quando promovemos nossos questionamentos.

O que nos interessa são as afirmações relativas à censura. Conclui Tenfen: “Em vez de tentar calar uma pessoa, é só estudar um pouquinho e argumentar com coerência. Garanto que é muito mais produtivo do que ficar acendendo fogueiras e passando vergonha por aí. (…) Pedidos de censura não surgem por acaso. São o resultado de muita, muita burrice acumulada”.

Especificamente com relação ao caso de Judith Butler, que a maioria deve ter acompanhado nas últimas semanas, trata-se de uma pensadora feminista americana considerada uma das principais promotoras da ideologia de gênero – ideologia, aliás, que o próprio Tenfen confessa rejeitar. Ela veio ao Brasil para palestrar em um evento do SESC, em São Paulo.

Antes que Butler viesse, foi organizada uma campanha virtual – sem apoio de qualquer movimento ou entidade como, por exemplo, este Instituto Liberal ou o Movimento Brasil Livre – que insinuava até mesmo impedir o ingresso da infame pensadora em território brasileiro. Prontamente, outras vozes que não apenas a de Tenfen se puseram a demonizar a terrível “direita autoritária” que não queria deixar a mulher abrir a boca no Brasil. No bojo dessa reação, tais vozes asseveraram que a ideia de uma “guerra cultural”, tão repetida entre nós, não apenas seria infundada como estaria incentivando atitudes autoritárias e censoras.

Tão logo essa discussão se estabeleceu, externamos nosso ponto de vista: entendida a “guerra cultural” como um conflito pelo imaginário, a luta para marcar presença na fabricação e disseminação dos códigos que aglutinam o pensar e a “imaginação moral” em uma sociedade, a existência e relevância desse enfrentamento nos parecem incontestáveis. Não é por sê-lo, e isso me soa extremamente óbvio, que a expressão “guerra” deve ser entendida com as mesmas consequências práticas que exibe quando aplicada a um conflito bélico concreto como a Segunda Guerra Mundial ou a Guerra do Paraguai. Em uma “guerra cultural”, a arma a ser usada não é a interdição física forçada ou a eliminação, mas sim MAIS cultura!

Sendo assim, se uma “pensadora” de ideias lunáticas está vindo ao país para vomitar abobrinhas, sem para tanto desrespeitar qualquer lei efetiva para entrar em nosso território nacional, que ela venha e fale, e que nós trabalhemos, a nosso turno, para trazermos nossos próprios convidados, fazermos nossos próprios eventos, ocuparmos nossos espaços e mostrarmos por que somos melhores. Há um esforço dedicado de conscientização e construção em curso, que não pode ser destruído por afobações ensandecidas. Não há nada mais antiliberal e “anticonservador” que a tentação de resolver os problemas complexos da sociedade contemporânea por meio de facilidades autoritárias, dando ao adversário todo o argumento de que ele precisa para condenar as nossas causas.

O que nos parece óbvio infelizmente não o é para todos. Por isso, o “puxão de orelha” de Tenfen e outros críticos têm sua boa dose de razão. Existem em nosso meio alguns trogloditas cujo entendimento do que venha a ser liberdade de expressão é de uma incoerência realmente atroz. Os últimos dois parágrafos deste texto não seriam necessários se não tivéssemos visto, com esses olhos que a Terra há de comer, “direitistas” defendendo a interdição da sujeita no aeroporto ou estultices do gênero.

Ter boa dose de razão não significa que o texto de Tenfen faça inteira justiça ao problema. Primeiro, é válido dizer, porque, por ridículas e vexatórias que sejam as manifestações populares, elas são válidas em uma sociedade democrática, e Tenfen certamente bem sabe que as esquerdas vêm promovendo todo tipo de baderna, quebradeira e até cerceamento de liberdades em eventos em que seus dogmas são questionados desde há muito, sem que houvesse qualquer reação substancial. Absurda e temerária, sim, a simples ideia de impedir que Butler colocasse os pés no Brasil, ou de querer amordaçá-la; no entanto, ela falou. O mesmo não se deu, por exemplo, com o sociólogo social democrata (isso porque ele nem era “de direita”!) Demetrio Magnoli, na Festa Literária Internacional de Cachoeira (Flica), em 2013, quando ativistas do movimento negro não o deixaram falar por ser contrário às cotas raciais.

Com isso não queremos dizer que a truculência e investida censora que os esquerdistas promovem contra nós justifiquem que repliquemos a barbárie. Apenas queremos apontar que, se alguns fulanos mais inflamados queimando bonecos nas ruas representam um vexame, as forças da esquerda, muito mais poderosas no Brasil por mais de uma década, já preencheram páginas e mais páginas de espetáculos indignos do pior dos circos. Masturbar-se em público em frente a igrejas católicas, por exemplo. Se a “direita saiu do armário para dar vexame”, a esquerda é o vexame.  

Em segundo lugar, as afirmações de Tenfen envolvem uma generalização perigosa. Se concordamos com os excessos e com certas declarações autoritárias com relação ao caso de Judith Butler, absolutamente não aceitamos qualquer comparação com os casos do Queermuseu ou da exposição no MAM. Com relação ao primeiro, uma série de criações “artísticas” remetendo à zoofilia, pedofilia e sexualização infantil, com apoio de isenção fiscal, estava sendo veiculada em integração com escolas públicas. Grupos como o MBL se manifestaram contra isso, não pela proibição de que tais desenhos grotescos fossem exibidos para maiores de idade de gosto esdrúxulo que financiassem privadamente tal mostra.

Em relação ao MAM, uma mãe desnaturada levou uma criança a apalpar, constrangida diante do público e gravada para ser exibida nas redes sociais e noticiários, um homem nu deitado no meio da sala. A gritaria popular, mais do que de qualquer entidade ou movimento organizado, se deu por conta disso. Será que se tornou “vexame” proteger a infância?

As grandes questões sociais não costumam ter respostas simples. Prestemos atenção ao alerta de Tenfen e cia. e nos preocupemos, sim, em não nos tornarmos uma caricatura daquilo que mais rechaçamos. Contudo, também não permitamos que simplificações injustas nos julguem com a severidade implacável com que nossos oponentes jamais foram tratados e não admitamos que todo o esforço que estamos fazendo seja qualificado como nada pelos reclames insípidos da inveja ou da má-fé.

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Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colunista e presidente do Instituto Liberal, membro refundador da Sociedade Tocqueville, sócio honorário do Instituto Libercracia, fundador e ex-editor do site Boletim da Liberdade e autor, co-autor e/ou organizador de 10 livros.

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