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Jair Bolsonaro e a “Nova Direita”: uma questão de escolha

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Os últimos dias foram marcados por enfrentamentos entre diferentes formadores de opinião liberais e conservadores, mais uma vez tendo o parlamentar e provável presidenciável Jair Bolsonaro como pano de fundo. Quem acompanhou sabe que acusações muito graves foram feitas. Não meti nem meterei o bedelho em nada disso; a contenda cabe diretamente aos envolvidos. A razão para eu estar levantando esse assunto é que, em meio às discussões, ainda que não de forma tão corriqueira e marcante desta vez, continuei a ver aparecendo nos ataques em redes sociais o conceito de “Nova Direita”, abordado em meu livro Guia Bibliográfico da Nova Direita: 39 livros para compreender o fenômeno brasileiro, ser empregado de maneira inteiramente errônea e distorcida.

Já expliquei o que quis dizer com o uso dessa expressão, uso que observei sendo feito por diversas vezes antes de escrever meu livro. Não é o caso aqui de replicar a explicação na íntegra. Resumidamente, em meu Guia e em todas as vezes em que utilizo a expressão, não faço referência a uma suposta declaração fundante e autoconsciente de uma “facção” de autointitulados “direitistas” que se desejem separar de outros “direitistas”, julgando-se superiores, “repaginados” ou “atualizados” aos influxos da modernidade. Tal coisa simplesmente não existe.

A “Nova Direita”, como eu a defini, e repito citando a mim mesmo, “é todo mundo: liberais e conservadores, monarquistas e republicanos, misesianos, hayekianos e burkeanos. É uma expressão TEMPORAL, fazendo referência a um marco histórico no Brasil contemporâneo em que uma movimentação de maior densidade se efetivou em torno dessas ideias que andaram profundamente ausentes do grande debate público. É uma expressão interessante para nos dar o senso do lugar histórico que estamos tentando ocupar”.

Estou chamando de “Nova Direita”, portanto, o ACONTECIMENTO que consiste no incremento da relevância de ideias liberais e conservadoras, na reorganização de movimentos, formadores de opinião e instituições em torno dessas ideias, após um longo período em que estiveram no mais notório ostracismo. Nesse uso, por opção, deixo de lado, ou faço apenas menções laterais, a ideias que não são propriamente liberais e conservadoras, em um sentido clássico, mas aparecem nesse mesmo bojo, como o libertarianismo de viés anarquista e o intervencionismo militar.

Não significa, de maneira alguma, que a “velha direita”, isto é, tudo aquilo que tenha existido em um momento anterior a esse marco, tenha menos valor do que ele. Os liberais e conservadores do Império, um Carlos Lacerda e um Roberto Campos na República, têm certamente, muitos deles, senão a maioria, mais valor que qualquer um de nós isoladamente, e suas ideias e obras podem perfeitamente ser acolhidas nesse novo processo. A Nova Direita não é, friso, uma escola filosófica ou iniciática coesa e com regras rígidas de categorização, na qual só se possa ler ou pensar em ideias absolutamente novas, e que demanda alguma profissão de fé ou declaração – tal como a Shahada islâmica – para se introduzir em seus mistérios. Nunca foi essa a pretensão.

Por que retomo tudo isso? Porque a tese que vem propiciando a confusão, tese provocada por um post equivocado do deputado Eduardo Bolsonaro, é a de que a “Velha Direita” seria representada por Jair Bolsonaro, seu pai, e a “Nova” por João Doria. Meu livro seria, então, um manifesto em favor de uma “direita” tucana, abraçando todas as teses sociais e culturais do PSDB. Agora, em meio às dissensões que vêm ocorrendo, essa tese foi ampliada, dando origem a uma teoria mais ampla: a de que grandes formadores de opinião da direita estariam unidos para sabotar Bolsonaro e favorecer Doria, compondo justamente essa “escola neo-direitista” cujo único propósito na vida seria eliminar o “militar bronco” que ameaça o establishment político.

Essa associação é obviamente uma estúpida mentira. Meu livro nunca teve essa proposta, e nem Bolsonaro, nem Doria são citados em nenhum momento. Entretanto, já que a confusão foi disseminada, parece oportuno esclarecer, afinal de contas, qual o lugar em que enxergo o deputado Jair Bolsonaro em relação à Nova Direita. É Bolsonaro “parte dela” ou “inimigo” dela?

A resposta é mais simples do que parece: depende dele. Jair Bolsonaro é anterior à Nova Direita. Sua atuação política já tem muitos anos, antecedendo a “onda” que identifico por esse nome. Em seu começo, era praticamente um representante político dos militares, defensor do regime que eles capitanearam nos anos 60 e 70, e de ações mais duras perante os criminosos, inclusive a pena de morte. Suas principais bandeiras e a dimensão estética de sua vida pública se concentravam nisso. As principais teses da “Nova Direita” tal como a identifico, teses centradas em torno do liberalismo e do conservadorismo clássico, não tinham nenhuma ressonância óbvia em Bolsonaro àquela época.

O que ocorreu foi que, já popular no Rio de Janeiro, já tendo um histórico de mandatos sucessivos, o deputado e seus filhos, também políticos, tiveram a capacidade de perceber o fato social que documento: a emergência da Nova Direita. Procuraram, então, identificar-se com ela e tomar parte em seus anseios e conceitos. Começaram a absorver alguns elementos de seu vocabulário – Eduardo, por exemplo, iniciou um curso de Escola Austríaca. Algum mal nisso? Nenhum, absolutamente. Mesmo que a origem não tenha sido exatamente essa, é alvissareiro que lideranças políticas desejem abraçar essas ideias e compreendam que elas são idealmente e politicamente viáveis. É uma consequência desejada e necessária do “movimento”: a Nova Direita não precisa apenas gerar novos políticos, oriundos do embasamento bibliográfico que ela compreende, mas também pode levar suas teses a quem despontou antes dela.

As mesmas condições que levaram à emergência da Nova Direita possibilitaram, concomitantemente e em paralelo, que a popularidade de Bolsonaro, avesso aos ditames do politicamente correto e disposto a dizer o indizível, se projetasse nacionalmente, e hoje seu nome seja cotado para o Planalto. É um fenômeno que abarca, mas também transcende a dimensão propriamente intelectual e bibliográfica do que alcunho por essa expressão; muitos dos admiradores de Bolsonaro no país naturalmente nunca ouviram falar em Burke ou Hayek.

Isso é normal e não há qualquer problema intrínseco nisso. O “x” da questão está na opção que Bolsonaro fará. Quem ele quer ser? Quando insiste, por exemplo, em se associar a figuras como Enéas Carneiro e a legendas como o PRONA, com todos os respeitos que podemos dever às intenções do cardiologista conhecido pelo bordão “Meu nome é Enéas”, Bolsonaro está se associando ao pacote de ideias que representam. Isso significa a defesa de um Estado obeso, o flerte com figuras como Getúlio Vargas, o horror às “multinacionais” e ao “neoliberalismo” e até a ideia de que setores como as telecomunicações seriam “estratégicos” e, portanto, impassíveis de privatização. Enéas era, inclusive, contra o Plano Real, que equacionou a hiperinflação.

Caso acople esse ultranacionalismo de implicações econômicas protecionistas à sua agenda, Bolsonaro estará optando por se afastar disso que eu chamo de “Nova Direita”, porque não estará sustentando as liberdades econômicas e a retração do Estado que essa “onda” emergente se notabiliza por sustentar. Se, por outro lado, das suas declarações algo contraditórias a respeito de política econômica, Bolsonaro decidir por aquelas que não renegam um patriotismo legítimo e muito bem-vindo – não degenerado em ufanismo mineral e estatizante -, mas sinalizam para instrumentalizar com formulação e cabedal uma plataforma economicamente mais liberal, encampando privatizações sem receio, então ele estará se alinhando com a onda de ideias a que faço referência.

Bolsonaro não tem obrigação de fazer nada, e sou eu o último a me crer no direito de impor alguma coisa. A escolha é dele, baseada no que ele, seus filhos e quem o cerca politicamente quiserem para a campanha e para o Brasil. No entanto, os termos dessa escolha, as alternativas à disposição, são exatamente as que acabo de elencar. Qualquer que seja a escolha, ela precisa, em algum momento, ser sinalizada claramente. É o que, sem tomar parte nos tiroteios verbais, eu sigo aguardando.

 

 

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Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colunista e presidente do Instituto Liberal, membro refundador da Sociedade Tocqueville, sócio honorário do Instituto Libercracia, fundador e ex-editor do site Boletim da Liberdade e autor, co-autor e/ou organizador de 10 livros.

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