IOF e os poderes em colisão: o que está em jogo?
Após a publicação do Decreto nº 12.466/2025, que elevou alíquotas do IOF, o governo recuou parcialmente diante da forte reação do mercado. O episódio reacendeu o debate sobre a instabilidade tributária no Brasil e seus efeitos sobre a confiança do investidor, o custo do crédito e o ambiente de negócios. Trata-se de mais um exemplo da ausência de previsibilidade no sistema tributário brasileiro — um obstáculo estrutural à liberdade econômica e à segurança jurídica.
Na sequência, em junho, o Executivo editou um terceiro decreto (Decreto nº 12.499/2025) e a Medida Provisória nº 1.303/2025. As normas ampliaram significativamente o escopo do IOF ao preverem sua incidência sobre aplicações financeiras até então isentas, como LCI, LCA e debêntures incentivadas — com potencial arrecadatório bilionário. Criado para regular o mercado financeiro, o IOF é um tributo com natureza extrafiscal, ou seja, voltado a induzir comportamentos e não à arrecadação – ou, ao menos, em tese. A medida, novamente adotada sem diálogo
com o setor produtivo, agravou a percepção de insegurança jurídica e provocou reação imediata no Congresso Nacional.
Ainda, na última semana, parlamentares aprovaram o Decreto Legislativo nº 176, de 2025, que anulou os três decretos presidenciais — revertendo todas as alterações promovidas desde maio e expondo os limites institucionais da atuação unilateral do Executivo na formulação da política fiscal. Segundo a base de dados da Câmara dos Deputados, trata-se da primeira vez em 33 anos que um decreto presidencial é sustado pelo Parlamento, desde o Decreto nº 430/1992, do então governo Fernando Collor.
Nesse contexto, o caso do IOF ilustra bem essa lógica disfuncional. Embora seja um tributo que permite ao governo agir de imediato sobre o mercado financeiro, sua natureza extrafiscal — ou seja, indutora de comportamentos — justifica a possibilidade de alteração por decreto e com vigência imediata (esse tributo não está sujeito aos princípios da anterioridade anual e nonagesimal). No entanto, esse aumento repentino evidencia o uso do IOF como instrumento de arrecadação emergencial, distorcendo sua função original.
Não bastasse surpreender o mercado, a mudança impacta diretamente empresas que utilizam créditos bancários em suas operações a partir de capital de terceiros para financiamento próprio. Além disso, organizações que operam com comércio exterior, investidores estrangeiros e consumidores que utilizam cartões internacionais ou realizam transferências para o exterior também são afetados de forma direta por essa penalidade fiscal. O aumento de custos em operações básicas, somado à volatilidade da política fiscal, prejudica o planejamento e eleva o risco regulatório no Brasil.
Do ponto de vista jurídico, as alterações são preocupantes. As mudanças desconsideram pilares essenciais do ordenamento tributário nacional: a segurança jurídica, expressa na previsibilidade das relações entre fisco e contribuinte; e a boa-fé objetiva, manifestada na expectativa legítima de cumprimento das normas. No Brasil, a instabilidade é crônica: as regras mudam com frequência, sem qualquer garantia de continuidade ou uniformidade na aplicação. A insegurança jurídica aqui não se limita à letra fria da lei, mas inclui também a instabilidade institucional, a fragmentação decisória e o descompasso entre os Poderes.
O episódio gerou, ainda, um novo atrito institucional. Após a derrubada dos decretos, o governo federal passou a considerar a possibilidade de judicializar o caso no Supremo Tribunal Federal, sob o argumento de que o Congresso teria invadido competência exclusiva do Executivo ao sustar normas que tratam de política fiscal. A tensão entre os poderes se intensificou com o ajuizamento, pelo PSOL, da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 7.839, que pede a suspensão dos efeitos do decreto legislativo aprovado pelo Parlamento. Esse conflito de forças entre Executivo, Legislativo e Judiciário evidencia o grau de tensão institucional em torno do tema e tende a alimentar um ambiente de instabilidade geral. O cenário dos próximos dias exigirá atenção redobrada, pois o desenrolar desse impasse poderá repercutir não apenas sobre a política fiscal, mas sobre os próprios limites de atuação entre Executivo e Legislativo.
Contudo, não é a primeira vez que medidas tributárias são implementadas de forma abrupta, sem consulta prévia ou avaliação de impacto. Essa prática compromete a estabilidade institucional e reduz a atratividade do Brasil como destino de capital estrangeiro e de expansão empresarial. A falta de coordenação ficou ainda mais evidente com a declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que afirmou não ter sido consultado sobre o aumento do IOF e atribuiu a medida exclusivamente ao ministro da Fazenda Fernando Haddad — revelando não apenas ruídos internos no governo, mas também a fragilidade na formulação de políticas fiscais que exigem previsibilidade e coesão.
Esse episódio mostra que o país precisa escolher entre consolidar uma política fiscal previsível e transparente ou manter o ciclo de decisões de curto prazo que comprometem o crescimento sustentável. A oportunidade de corrigir esse rumo ainda existe, mas cada nova instabilidade afasta o país de um modelo fiscal responsável e da confiança necessária para prosperar. Resta saber: até quando o contribuinte suportará essa roleta normativa?
*Alícia Schneider é coordenadora do Instituto Atlantos.