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A inacreditável “Lei do Desafio”: em que planeta está o Senado?

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O governo Temer sancionou no dia 4 de abril de 2018 a Lei Nº 13.645 que “Institui o Dia Nacional do Desafio”. Reproduzimos o texto na íntegra e voltamos a seguir:

“O PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º Fica instituído o Dia Nacional do Desafio, a ser comemorado na última quarta-feira do mês de maio de cada ano.

Parágrafo único. A comemoração de que trata o caput deste artigo compõe-se de atividades físicas e esportivas orientadas, a serem realizadas por, no mínimo, quinze minutos, em empresas privadas, em órgãos da administração pública, direta e indireta, em estabelecimentos escolares, nos lares, nos espaços públicos e em quaisquer outros lugares que permitam o convívio saudável entre as pessoas.

Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 4 de abril de 2018; 197º da Independência e 130º da República.

MICHEL TEMER

Torquato Jardim”

Queremos perguntar aos leitores se o documento diz realmente o que estamos lendo, porque temos dificuldade de acreditar.

Depois de se desgastar no esforço por se livrar do julgamento imediato por denúncias submetidas ao Legislativo, Temer não conseguiu aprovar a Reforma da Previdência e investiu em uma intervenção federal no Rio de Janeiro, que ainda não surte grandes efeitos e aumentou apenas um pouco a sua popularidade. Ocorre que essa intervenção, bloqueando a aprovação de emendas constitucionais, paralisou seu governo. Não deve haver outra explicação para o interesse sobrenatural dos políticos nesse projeto de lei bizarro de autoria do tucano paulista Lobbe Netto – com acréscimos importantes (pff) do ex-senador piauiense João Vicente Claudino. O tucano e a base do governo parecem querer partir para, digamos, a erradicação da obesidade no país como “prêmio de consolação”!

Reparemos que o texto diz que a comemoração, estabelecida em lei, consiste em exercícios físicos e deve ser realizada por quinze minutos em todos os tipos de lugares, até nas casas dos brasileiros. Caríssimos, de que maneira semelhante estrovenga seria fiscalizada? Iria algum agente do governo invadir nossas residências e dizer “Não, dona Chiquinha, está errado, a senhora só fez dez minutos”; “Não, seu Jorge, mais flexões”?

Ora, semelhante loucura não deve ser feita nem na Coreia do Norte! Qual a razão lógica para o Estado disciplinar uma proposta de prática de exercício por duração especificada em todos os lugares que permitam “o convívio saudável entre as pessoas”? Será que o Estado também vai avaliar quais são os lugares com “convívio saudável” para definir se a pessoa pode fazer lá o tal exercício? “Ah, seu Fulano, sua casa tem muitas brigas, não é um ambiente saudável, vá na esquina fazer umas cinco abdominais”. What?

Sério, de onde surgiu uma ideia tão despropositada? É evidente que, apesar da redação literal, o texto não pode ser imperativo, pela simples razão de que é materialmente impossível obrigar seu cumprimento. Ninguém pode nos forçar a fazer exercício em hora nenhuma e momento nenhum! Se sua intenção é propor uma agenda de exercícios, então para que cargas d’água transformar isso em lei? Esse tipo de proposta inútil é um claro exemplo das futilidades em que mergulha o Parlamento moderno, desperdiçando tempo e dinheiro com agendas sem qualquer relevância.

No site do Senado, conseguimos “matar a charada”: a prática do tal Dia do Desafio “é realizada há anos, coordenada e difundida por entidades canadenses e alemãs”, e no Brasil é realizada desde 1995, “sob a coordenação continental da Administração Regional do Serviço Social do Comércio, no estado de São Paulo”. Ahá, elementar, meu caro Watson… A tal celebração já existe, promovida e realizada por entidades privadas, e acontece no Brasil há nada menos que 23 anos.

Senhoras e senhores, qual a necessidade de estatuir esse negócio em lei? Qualquer evento ou iniciativa que conduzirmos, poderemos conseguir com um parlamentar que se torne lei? A troco de quê, com que finalidade? Perdeu-se de todo a noção do ridículo? Verifica-se aí mais um sintoma, felizmente mais pitoresco que nocivo, dessa mentalidade furada de querer encaixar tudo dentro do Estado.

Aguardamos a Gestapo do governo Temer vir até nossa casa nos punir pelo nosso lamentável e corriqueiro sedentarismo. Poucas vezes o interrompemos – e certamente não por ordem do Presidente e do Senado da República…

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Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colunista e presidente do Instituto Liberal, membro refundador da Sociedade Tocqueville, sócio honorário do Instituto Libercracia, fundador e ex-editor do site Boletim da Liberdade e autor, co-autor e/ou organizador de 10 livros.

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