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A História, a Economia e a Realidade

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O que é a História? A História é o passado, aquilo que ficou marcado pelo tempo, embora o termo também possa ser usado para tratar do passado do meio em que vivemos e seu estudo pode ser feito de diversas maneiras. Com o estudo historiográfico, por exemplo, podemos apreender como um povo, ou uma pessoa, agia em determinada época, sofrendo pressão de uma determinada situação. A arqueologia é outra faculdade que também ajuda a investigar a História, esquadrinhando o passado em seus sítios (literais) de pesquisa intensa.

Outra faculdade humana que pode ser utilizada para investigar o passado é a memória. A memória é o que fundamenta todo o estudo – qualquer que seja – do que já passou. Sem o ato de memorizar, sequer poderíamos construir uma sociedade. Aristóteles, como diria Hegel, um dos maiores mestres do gênero humano, ou “o mestre daqueles que sabem”, segundo Dante, já demonstrou com maestria a importância da memória para os seres-vivos:

Ora, enquanto os outros animais vivem das imagens e recordações, mas participam pouco da experiência, o gênero humano vive também da arte e dos raciocínios.

Assim, nos homens, a experiência nasce da memória, pois das muitas recordações de uma mesma coisa constituem a prática de uma experiência. E a experiência parece um pouco semelhante à ciência e à arte” – Metafísica, Livro I, cap. 1 980b-981a.

A memória é o que nos proporciona a recordação de nossas ações, de nossas práticas, ações e vivências de qualquer tipo. Sem o memorizar, não é possível constituir nenhuma arte, nenhuma ciência. Sem suas memórias, homens como São Gregório de Tours, Nênio, Plutarco, Xenofonte, Suetônio, etc., jamais poderiam escrever a História dos povos da Antiguidade e do medievo sem a memória que a História oral e seus próprios testemunhos de outros escritos e eventos.

Mas nos firmemos, por enquanto, em Aristóteles: a memória (do que os sentidos captam) é uma necessidade epistemológica para a inteligência e o conhecimento humano. Sem esta, sociedades humanas não existiriam e seríamos animais bem limitados em nossa organização, não importando de que tipo seja.

E como a memória envolve a atualização do passado em um presente, uma volta mental ao que já se passou, e dado que temos uma dependência desta para a criação de qualquer sociedade ou qualquer coisa mais complexa em nossas ações, isso significa que o passado não tem apenas uma grande valia para o presente e nossas ações futuras, mas também para todo nosso entendimento, qualquer que este seja. O processo Histórico, malgrado seja incrivelmente plural e instável, possui a característica de, como um ato já passado, poder constituir nosso presente com a sua atualização.

Não somos átomos temporais, cronocêntricos e absolutos. Nossas ideias, nossas crenças, nossos valores e ações dependem muito do passado acumulado em nossa memória coletiva. Mesmo que o corpo social não funcione como um indivíduo, ele, por conta de suas redes de interações, imprime nos indivíduos todo um arcabouço cultural, com cargas históricas e antigas muitíssimas vezes imperceptíveis para os membros dessa sociedade. O resgate do nosso passado, em nossas tradições, é o que nos impulsiona para o futuro.

A palavra tradição vem do latim traditio, um termo derivado de tradere, “passar a diante”. Nós só conseguimos viver imbuídos e rodeados de tradições. Tradições são os sustentáculos-mor da humanidade. Sem uma tradição científica, por exemplo, toda a ciência atual não faria sentido, pois não teria embasamento, um chão, para se sustentar. Pensemos o que teria ocorrido com o método científico se, em sua época de nascimento, não tivesse sido legado, passado a diante, por uma tradição? Ele teria morrido. Assim também ocorrem com as monarquias, as democracias, os direitos civis, a ideia de dignidade humana, a metafísica. Dentro do conhecimento humano, se algo não for constantemente rememorado do passado Histórico, este algo desaparece com as marés do tempo.

Na economia, o mesmo ocorre. Pensemos no liberalismo e suas raízes com os padres de Salamanca, ou com John Locke. No caso de Salamanca, a tradição foi minguada até ser esquecida – tanto que foi redescoberta no século XX –, mas o mesmo não ocorreu no caso inglês. O liberalismo inglês floresceu e se expandiu. Adam Smith, David Hume, Edmund Burke, David Ricardo, John Stuart Mill, Lord Acton, etc., deram continuidade e contribuições para o crescimento e desenvolvimento teórico do liberalismo econômico. O que seria da Escola Austríaca, por exemplo, sem esse legado de séculos atrás? Sem a tradição liberal econômica, a Escola Austríaca sequer seria.

Esqueçam as contribuições que ocorreram nos governos de Reagan e Tatcher, na década de 80. Esqueçam, até mesmo, a Escola de Chicago, que também não existiria. Nada de homens como Friedman e suas influências nos governos acima citados. O mundo seria outro. Mesmo a prática econômica liberal, exercida por muitos empresários, não existiria. Como se legaria o costume econômico, sem uma memória do passado?

Mesmo os mais avessos ao Livre Mercado, ou ao passado, necessitam de uma tradição. Não existiria nenhuma Escola de Frankfurt sem um Rousseau e sua ideia de Homem bom e Sociedade má; de fato, o marxismo tem um débito natural para uma tradição marxista também. Mesmo a atual New Left, com seus Michel Foucault, Jean-Paul Sartre, Jacques Derrida, Michel de Certeau, E. P. Thompson, Perry Anderson e afins não existiriam sem um Marx e um Engels, ainda que quebrem (e muito) com ambos os esses pensadores em várias questões – de fato, nem o próprio Rousseau foge a essa regra. Em seus escritos, como o Contrato Social, buscava a imagem de homens do passado, fortes legisladores e ordenadores de nações. Sólon e Licurgo eram usados e abusados por Rousseau para sua ideia de Estado justo.

Aristóteles, ainda em sua Metafísica, diz: “Não passa de justiça mostrar gratidão não apenas com aqueles cujos pareceres podemos partilhar, como também com aqueles que exprimiram opiniões um tanto superficiais. Estes também contribuíram com alguma coisa. Foi graças ao seu trabalho preliminar que o exercício intelectual foi desenvolvido. Se não tivesse nenhum Timóteo, não possuiríamos muito de nossa música. E se não houvesse existido nenhum Frinis, não teria havido nenhum Timóteo. O mesmo ocorre com os que teorizaram acerca da verdade: extraímos certos pontos de vista de alguns deles e ele, por sua vez, estavam em débito com outros” – Metafísica, Livro II, 1, 993B1: 15.

Gratidão é o que devemos aos nossos antepassados. Sem suas conquistas, nada seríamos, sem a conservação das mesmas conquistas, nada somos. A percepção da realidade, através dos sentidos, da memória e, por fim, de nossa inteligência, como dependente de nossa memória individual, também depende de uma memória coletiva, de uma tradição que nos lega as conquistas do passado.

Sem o que o passado nos trouxe, sem os avanços anteriores, o que somos? Nossas percepções da realidade se esfacelariam. Nada de ciências, nada de filosofias, nada de economia. Seríamos como um cérebro vazio, um deserto sem água.

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Hiago Rebello

Hiago Rebello

Graduado e Mestrando em História pela Universidade Federal Fluminense.

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