Entre cartas e bilhões: a falência do modelo estatal brasileiro

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Os Correios voltaram ao centro do debate público após o anúncio da intenção do governo Lula de injetar R$ 20 bilhões na estatal, divididos entre 2025 e 2026, sob o argumento de reestruturar suas finanças e garantir o cumprimento de suas obrigações. A medida, embora apresentada como um empréstimo com garantia do Tesouro, é, na prática, mais uma tentativa de socorro estatal a uma empresa que há décadas sobrevive à base de injeções públicas e ajustes contábeis paliativos. O episódio simboliza de forma exemplar o dilema das estatais brasileiras: a dificuldade de equilibrar missão social, eficiência econômica e independência política, num ambiente onde a ausência de reformas profundas perpetua a dependência do contribuinte.

Nos últimos anos, a trajetória dos Correios ilustra essa contradição. Após um ciclo de prejuízos acumulados entre 2013 e 2018, a estatal registrou lucro de R$ 102 milhões em 2019, seguido por um salto expressivo em 2020, quando atingiu R$ 1,53 bilhão, e um recorde de R$ 3,7 bilhões em 2021. Esses resultados, comemorados pelo governo Bolsonaro à época, foram usados para defender a viabilidade econômica da empresa sem recursos do Tesouro. Entretanto, análises posteriores da Controladoria-Geral da União e de consultorias independentes mostraram que parte desse lucro decorreu de reclassificações contábeis, adiamento de provisões judiciais e receitas não recorrentes. O desempenho, portanto, não refletia uma melhora estrutural, mas uma reorganização de curto prazo em meio a um mercado aquecido de e-commerce durante a pandemia.

Em 2022, com a desaceleração econômica e o retorno das despesas reprimidas, a estatal voltou ao vermelho, registrando prejuízo de cerca de R$ 767 milhões. Desde então, os balanços mostram deterioração do caixa, aumento das dívidas e crescimento das despesas com pessoal. Em 2024, relatórios internos já apontam necessidade de aporte bilionário para evitar colapso operacional. A proposta do governo de intervir novamente, oferecendo garantias do Tesouro, demonstra que o modelo estatal atual não consegue gerar fluxo de caixa sustentável sem recorrer a recursos públicos. Trata-se, em essência, de um modelo falido que se sustenta por força da inércia burocrática e da resistência ideológica à privatização.

A situação brasileira contrasta fortemente com a experiência alemã. A antiga Deutsche Bundespost, estatal responsável pelos serviços postais, foi dividida em 1995 em três empresas, Deutsche Post AG, Deutsche Telekom e Postbank, dando início a um processo de privatização gradual e responsável. O governo alemão manteve temporariamente o controle acionário, mas abriu o capital em etapas, submetendo as novas empresas a regras de governança corporativa, metas de eficiência e padrões de transparência semelhantes aos do setor privado. A Deutsche Post, ao se tornar uma companhia listada em bolsa, precisou competir, investir em automação, reduzir custos e adotar práticas modernas de gestão. O resultado foi a transformação de uma burocracia estatal em um dos maiores conglomerados de logística do mundo, dono da marca DHL e referência global em eficiência.

A diferença essencial entre os dois modelos está no propósito. Enquanto o Brasil insiste em tratar os Correios como instrumento político e social, a Alemanha enxergou o serviço postal como uma atividade econômica que precisa de capital, inovação e concorrência para prosperar. Lá, o Estado não se retirou da regulação, ao contrário, fortaleceu-a. Criou uma agência independente (Bundesnetzagentur) que estabeleceu regras claras para o serviço universal, tarifas máximas e padrões de qualidade. Assim, o serviço postal continuou sendo prestado, mas de forma eficiente, com investimento privado e sem onerar o contribuinte.

No Brasil, o debate sobre privatização dos Correios costuma ser contaminado por discursos populistas e desinformação. Argumenta-se que vender a estatal seria “entregar um patrimônio nacional” ou que a privatização levaria ao fechamento de agências em locais remotos. No entanto, o que se observa hoje é que, mesmo sob controle estatal, muitos desses serviços já são ineficientes, lentos e, em alguns casos, inexistentes. Municípios de difícil acesso enfrentam atrasos crônicos e a rede de atendimento está em retração há anos. A diferença é que, sob o modelo atual, o prejuízo é socializado entre todos os brasileiros, inclusive os que nunca utilizam os Correios.

A ideia de um serviço público universal não precisa ser abandonada, mas redefinida. Em vez de manter uma empresa ineficiente sob tutela política, o Estado poderia estabelecer um regime de concessão ou de subsídio transparente para trechos e localidades não rentáveis, contratando operadores privados para executar o serviço universal mediante metas e fiscalização. Essa prática é comum na Europa e garante cobertura sem comprometer a eficiência geral do sistema. No modelo atual, o Brasil transfere bilhões para uma estrutura inflada, de produtividade decrescente e com pouca transparência sobre os resultados.

A insistência em manter os Correios como estatal pura revela o vício estrutural do modelo intervencionista: a crença de que o Estado é melhor gestor do que o mercado. Essa visão ignora a natureza dinâmica da economia contemporânea, onde a tecnologia, a automação e a integração logística global são essenciais para competitividade. Empresas privadas de logística, como FedEx, UPS e a própria DHL, investem bilhões anualmente em pesquisa, inteligência artificial e automação de centros de distribuição. Enquanto isso, os Correios ainda enfrentam dificuldades básicas de rastreamento e infraestrutura. O resultado é previsível: perda de competitividade, queda de receita e necessidade de novos resgates públicos.

Projetando os próximos anos, o cenário é preocupante. Mesmo com o aporte bilionário pretendido, sem uma reforma estrutural ou abertura ao capital privado, os Correios tenderão a repetir o ciclo de alívio temporário e posterior colapso. As receitas de encomendas, que cresceram durante a pandemia, já mostram desaceleração, enquanto os custos fixos permanecem elevados. O envelhecimento do quadro de pessoal e o déficit previdenciário interno aumentam a pressão sobre o caixa. Ao mesmo tempo, o avanço das empresas privadas e o crescimento do e-commerce com entrega própria (como Amazon e Mercado Livre) reduzem o espaço competitivo da estatal.

Privatizar os Correios, portanto, não é apenas uma questão ideológica, mas de sobrevivência institucional. Significa permitir que a empresa tenha acesso a capital, inovação e práticas de gestão modernas, libertando-a das amarras da burocracia política. O Estado pode e deve manter um papel regulador, definindo padrões de serviço universal e tarifas máximas, mas precisa abandonar o papel de operador direto. Essa separação entre “quem regula” e “quem entrega” é o que garante eficiência, transparência e justiça fiscal.

A experiência internacional mostra que estatais postais privatizadas tendem a se tornar mais competitivas e sustentáveis. A Deutsche Post, por exemplo, expandiu sua atuação global, gerou empregos de maior qualificação e aumentou o valor de mercado, enquanto continuou cumprindo as obrigações públicas definidas em lei. O Brasil, por outro lado, permanece preso a um modelo dos anos 1970, que confunde política social com operação econômica e perpetua a dependência de um Estado que já não tem fôlego fiscal.

O momento atual, com nova injeção bilionária planejada, é a prova cabal de que o sistema se exauriu. Persistir nessa estrutura é insistir em um modelo que pune o contribuinte e premia a ineficiência. A solução não é mais um empréstimo, mas uma transformação completa: uma privatização responsável, com regulação sólida, metas claras e respeito ao princípio básico da economia liberal: de que o Estado deve ser árbitro, não jogador.

Se o Brasil quiser ter uma empresa postal moderna, eficiente e sustentável, precisa romper o ciclo de dependência e adotar a coragem que a Alemanha teve há trinta anos: entender que privatizar não é abandonar o serviço público, mas libertá-lo da política e devolvê-lo à lógica da eficiência e da responsabilidade. Somente assim deixaremos de financiar o fracasso e passaremos a investir no futuro.

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João Loyola

João Loyola

Formado em administração pela PUC Minas e em Gestão de Seguros pela ENS, Pós-Graduado em Gestão Estratégia de Seguros pela ENS, é sócio sucessor da Atualiza Seguros, trabalha no programa Minas Livre para Crescer na Secretaria de Desenvolvimento Econômico de MG e é associado do IFL-BH.

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