Dois Papas, dois caminhos
Com a morte do Papa Francisco, encerra-se o pontificado do primeiro papa latino-americano da história da Igreja: Jorge Mario Bergoglio, o jesuíta argentino que assumiu o trono de Pedro com a promessa de uma “Igreja pobre para os pobres”. De fato, ele representou uma guinada progressista dentro de uma instituição que sempre se viu como guardiã da tradição.
Sua morte convida à comparação inevitável com Karol Wojtyła – João Paulo II, figura monumental cuja liderança transcendeu as fronteiras da fé católica e marcou de forma indelével o século XX. Enquanto João Paulo II enfrentava o comunismo com coragem moral e firmeza doutrinária, Francisco parecia muitas vezes disposto a fazer concessões ideológicas. Wojtyła sabia o valor da liberdade – não a liberdade hedonista dos desejos, mas a liberdade espiritual e política de uma alma responsável diante de Deus e da história. Ele falava com clareza contra os totalitarismos e foi peça-chave no colapso da Cortina de Ferro. Francisco, por outro lado, preferiu o silêncio em momentos cruciais, em especial, diante de regimes autoritários e ditaduras contemporâneas, como na Nicarágua, Cuba ou China. Sob o manto da prudência, sua diplomacia soou muitas vezes como omissão.
João Paulo II exaltava o esforço pessoal, a dignidade do trabalho, a responsabilidade do indivíduo. Sua fé dialogava com a razão, e sua teologia estava enraizada na busca da verdade. Já Francisco, frequentemente, optou por uma retórica populista, aproximando-se de bandeiras socioeconômicas que flertam com a ideologia da teologia da libertação, uma corrente que confundiu caridade com coletivismo e que erra ao enxergar o Evangelho como um manifesto político.
Francisco frequentemente pareceu confundir até mesmo os mandamentos divinos no campo econômico. Enquanto Wojtyła compreendia que o lucro – quando obtido de forma honesta e responsável – era moral, necessário e motor do progresso humano, Francisco se encantava com fantasias utópicas. Em seu discurso, o lucro era muitas vezes retratado como imoral, como se o ganho legítimo fosse automaticamente uma forma de exploração. Essa visão ecoava os vícios de um progressismo ideológico que demoniza o mercado, mas canoniza políticas estatais assistencialistas, políticas que, ainda que bem-intencionadas, levaram inúmeros povos à estagnação, à servidão disfarçada e à transformação dos pobres em súditos do Estado.
No Antigo Testamento, o lucro lícito era considerado uma bênção, fruto do trabalho, da prudência e da aliança com Deus. Já o Novo Testamento, passou a enfatizar o desprendimento material, a renúncia e a valorização da pobreza como virtude espiritual. A ênfase de Francisco era claramente hostil ao lucro e à livre iniciativa, contrastando com vozes como a de João Paulo II, que reconciliavam fé e prosperidade legítima. Essas divergências não apenas influenciaram o campo teológico como também dividiram a própria Igreja quanto ao papel do mercado e da liberdade econômica.
João Paulo II via na liberdade econômica um caminho para a dignidade humana. Francisco, muitas vezes, a via como ameaça. Em nome de uma suposta “justiça social”, terminou por obscurecer os princípios morais mais elementares da prosperidade: mérito, responsabilidade, liberdade e propriedade. Francisco confundiu acolhimento com condescendência, pastoral com hesitação, misericórdia com relativismo. Em nome da “escuta”, comprometeu a clareza moral. Em nome do “diálogo”, obscureceu o anúncio. Enquanto João Paulo II inspirava fidelidade e sacrifício, Francisco gerava extrema ambiguidade.
Boas intenções não bastam quando se lidera uma instituição milenar que carrega o peso da fé de bilhões. Uma Igreja que, ao se dobrar ao espírito do tempo, perde seu espírito eterno. Em tempos em que o Ocidente enfrenta uma crise de identidade – cultural, moral e espiritual -, o peso de uma liderança clara se torna ainda mais necessário. E é aí que a figura de João Paulo II, mesmo falecido, se impõe como farol diante das sombras deixadas pelo pontificado de Francisco.
Que a morte do Papa Francisco seja o início de um novo ciclo em que a Igreja reencontre sua clareza, sua coragem e sua verdade, aquela mesma verdade que Wojtyła proclamava com força e serenidade: “Não tenhais medo”.
Entre Wojtyła e Bergoglio, há a distância entre um farol moral e uma vela tremulando ao vento.