Digam e repitam: o STF é patrimonialista
Primeiro, o escândalo do banco Master, já liquidado extrajudicialmente pelo Banco Central, revelando, por si só, mais um sintoma dessa relação promíscua entre a plutocracia lobista e o setor público brasileiro: o BRB (banco estatal) comprou uma carteira de créditos fraudulentos (ativos inexistentes) pela bagatela de R$ 12,2 bilhões, com intenção não outra, acredita-se, de socorrer o caixa do Master, ao mesmo tempo em que o próprio BRB tentava adquirir o banco de Daniel Vorcaro. É pouco crível que os agentes responsáveis pela compra no BRB tenham sido vítimas inocentes. Sigamos com a cronologia a partir daí.
No dia 28 de novembro, o ministro Dias Toffoli pegou carona em um jatinho particular para assistir à final da Libertadores em Lima, tendo como companheiro de viagem Augusto Arruda Botelho, advogado de Luiz Antônio Bull, ex-diretor do Banco Master e investigado na Operação Compliance Zero. Bull, que se encontrava preso, foi solto no mesmo dia em que Toffoli assistia ao Palmeiras perder. Ainda no mesmo dia, a defesa do banco apresentou um recurso pedindo que o caso fosse para o STF, argumentando a citação a um deputado federal em um dos contratos (o padrão é muito claro: sempre que um processo tem o potencial de respingar em altos figurões da República, encontra-se uma desculpa para puxá-lo para a suprema corte), pedido cuja relatoria caiu para ninguém mais ninguém menos que Toffoli. Além de acatar o pedido, concentrando as investigações no STF, ele impôs um sigilo máximo e inédito ao processo, impossibilitando seu acesso até mesmo por outros ministros da corte. Nunca é demais recordar que foi Toffoli, quando presidente do STF, que abriu, em março de 2019, de ofício, o Inquérito das Fake News, bem como foi ele quem, um mês depois, solicitou e conseguiu que Alexandre de Moraes impusesse censura prévia à Revista Crusoé e ao site O Antagonista após os veículos publicarem uma matéria, baseada nos autos da Lava Jato, onde Toffoli era citado em delação premiada por Marcelo Odebrecht como sendo o personagem “amigo do amigo do meu pai”.
Falemos agora de Moraes. O escritório de advocacia da esposa do ministro plenipotenciário, Viviane Barci de Moraes, tinha um contrato de assessoria e consultoria jurídica com o Banco Master com duração de 36 meses, recebendo a “bagatela” mensal de R$3,6 milhões, o que, se cumprido até o fim, totalizaria R$129 milhões, valor totalmente fora do padrão de contratos do gênero. O contrato com escritório da Viviane foi encontrado no celular de Vorcaro acompanhado de mensagens dizendo que os pagamentos mensais “não podiam deixar de ser feitos em hipótese alguma”. Tem mais. O contrato com a esposa de Moraes previa atuação junto à Receita Federal, Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, Banco Central (BC) e ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE); contudo, com base em informações obtidas pelo O Globo, não há registros de atuação do escritório dela junto ao BC ou ao CADE durante o período de vigência do contrato. E, agora, a cereja do bolo: conforme coluna da jornalista Malu Gaspar para O Globo, Alexandre de Mores procurou o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, em ao menos quatro ocasiões, para fazer pressão em defesa do Banco Master, sendo três por telefone e uma pessoalmente. As conversas foram relatadas ao blog de Malu por seis fontes diferentes, sendo que uma teria ouvido do próprio Moraes sobre o encontro com Galípolo. Temos então que Moraes teria usado seu cargo para pressionar o presidente do BC a atuar de forma favorável ao então cliente de sua esposa. Que não passe desapercebido que o todo-poderoso ministro, que não perde oportunidade de refutar ditas “fake news” e enfrentar de forma truculenta seus críticos, até o momento em que escrevo este artigo, não se manifestou sobre o caso. Claro que sempre há a chance de que Malu Gaspar e os demais jornalistas que replicaram a notícia estejam agora incluídos em algum dos infindáveis inquéritos suspeitos de integrar a tal “milícia digital”.
Se alguém chegou até aqui, mas segue acreditando que o regime juristocrático vigente no país há quase sete anos é, para além de benigno, altruísta, magnânimo, visando à preservação da democracia, sugiro passar por uma avaliação psicológica o mais rápido possível. Como já lembrei em outras ocasiões, a força motriz da nova ordem juristocrática é o velho e bom patrimonialismo. Nunca vi a promiscuidade entre a coisa pública e privada de forma tão descarada assim. O Banco Master, como já era esperado, também desponta como patrocinador em diversos eventos nos quais Toffoli, Moraes e outros ministros do STF participaram. Aliás, isso é prática comum: ministros do STF participarem de eventos patrocinados por empresas, muitas das quais com processos em andamento na corte. Vale recordar a intragável decisão do STF, em dezembro de 2023, de permitir que magistrados possam julgar casos que tenham como partes escritórios onde cônjuges, companheiros ou parentes trabalhem ou sejam até mesmo sócios.
Antes de finalizar, há outra observação a se fazer, talvez a mais pertinente de todas. Esse espetáculo todo concorre para aumentar ou reduzir a credibilidade da suprema corte e das instituições brasileiras? Respondendo que serve para reduzir, vamos a outra pergunta: será que Toffoli e Moraes dão a mínima para isso? Não é curioso que os dois principais responsáveis por implementar um regime de exceção juristocrático no país com a desculpa de proteger as instituições e aumentar a confiança do povo nas mesmas não pareçam se importar, não só com as próprias contradições, mas com o fato de que seus atos produzem o exato oposto? Que o mito de que eles se importam com a imagem das instituições reste derrubado. Quem ainda pode, em sã consciência, pensar que a mesma instituição que incorpora e personifica de forma constrangedoramente escancarada o patrimonialismo, principal chaga da sociedade brasileira, pode ser a redentora da democracia? Pois digam e repitam: o STF é patrimonialista.
Fontes:
https://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/editoriais/banco-master-dias-toffoli-alexandre-de-moraes/
https://www.cnnbrasil.com.br/politica/toffoli-impoe-sigilo-a-caso-vorcaro-no-stf/
https://revistaoeste.com/politica/stf-determina-sigilo-maximo-em-processo-de-daniel-vorcaro/
https://revistaoeste.com/politica/bc-nao-tem-registro-de-atuacao-da-mulher-de-moraes-no-master/



