‘Desordem informacional’: da pesquisa acadêmica ao julgamento do STF

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Na terça-feira 21 de outubro de 2025, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) condenou o chamado núcleo 4 da “trama golpista”, apelidado de “núcleo de desinformação”. Os argumentos utilizados para a decisão aludiram ao estranho conceito de “desordem informacional”. Haveria alguma previsão dessa noção no Código Penal? O Parlamento brasileiro aprovou alguma lei sentenciando que “desordem informacional” é crime e definindo em que efetivamente tal infração consistiria? Não. Então, de onde os nossos supremos togados extraíram essa ideia?

A fonte não é o Legislativo brasileiro, mas uma pesquisadora de Harvard. Doutora em comunicação e mestre em ciência política pela Universidade da Pensilvânia, Claire Wardle é diretora-executiva da First Draft, que analisa os desafios impostos pela mecânica de circulação de informações nas redes sociais. Para Claire, a expressão fake news (notícias falsas) não seria suficiente para expressar a natureza do problema. A expressão substituta, “desordem informacional”, contempla três ordens distintas de fenômenos: a informação falsa propriamente dita (quando compartilhada sem a intenção de causar danos), a desinformação (quando compartilhada com a intenção de causar danos) e a “informação maliciosa” — que até é verdadeira, mas é compartilhada com a intenção de causar danos. Nesta última categoria, Claire inclui vagamente, além de vazamentos, subcategorias como “assédio” e “discurso de ódio”, de caráter sabidamente subjetivo e, por isso mesmo, fluido.

No prefácio da versão em português, editada pela Universidade Estadual de Campinas, do livro Desordem informacional, de autoria de Claire e seu colega Hossein Derakhshan, Walter Carnieli escreveu que o relatório constante da obra é precioso para compreender a “epidemia de desinformação vigente no Brasil e no mundo”. O texto deixaria claro o “impulso que as novas tecnologias representam para a desinformação”, embora esse fenômeno seja “bem mais antigo”. O prefaciador revisita o exemplo clássico da versão em rádio-teatro de Guerra dos Mundos, exibida por Orson Welles, que ouvintes interpretaram como um ataque real aos EUA. Trata-se de expediente velho: todo desenvolvimento tecnológico na mídia moderna, desde a invenção da imprensa por Gutenberg, é visto como uma desastrosa disrupção para a qual a humanidade não está preparada. Antes que houvesse livros impressos, jornais, rádio, televisão, Facebook, X ou Instagram, provavelmente a humanidade trafegava em um oceano de verdades sagradas, imunes à contaminação da menor mentira…

O que é a desordem informacional

Os grandes exemplos modernos dos efeitos da terrível “desordem informacional” citados pelos autores no trabalho são o Brexit e a eleição de Donald Trump — porque, é claro, os eleitores não poderiam, em sã consciência, tomar decisões como essas sem terem sido vítimas de uma grande ilusão fabricada por algoritmos, “bolhas virtuais”, inteligências artificiais e outros artifícios terríveis da internet. Eleger o Partido Democrata para a Presidência dos EUA contra Trump, por exemplo, teria sido, com certeza, a escolha certa, bem informada, baseada apenas nos fatos objetivos. O candidato da “extrema direita”, é óbvio, só pode vencer graças ao malabarismo das máfias digitais! Triunfasse o candidato da esquerda, e não haveria qualquer problema.

Na conclusão de seu relatório, Claire e seu colega Hossein propõem algumas medidas que poderiam ser utilizadas para combater os efeitos desse mal. Entre elas estão as famosas agências de checagem de fatos para “conduzir as pessoas à verdade” (!!!).

Ataque à democracia

“O cidadão comum, o eleitor ordinário, no sentido gramatical da palavra, não está preparado para receber esse tipo de desordem informacional, como estou colocando no meu voto”, afirmou Lewandowski durante a sustentação. Não havia nenhuma mentira sendo dita. Porém, como a Brasil Paralelo aglutinou as informações sobre os escândalos — mesmo, ressalte-se novamente, Lula tendo sido realmente citado e tudo tendo acontecido durante seu mandato — sem dizer explicitamente que destino foi dado à sua menção nos processos, a produtora teria “confundido” o público, “disposto” o conteúdo de maneira a iludir ou induzir à opinião em determinado sentido.

Ora, as manchetes jornalísticas fazem isso desde que passaram a existir. Os jornais, quer o admitam, quer não, têm linhas editoriais e não produzem conteúdos que espelham cristalinamente a essência absoluta da verdade — e está tudo bem. Isso faz parte da vida humana. Ou bem se aceita esse elemento inafastável de “caos”, ou não se vive em uma sociedade livre. Nenhum burocrata é digno de confiança para decidir se uma mensagem é “confusa” ou “maliciosa”.

A porta se escancara, em se admitindo tal vacuidade de critério, para que se considere “confuso” e “malicioso” tudo quanto se reprova, tudo quanto incomoda aquele que tem a caneta na mão para decidir. É a morte do Estado de Direito, justificando-se a atribuição, aos togados, da função de editores da sociedade com base em conceitos formulados por uma pesquisa acadêmica e não com base na lei do país, consagrada pelos representantes eleitos da sociedade. É o que o STF continua fazendo, preparando o terreno para as eleições de 2026. A democracia é o último valor com que nossos ministros estão preocupados.

*Artigo publicado originalmente na Revista Oeste

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Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colunista e presidente do Instituto Liberal, conselheiro de diversas organizações liberais brasileiras, membro refundador da Sociedade Tocqueville, sócio honorário do Instituto Libercracia, fundador e ex-editor do site Boletim da Liberdade e autor, co-autor e/ou organizador de 11 livros.

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