Desburocratização e normas claras: o caminho para fortalecer o pequeno empreendedor
O Brasil, há décadas, convive com um dos ambientes de negócios mais burocráticos do mundo. O excesso de normas, a fragmentação legislativa e a sobreposição de exigências criaram um verdadeiro labirinto regulatório que penaliza, sobretudo, o pequeno empreendedor. Se, para grandes empresas, a burocracia já significa custos elevados, para o micro e pequeno empresário, ela representa, muitas vezes, a diferença entre abrir as portas ou desistir do sonho. A desburocratização e a clareza normativa não são, portanto, questões meramente técnicas de gestão pública, mas condições essenciais para que a liberdade de empreender floresça e a economia se torne mais dinâmica e inclusiva.
Abrir uma empresa no Brasil ainda é, em muitos casos, uma tarefa árdua. Segundo os relatórios mais recentes do Banco Mundial sobre facilidade de fazer negócios (Doing Business), o país chegou a ocupar posições abaixo da 120ª colocação no ranking global de abertura de empresas, com uma média de mais de 15 dias para formalizar um negócio, enquanto, em países como Nova Zelândia e Estônia, esse processo não leva mais do que 24 horas, de forma digital e com custo simbólico. Essa diferença ilustra como a burocracia brasileira continua a ser um fator de exclusão econômica. Apesar de avanços recentes, como a figura do Microempreendedor Individual (MEI) e a RedeSim, que integraram procedimentos, ainda é comum que pequenos negócios enfrentem semanas de espera para obter licenças e autorizações, muitas vezes duplicadas entre municípios, estados e União.
A revisão periódica das normas é outro aspecto indispensável para melhorar esse cenário. Desde a Constituição de 1988, o Brasil já editou mais de 180 mil normas federais, de acordo com o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação. Esse número não inclui legislações estaduais e municipais, que se acumulam sem revisão sistemática. O resultado é um ordenamento inflado e caótico, no qual até órgãos públicos se confundem sobre o que está em vigor e o que foi tacitamente revogado. Países que adotaram mecanismos de “expurgo regulatório”, revisando e revogando leis ultrapassadas, alcançaram mais segurança jurídica e maior dinamismo econômico. No Brasil, a ausência dessa prática mantém o pequeno empreendedor refém de normas contraditórias, insegurança interpretativa e alto custo de conformidade.
Esse peso da burocracia atinge diretamente a realidade cotidiana de quem empreende. Um salão de beleza de bairro, por exemplo, muitas vezes precisa apresentar laudos e licenças ambientais que nada têm a ver com o risco real de sua atividade. Uma pequena mercearia pode enfrentar exigências duplicadas de vigilância sanitária, cada uma emitida por órgãos distintos que não se comunicam entre si. Um empreendedor digital, que trabalha de casa vendendo produtos artesanais pela internet, pode ser obrigado a cumprir as mesmas obrigações que uma empresa de médio porte. Esse descompasso entre normas e realidade acaba forçando muitos a optar pela informalidade, o que explica por que quase 40% do mercado de trabalho brasileiro ainda é informal, segundo dados da PNAD Contínua.
Ao contrário do que muitos pensam, desburocratizar não significa abrir mão de fiscalização ou de responsabilidade. Significa racionalizar, padronizar e eliminar o que é inútil. O programa Minas Livre para Crescer, em Minas Gerais, mostrou como é possível avançar nessa direção ao dispensar a exigência de alvarás para centenas de atividades de baixo risco, digitalizar processos e integrar órgãos estaduais. Goiás e Paraná seguiram caminho semelhante, provando que simplificar é possível quando há vontade política. Os resultados são claros: menos tempo perdido com papéis, mais tempo dedicado ao cliente e ao investimento produtivo.
A clareza normativa é um ativo de competitividade. Em ambientes onde as regras são objetivas, compreensíveis e estáveis, o empreendedor pode planejar com confiança e assumir riscos de forma calculada. Ao contrário, quando a lei é ambígua e sujeita a interpretações divergentes, o empreendedor se vê obrigado a gastar energia e dinheiro com advogados e contadores para simplesmente sobreviver. Enquanto grandes grupos conseguem absorver esses custos, o pequeno empresário sucumbe. É por isso que simplificação regulatória é, em essência, uma política de justiça econômica: ela nivela o campo de jogo e dá a todos a mesma oportunidade de competir.
Desburocratizar é libertar o empreendedor de entraves artificiais que o Estado criou ao longo de décadas. É devolver ao cidadão a confiança de que empreender não será uma luta contra a máquina pública, mas uma atividade legítima, amparada por um Estado que compreende seu papel como facilitador, não como obstáculo. Revisar normas, simplificar processos e facilitar a abertura de empresas são passos decisivos para que o Brasil saia da armadilha do formalismo improdutivo e avance rumo a um modelo de prosperidade baseado na criatividade, no trabalho e na inovação.
Em última análise, desburocratizar não é apenas cortar papéis. É reconhecer que a liberdade de empreender é o maior instrumento de geração de prosperidade e de mobilidade social. Um país que valoriza o talento de seus cidadãos deve ter a coragem de simplificar. O Brasil só será uma terra de oportunidades quando abrir uma empresa for mais simples do que enfrentar a burocracia que hoje aprisiona sonhos e sufoca iniciativas.
*Rodrigo Melo é engenheiro formado pelo Instituto Militar de Engenharia (IME), com experiência na indústria aeronáutica e bélica, especializado em gestão de pessoas, processos e indicadores de desempenho, além de ferramentas de Lean Manufacturing. Possui MBA em Finanças pelo IBMEC. Atualmente é Subsecretário de Liberdade Econômica e Empreendedorismo de Minas Gerais, onde lidera o programa Minas Livre para Crescer, coordenando ações para desburocratizar o ambiente de negócios e fomentar o empreendedorismo. Também atua na formulação de políticas públicas de apoio às micro e pequenas empresas, preside o FOPEMINMPE e integra conselhos estratégicos como SEBRAE-MG, CODEMG, CEMIG SIM e CET-MG.