Como governar com o establishment? E sem ele?!

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O ritmo da democracia é lento demais, é desesperador para qualquer um, mais ainda para um homem de negócios como Trump. As barreiras do “deep state” são muito grandes. Os obstáculos são imensos. É preciso saber negociar, ceder, engolir sapos, fazer concessões, aturar o oportunista, enfim, fazer política. Não é como fechar qualquer outro deal no mundo dos negócios.

Em um tuíte de desabafo, o presidente Trump reclamou e pressionou seu colega de partido. Mostra a insatisfação com essa lentidão, com esse mundo de Washington, com esse pântano de politicagem. Eis o que disse Trump:

As pessoas comuns ficam cada vez mais indignadas e cansadas com a classe política, que passou a encarar a política apenas como uma carreira para privilégios pessoais. Há uma clara crise de representatividade nas democracias modernas. Infelizmente, não há alternativa boa, pois buscar um “déspota esclarecido” não rola. A impaciência com a política real leva muita gente a sonhar com essas “soluções mágicas”, antidemocráticas, mas é um sonho perigoso.

O economista Fabio Giambiagi escreveu em sua coluna que recomenda aos alunos de ciência política a participação em algum conselho de condomínio, para um choque de realismo. Eu já participei de um, num grande condomínio e em formação. É, de fato, uma aula prática e tanto sobre os limites da governabilidade, de como poucas pessoas têm bom senso, de como é complicado conciliar interesses e tipos distintos etc. Imagina isso em escala nacional!

Não há muita escapatória: é preciso governar dentro das regras do jogo, com os políticos imperfeitos que existem, num sistema igualmente imperfeito. Isso exige maturidade, habilidade, estômago de ferro e preparo para decepções. As coisas simplesmente não vai sair conforme o planejado ou o prometido. Não há um messias salvador, que vai “drenar o pântano” sozinho. Paulo Figueiredo comentou melhor o caso:

Não sei se vocês estão acompanhando, mas hoje na política americana tivemos uma troca de farpas que considero representativa de um problema maior – Donald Trump acabou de dar um tweet-cacetada no presidente do Senado americano (e seu colega Republicano). Vou resumir o caso aqui:

1. Vocês devem conhecer o “Obamacare”, a legislação socialista que Obama criou e bagunçou todo o sistema de saúde americano. Trump e os republicanos, com maioria nas duas casas, foram eleitos prometendo revogar esta joça. É uma prioridade na vida das pessoas.

2. Desde o início do ano os republicanos (com apoio do presidente) vem tentando aprovar um projeto de substituição do Obamacare ou sua simples revogação, mas não conseguem consenso nem dentro do próprio partido. Já foram várias idas e vindas.

3. Na semana passada, o senador molenga Mitch McConnell, presidente do Senado, resolveu dar uma entrevista dizendo que não tinha conseguido o tal consenso porque Trump tinha “expectativas irreais sobre a velocidade com que as coisas aconteciam em uma democracia”.

4. Ou seja, não importa se as pessoas não conseguem pagar seus planos de saúde. O político carreirista quis dar um de recado que o tempo da política é outro.

5. Trump, que vem da iniciativa privada e não tem saco para incompetência, devolveu na lata via um tweet, que traduzo: “O Senador Mitch McConnell disse que eu tinha ‘expectativas excessivas’, mas eu não acho. Depois de 7 anos ouvindo ‘Revogar e Substituir’, por que ainda não está feito?”.

6. A briga em si não é muito boa para ninguém. A revogação será uma vitória de todos os republicanos e a não revogação vem desgastando o governo e o partido. Mas ao tornar a briga pública e ao chamar indiretamente o presidente do Senado de incompetente, Trump usa seu canal direto com o eleitorado para fazer pressão no Congresso, em vez de sucumbir à negociatas com o establishment. Algo no mínimo pouco usual na política americana.

7. Meu ponto: Trump é presidente pelo maior partido dos Estados Unidos. Tem maioria duas casas. É um exímio e experiente negociador. E mesmo assim, tem tido dificuldades para aprovar uma legislação cujo objetivo é consensual.

8. No Brasil, caso seja eleito, como vocês pensam que deve se sair um presidente sem partido, sem a mínima base no Congresso, sem nenhuma experiência em negociação bem sucedida de nada, ao tentar aprovar algo como uma PEC para municipalizar a segurança? Ou uma revisão do Código Penal? Uma reforma política? Desafiador, para dizer o mínimo…

São bons pontos. Trump é um fenômeno novo, da era das redes sociais, que usa esse poder de elo direto com o eleitor para pressionar seus colegas políticos. Ou seja, é um “outsider” que venceu com um discurso um tanto antipolítica, mas que agora, sentando na cadeira do Salão Oval, precisa governar de verdade, tomar decisões difíceis, fechar acordos, realizar promessas de campanha. E não dá para fazer tudo pelo Twitter ou por decretos (prática de que Obama abusou, para o empobrecimento das instituições republicanas).

Ou seja, não há saída fora da própria política, da democracia representativa. Quem prega a comunicação direta entre governante e povo, como se um fosse a incorporação do outro, acabará defendendo o jacobinismo, a “democracia direta” populista que os socialistas venezuelanos também defenderam, um engodo para driblar e assassinar a própria democracia. As camadas entre um e outro geram lentidão, ruído, distorções, mas também impedem abusos ou tiranias ainda piores.

Hoje pode estar no poder alguém mais alinhado com nossas ideias, mas amanhã pode ser o oposto, e por isso as instituições, os mecanismos de pesos e contrapesos, os limites ao poder são tão importantes. Um presidente todo-poderoso, falando em nome do povo e contra os políticos, que pretende “mudar tudo que está aí” representa um grande perigo, sempre.

Trump usou esse discurso para chegar ao poder, é verdade. Mas parece demonstrar uma noção realista dos limites desse discurso na prática, ou ao menos deve ter percebido logo nesses seis primeiros meses de poder, já que de bobo não tem nada. Tem usado como estratégia de negociação essa pressão popular, o que é legítimo e do jogo. Mas não tem como atropelar as instituições, e ainda bem que não!

Os Estados Unidos são o que são justamente pela robustez de suas instituições republicanas, que nem mesmo Obama conseguiu destruir. Já no Brasil sabemos que as instituições são bem mais capengas, que a mentalidade popular é mais autoritária e busca um “paizão” como governante, e que tipos como Getulio Vargas são tratados como heróis até hoje. No Brasil o buraco é mais embaixo. Um presidente sem partido e sem Congresso não sairia do lugar, ou então fecharia o Congresso e acabaria com a democracia de vez.

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Rodrigo Constantino

Rodrigo Constantino

Presidente do Conselho do Instituto Liberal e membro-fundador do Instituto Millenium (IMIL). Rodrigo Constantino atua no setor financeiro desde 1997. Formado em Economia pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-RJ), com MBA de Finanças pelo IBMEC. Constantino foi colunista da Veja e é colunista de importantes meios de comunicação brasileiros como os jornais “Valor Econômico” e “O Globo”. Conquistou o Prêmio Libertas no XXII Fórum da Liberdade, realizado em 2009. Tem vários livros publicados, entre eles: "Privatize Já!" e "Esquerda Caviar".

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