Como a educação no Brasil exerce coerção ao invés de educar para a liberdade

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“Príncipes, governantes e generais nunca são espontaneamente liberais. Tornam-se liberais quando forçados pelos cidadãos. ’’ Ludwig von Mises

A tentativa de resumir a liberdade em um conceito formal começou ainda na Grécia Antiga, quando Aristóteles, em sua obra Ética a Nicômaco, explanou a liberdade oposta à necessidade e à contingência. Para o filósofo, a liberdade é um exercício pleno da vontade do ser. Desse modo, o indivíduo age de acordo com suas vontades e desejos para determinar, portanto, seu destino.

Após Aristóteles, vários outros filósofos se dedicaram à árdua tarefa de conceituar formalmente a liberdade. Porém, assim que o fizeram, negligenciaram a liberdade corporal, que, a priori, é uma sensação tão formidável que serve como instrumento para a elaboração de uma conceituação formal da liberdade.

Um exemplo simples e didático pode ilustrar a sensação de liberdade: pense em um quarto pouco iluminado, fechado, cujo qual você se encontra dentro. Um espaço apertado, abafado, trancado, terrível e assustador. Muitas pessoas entrariam em pânico caso fossem submetidas a tal situação. Você corre até porta e a destranca. Ao abrir sente o vento bater no rosto, consequentemente, tendo em vista o ar refrigerado, inspira de maneira profunda, oxigenando o cérebro e enchendo os pulmões de ar. Todo aquele pavor ficou para trás, a luz volta a entrar pelas janelas do mundo (olhos) e uma sensação de autonomia emerge em você.

A liberdade é a luz, a autonomia, o bem-estar. A liberdade é a sensação de regozijo, pois, agora se encontra livre, despendido, longe da coerção. Já esta (a coerção) exerce um papel de domínio sobre o ser, furtando-o a autonomia sobre suas ações e pensamentos.

Infelizmente, a educação contemporânea tem adotado cada vez mais a coerção como forma de transmissão de conhecimento. São diversas as ações realizadas pelo Estado em conjunto à escola que desestimulam a autonomia, o posicionamento crítico e o esclarecimento dos alunos.

A educação passou por diversas mudanças ao longo da história. Em épocas mais remotas, o dever de educar era exclusivamente da igreja, da família e da comunidade. Porém, com a formação dos Estados Nacionais (século XVI), a Revolução Francesa (século XVIII) e com o advento do Welfare State (Estado de Bem-Estar Social), o principal agente educacional passou a ser o Estado.

Delegada ao Estado a tarefa de ofertar educação aos indivíduos, tal órgão tem, por responsabilidade, guiar as diretrizes de ensino – grades curriculares, didática, etc.-. Ademais, o Estado deve fazer isso com a ajuda da comunidade, por meio de onerações que serão direcionadas a um sistema de ensino público. Todo esse complexo sistema educacional teria por finalidade preparar o cidadão para a vida em sociedade, ensinando-o conceitos lógicos, éticos e, sobretudo, a cidadania.

No entanto, a bela teoria do Estado como difusor e gestor da educação não passa de uma utopia. Além disso, a realidade prática demonstra o caráter distópico dessa teoria.

Primeiramente, pode-se destacar o desmantelamento da estrutura escolar atual. A falta de investimentos, a má gestão dos mesmos, a desmotivação dos profissionais da educação, o atraso tecnológico, a obrigatoriedade do ensino (sendo esta uma das principais causas da indisciplina em sala de aula) e a superlotação das escolas públicas representam os principais fatores que dificultam ou até mesmo impedem o avanço da educação na instrumentalização da liberdade.

É risível dizer que o sistema educacional contemporâneo pode oferecer condições para a autonomização do indivíduo, pois, não há nem mesmo liberdade para o regente exercer sua função. Em uma matéria recente publicada pelo portal de notícias Globo News, constatou-se que o número de professores afastados por transtornos mentais ou comportamentais – ansiedade, depressão, síndrome do pânico, etc.- nas escolas estaduais de São Paulo quase dobrou em 2016 em relação ao ano de 2015: saltou de 25.849 para 50.046. Ademais, dados obtidos pelo mesmo portal expõe que em até Setembro de 2017, 27.082 professorem se afastaram por conta de problemas mentais.

Com a análise desses dados, podemos concluir que para que a liberdade possa ser um ideal transmitido pela educação ainda há um caminho longo e até mesmo incerto. Como discutir a educação como forma de liberdade se nem mesmo os professores podem dar aulas? De que forma a educação instrumentaliza a liberdade, coagindo professores?

As raízes desse problema (afastamento por transtornos mentais) estão todas estruturadas na obrigatoriedade do ensino. Pais são obrigados pelo Estado a levarem seus filhos para um confinamento diário de em média quatro a seis horas. E essa coação estatal pode acarretar inúmeros problemas às crianças e adolescentes e, em decorrência, causar mazelas aos professores.

O raciocínio é simples: crianças que não se familiarizam com a escola praticam a indisciplina como forma de resistência. A ação se torna mais agressiva se pensarmos nos jovens que também apresentam esse tipo de comportamento. É anti-humanitário obrigar pessoas a fazer aquilo que elas não querem e, como toda a ação baseada na coerção, isso gera danos, muitas vezes irreversíveis.

Contudo, tornar facultativo o ensino não resolverá os problemas da educação. Por mais que, a partir daí, o sistema educacional diminua sua ação coercitiva, ainda não a elimina. A grade curricular preestabelecida também é uma forma de coagir o ser. Ao estruturar tal regime, o Ministério da Educação, órgão responsável pela burocratização do sistema educacional, exclui estudantes que possuam talentos e habilidades diferentes daqueles impostos, constrangendo-os e obrigando-os a realizar tarefas contra sua vontade e vocação.

A educação contemporânea obriga escritores em potencial a memorizarem fórmulas físicas; futuros engenheiros a aprenderem acerca da independência do Haiti; etc. O sistema educacional perde ao tentar ensinar coisas desnecessárias a determinados tipos de pessoas, fazendo com que elas percam tempo e oportunidades.

Ademais, a liberdade de pensamento está sendo constantemente limitada no contexto escolar. O livre debate é tão raro que há a discussão de um projeto de lei que visse “despartidarizar” a escola. Intitulado “Escola Sem Partido”, o projeto propõe o fim da doutrinação ideológica praticada em muitas escolas. Os defensores da ideia argumentam que a difusão do marxismo cultural está impregnada no contexto escolar, fazendo com que matérias essências sejam relegadas ao segundo plano em detrimento de uma agenda puramente ideológica.

Não sou defensor do projeto, tampouco acredito que limitar o debate seja uma forma de instrumentalizar a liberdade. Porém, negar que haja a disseminação de uma cultura marxista é ingenuidade e acreditar que o livre debate é praticado na esfera escolar é abstração.

A concretude dos fatos pode ser comprovada analisando as eleições presidenciais recentes nos EUA. O candidato Bernie Sanders, ligado ao partido Democrata e defensor do socialismo, foi o que recebeu maior apoio dos jovens universitários nas eleições primárias (disputas que ocorrem antes das eleições definitivas e são caracterizadas pela escolha de dois candidatos de cada partido que concorrerão entre si). O teor dessas informações confirma a teoria de que há nos sistemas de ensino um posicionamento tendencioso em relação às maneiras de abordar alguns assuntos, sobretudo no campo das ciências sociais.

A educação tendenciosa é extremamente devastadora. Porém, ser contra a hegemonia de uma ideologia que impede o livre debate não quer dizer que sejamos contrários aos eleitores de Bernie Sanders, muito pelo contrário, acreditamos que cada pessoa deve ser livre para escolher o candidato que mais se adeque a sua perspectiva política. Além disso, acreditamos que a escolha de um candidato é fruto de uma construção social, que ocorre de maneira paulatina. Tal construção é resultado de debates, conflitos (não confrontos) e consensos, ou seja, resultado da livre dialética, algo que a escola não proporciona.

Por outro lado, a falha do sistema educacional em promover a liberdade é estrutural. Um dos principais filósofos que se dedicou a conceituar a liberdade foi Kant. O pensador argumentou no texto intitulado “Resposta à Pergunta: O que é esclarecimento?” a semântica em torno da palavra Esclarecimento (Aufklärung). Segundo o filósofo: “Esclarecimento (Aufklärung) significa a saída do homem de sua minoridade, pela qual ele próprio é responsável […] Esse Esclarecimento não exige todavia nada mais do que a liberdade; e mesmo a mais inofensiva de todas as liberdades, isto é, a de fazer um uso público de sua razão em todos os domínios. Mas ouço clamar de todas as partes: não raciocinai! O oficial diz: não raciocinai, mas fazei o exercício! O conselheiro de finanças: não raciocinai, mas pagai! O padre: não raciocinai, mas crede! (Só existe um senhor no mundo que diz: raciocinai o quanto quiserdes, e sobre o que quiserdes, mas obedecei!).”

A leitura desse pequeno trecho do esplêndido texto escrito por Kant nos leva a entender que o esclarecimento só advém da liberdade. Ademais, da liberdade de fazer o uso público de sua razão, ou seja, o esclarecimento só poderá ser obtido através do raciocínio e do debate livre.

Além disso, o filósofo diz que há um só ser no mundo que estimula o uso da razão: o professor. Porém, ainda assim utiliza artifícios da obediência, do conformismo e da opressão como forma de limitar o esclarecimento. Pode-se pensar, porém, de maneira subordinada.

Ainda dentro da perspectiva kantiana, segundo o filósofo: “A preguiça e a covardia são as causas pelas quais uma parte tão grande dos homens, libertos há muito pela natureza de toda tutela alheia (naturaliter majorennes), comprazemse em permanecer por toda sua vida menores; e é por isso que é tão fácil a outros instituírem-se seus tutores. É tão cômodo ser menor. Se possuo um livro que possui entendimento por mim, um diretor espiritual que possui consciência em meu lugar, um médico que decida acerca de meu regime, etc., não preciso eu mesmo esforçar-me.”.

Em suma, para Kant, a liberdade é o exercício pleno da autonomia, ou seja, quanto mais autônomo o ser, maior será sua liberdade. A autonomia é pautada nas escolhas, na sabedoria e no conhecimento individual, indispensável para a nossa capacidade de escolha. No entanto, o sistema educacional parece negligenciar tudo isso. Ao eleger cada vez mais tutores para os alunos, tirando deles o ônus de suas escolhas, a escola forma indivíduos inconsequentes, incapazes de medir suas ações, irresponsáveis, isto é, cria bebês de dezoito anos. E o pior de tudo: são os trabalhadores responsáveis que tem de bancar os luxos exigidos pelos “super bebês”.

O keynesianismo e o Welfare State foram responsáveis pela criação de uma geração de indivíduos regados de direitos e desprovidos de deveres. No início do ano, a direção de João Doria frente à prefeitura de São Paulo foi responsável por uma polêmica: a guerra contra os pichadores. De um lado dessa batalha, a prefeitura do município lutava para erradicar a cultura do picho, majoritariamente difundida por São Paulo. Além disso, o governo municipal não lutava somente contra os pichadores, mas contra vândalos. Por outro lado, um segmento da sociedade era veementemente contra as medidas tomadas pelo prefeito. Argumentavam que o atual prefeito era contrário às artes urbanas (como se depredar patrimônio público fosse arte). O mais interessante disso tudo era que as principais vozes contrárias ao prefeito eram jovens. Jovens que acreditavam ter posse de tudo e, quando contrariados, acreditavam ter o direito de manifestar sua ira depredando patrimônio público e privado.

Eméritos de um sistema de ensino pautado na criação de semideuses, esses jovens são resultado da negligência, são seres utópicos e desrespeitosos. Agem de maneira egocêntrica, irresponsável e antiética.

Dentro desse contexto, a análise do filósofo contemporâneo Sartre expõe todas as mazelas advindas de um sistema paternalista. Na concepção de Sartre, os indivíduos são reféns de suas escolhas. É dele a famosa frase: “Não há nada que possa eximir o homem da sua condição de ser livre e, consequentemente, da sua condição de responsabilidade diante de seus atos.”.

Em suma, Sartre acreditava que as escolhas individuais são capazes de gerenciar a sociedade, pois, se um ser escolhe determinada posição, toda a sociedade sofrerá as consequências dessa escolha. Por exemplo, um motorista irresponsável que resolve dirigir alcoolizado põe em risco sua vida e à vida de outros. Infelizmente, tratando-se de escola, cada vez menos nossos jovens estão sendo capazes de tomar decisões éticas. E, infelizmente, isso é fruto da educação ofertada. Uma grande parcela dos estudantes passa o decorrer do ano letivo deixando de lado a escola, pois, sabem que ao final do ano não reprovarão. Desse modo, a escola está basicamente dizendo isso: “seja irresponsável; ao final, tudo dará certo.”. E, como tudo na sociedade é interligado, esse tipo de pensamento se estende para outros campos, sobretudo ao campo jurídico.

Somado a isso, o método avaliativo vigente no sistema atual é falho. Não há uma valorização real do conhecimento: avaliam-se números, não alunos. A posição quantitativa entra em vigor em lugar de uma avaliação qualitativa. Prezam-se os números, negligencia-se o conhecimento. Estudantes passam horas tentando decorar fatos inúteis que esquecerão após a realização de provas.

Em decorrência, a coerção como forma de transmissão de conteúdo somente amplia o déficit da educação. A escola que temos atualmente é baseada nas demandas do fordismo: alunos extremante disciplinados, limitados e aptos à realização de uma tarefa única e repetitiva. É como se o ensino atual atendesse às necessidades das indústrias durante a primeira Revolução Industrial (século XVIII).

A competitividade, o marketing, o toyotismo, ou seja, o mercado do século XXI necessita de profissionais dinâmicos, qualificados, que consigam trabalhar em grupo e que tenham um conhecimento profundo acerca do universo virtual. É como se o modelo educacional atual fosse inteiramente análogo ao mundo contemporâneo.

A começar pela falta da tecnologia no contexto escolar. A escola atual travou uma guerra contra o celular, uma poderosa ferramenta na construção do conhecimento. Remando contra a maré do mundo contemporâneo, a escola perde tempo e forças lutando contra algo impossível: a tecnologia. Atualmente, a gama de sites e plataformas de ensino gratuitas é ampla, no entanto, não se sabe por que, o sistema de ensino não se alia às novas ferramentas, ao invés de rechaça-las.

Posteriormente, esse sistema de aprendizagem por lotes é extremamente falho. A escola agrupa dezenas de alunos em uma sala, porém, impedem que eles se inter-relacionem. O poder da coletividade que a escola possui é pouco explorado, é como se nos atesemos à pior parte desse poder: a negligência da individualidade. Cada estudante possui um nível de aprendizagem e levar em conta essa condição é dever supremo da educação.

Diante disso, a educação contemporânea é uma das principais mantedoras da desigualdade social. No ano de 2016, somente 34,6% das pessoas que ingressaram na USP (Universidade de São Paulo) eram eméritas de escolas públicas. Do outro lado da moeda, o custo médio por aluno de uma universidade pública chega a ser dez vezes maior em comparação a um aluno do ensino fundamental ou médio. Em suma, o ensino superior público serve aos estudantes mais ricos, àqueles que pagaram por ensino de qualidade durante toda a vida letiva. A situação é tão preocupante que há a necessidade de adoção de reserva de vagas para estudantes de escolas públicas, as chamadas cotas sociais. O Estado brasileiro, ao invés de investir em uma reforma profunda no sistema educacional, prefere tapar o sol com a peneira adotando cotas e reservas.

Enfim, dizer que a educação não é uma das formas de instrumentalizar a liberdade é faltar com a verdade. Contudo, aceitar o sistema educacional vigente é negligenciar a realidade e tomar como verdade a teoria utópica. O sistema de ensino precisa passar por uma profunda reforma, reconstruir suas bases, adequar-se ao mercado contemporâneo, estimular o debate livre e instigar o questionamento. O sistema de ensino precisa de um choque, para que o mesmo seja capaz de contribuir para a construção autônoma do indivíduo. Ademais, a educação não deve se limitar aos muros escolares, mas ser um exercício diário da sociedade. Há a carência de uma integração profunda entre escola e sociedade. Urge a necessidade de adequação dos profissionais de ensino, da absorção das ferramentas tecnológicas ao contexto escolar e de uma aproximação maciça entre a escola e a família. E o primeiro passo para mudar tudo isso é dizer NÃO. Não à educação ofertada, não à coerção, não à opressão, não à limitação do conhecimento, não ao atraso. NÃO!

Toda grande mudança surge da percepção do problema, surge daquilo que os marxistas gostam de chamar de “análise de conjuntura” e os cristãos chamam de “exame de consciência”. Toda a revolução começa do posicionamento crítico de cada cidadão e, em consequência, da movimentação social. Caso não mudemos nossa forma de pensar educação, sofreremos sempre velhos problemas brasileiros. Sofreremos com hospitais públicos de péssima qualidade, pois, pessoas ignorantes venderam seus votos por festa, churrasco e bebida; sofreremos com a nacionalidade bissexta que emerge somente durante a Copa do Mundo; sofreremos com a falta de sentimento republicano, de zelo à coisa pública tal como ela é: pública. Sofreremos sempre e seremos sempre uma nação colônia. Precisamos de mudança no sistema de ensino, caso contrário, a educação e a liberdade sempre serão grandezas inversamente proporcionais.

Sobre o autor: Pedro Henrique é estudante e leitor do Instituto Liberal.  

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