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Aqueles que seguram a escada

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O conservadorismo sempre foi algo difícil de se definir, não porque seja escorregadio ou fantasmagórico, mas porque nunca pretendeu ser uma ideologia. E a modernidade aprendeu que somente o que se define como uma ideologia se torna digno de apreço político. Um erro fatal. A ideologia se propõe a ser um conjunto de ideias e ações que pedem fidelidade aos seus adeptos, uma militância aguerrida aos seus membros. O conservadorismo político, por sua via, nasceu após a queda de Napoleão na França, quando um grupo de homens, perdidos num limbo de extravagâncias teóricas e extremismos assassinos, não concordavam nem com os progressistas e nem com os tradicionalistas. Os conservadores nascem, pois, na liberdade da não definição política, do rechaçamento ao pensamento ideológico e engessado; criam aqueles primeiros “conservadores” que a ideologia era o próprio mal da política.

Com o passar do tempo o conservadorismo precisaria ganhar ao menos uma silhueta, já que não admitiam se entregar à tentação de se verter em ideologia, e foi o que aconteceu. O não ser ideologia se tornou, então, uma das primeiras características do conservadorismo dito “francês”, mas que encontra sua proto-organização no próprio rechaço marcante de Edmund Burke à ideologia progressista dos jacobinos em sua famosa obra Reflexões sobre a Revolução em França

No entanto, de forma mais assertiva e marcante, a disposição conservadora se define na defesa de princípios e instituições que foram tão necessárias que hoje resguardam o que agora julgamos ser necessário. Sendo assim, ainda que Russell Kirk discorde fatalmente de Theodore Dalrymple no que se refere à transcendência — sendo o primeiro um católico fervoroso e o segundo um agnóstico não menos fervoroso —, ambos concordavam quando o assunto era o correto ceticismo frente a capacidade humana de criar sociedades perfeitas, acreditavam que o já tentado deveria ser mais valorizado do que o nunca tentado — nem que seja para que a partir dessa inferência se tente algo realmente novo.

Ainda que Roger Scruton acredite que o princípio mesmo do conservadorismo esteja no sentimento de pertença familiar e social e João Camilo de Oliveira Torres acredite estar na capacidade de defesa de valores tenros, os dois concordariam de maneira nevrálgica que ambas as definições são espetaculares e necessárias, não importando muito quem vem antes.

Ao contrário do que pensa a grande maioria, o conservador não está interessado em condenar a vida sexual de ninguém, o conservador não liga se seu vizinho João se sente como Janete. O real conservador não quer a volta de Hitler e nem bate palmas para Pinochet; nós conservadores acreditamos que qualquer engrandecimento do Estado necessariamente significa a diminuição do indivíduo. Lembremos que o dito “pai” do conservadorismo político, Edmund Burke, era um confesso liberal clássico do histórico partido Whig. Como estudioso da mentalidade conservadora e editor-chefe num instituto também confessamente conservador, posso afirmar, tendo por base minhas imersões em tal pensamento, que, em mais de 220 anos de conservadorismo político, aqueles que menos buscaram a tirania foram os conservadores. Qualquer historiador sincero das ideias políticas terá que concordar que a força motriz dos grandes morticínios ditatoriais dos séculos XIX e XX se iniciaram na ânsia centralizadora das ideologias.

Por fim, o conservadorismo não se trata de uma fiscalização política de genitálias, não se trata de um apreço pelo atraso, não é ser olavete e nem bolsominion – o conservadorismo existia antes de Olavo e Bolsonaro e subsistirá a eles. Ser conservador é guerrear contra invencionices modernas que maculam valores inegociáveis como a vida, a liberdade e o senso de justiça; é resguardar os pilares civilizacionais, justamente a escada humana pela qual ainda estamos subindo. Ser conservador é ser maleável quando o avanço é necessário, e rígido como um bunker quando avançar significa pular do penhasco social. Os conservadores sempre se mantiveram no segundo plano da política, sempre preferiram influenciar de fora; sinceramente confesso que ainda penso se realmente foi bom adentrar nesse ninho de víboras chamado política real. 

Caros indivíduos que agora me escutam, você pode ser socialista, libertário, integralista, comunista ou qualquer outra coisa que a imaginação moderna lhe oferece como mapa do tesouro rumo à sociedade ideal; nós conservadores estamos aqui para lembrar que não há sociedade ideal, há apenas sociedades possíveis. Somos o cercado ao redor do abismo, a placa de aviso numa estrada congelada e a última trilha segura numa mata fechada. Julgamos que todos tenham inteligência o suficiente para entender que não é nada razoável chutar a escada pela qual estamos subindo; pois bem, nós somos aqueles que seguram a escada.

Discurso proferido no dia 29/07/2019, no debate: “O neoconservadorismo e a mentalidade revolucionária”, ocorrido na Escola preparatória Panorama em São José dos Campos/SP.

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Pedro Henrique Alves

Pedro Henrique Alves

Filósofo, colunista do Instituto Liberal, ensaísta do Jornal Gazeta do Povo e editor na LVM Editora.

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