A vitória da direita
O desfecho das eleições europeias no último domingo traz lições importantes e que suscitam reflexões sobre o rumo futuro do Velho Continente e, por conseguinte, da civilização ocidental. Mas, antes de qualquer outra consideração, é preciso deixar claro que a vencedora não foi a “extrema direita”, como vem martelando incessante e raivosamente a imprensa aliciada: quem derrotou o totalitarismo dos globalistas foi a aspiração pela liberdade, esse direito natural básico que há milênios tanto incomoda os tiranos e que nos dias atuais vem sendo sistematicamente maculado pelos que se julgam donos do mundo e são responsáveis pela crise atual da civilização ocidental. Além disso, é muito importante também termos consciência de que se trata apenas de uma batalha vencida, sem dúvida importante, mas que ainda falta muito para a guerra ser ganha. A Europa só acordou e está bocejando.
Uma das armas mais poderosas do combate cultural e empregada há muitos anos com competência pela esquerda é a linguagem. Sua eficácia se deve em boa parte à sutileza com que é disparada, quase imperceptivelmente, de modo subliminar. Você já deve ter reparado que as manchetes da mídia convencional — jornais, TVs e alguns canais de internet — sobre as eleições europeias jamais se referem a uma vitória, simplesmente, da direita, mas fazem questão de adjetivar, em um desfile cansativo de ultradireitista pra cá, radical de direita pra lá, extremista de direita pra cima, ultraconservador pra baixo e outros xingamentos parecidos. Para essa gente, no espectro político não há lugar para uma direita pura e simples: todo ser vivo que não é de esquerda ou de centro-esquerda é tratado como um radical e condenado inapelavelmente em todas as instâncias dos tribunais — estúpida e — politicamente corretos.
Por sua vez, parece não existir ultraesquerdista, esquerdista radical ou extremista de esquerda: o sujeito pode ser um revolucionário de camiseta e chaveirinho do Che, mas sempre será tratado como um progressista e elevado à categoria de um santo que se preocupa com as desigualdades. A coisa é tão séria que até recentemente, antes que as redes sociais e o streaming começassem a arejar a mente das massas, quando alguém era taxado de ultradireitista, sentava-se logo no meio-fio e começava imediatamente a chorar lágrimas de esguicho, sentindo-se a pior das criaturas, um condenado, um pária, um desumano. Mas an internet, ao promover a livre circulação de informações, acabou com esse complexo e colocou tudo no devido lugar. Afinal, por que cargas d’água as pessoas precisam necessariamente sentir vergonha de serem de direita, mas devem orgulhar-se de serem de esquerda?
O globalismo esquerdista foi fragorosamente derrotado no último fim de semana. Nos dois países mais significativos da União Europeia — Alemanha e França — aconteceu um verdadeiro massacre. Na França, o midiático Emmanuel Macron, sempre disposto a roubar a cena, até que conseguiu repetir a façanha, mas não da maneira que gostaria, ao decidir, em uma tentativa desesperada, dissolver o Parlamento, expediente que já havia cogitado quando perdeu a maioria nas últimas eleições gerais. Isso significa que acontecerão novas eleições, em dois turnos, marcadas para 30 de junho e 7 de julho, e que, muito provavelmente, Macron será forçado pelos eleitores a governar ao lado de um primeiro-ministro de direita. Por sinal, Marine Le Pen, sempre retratada pela mídia progressista como uma extremista de direita, declarou, ainda no próprio domingo, que seu partido está pronto para governar, depois da vitória significativa na votação para o Parlamento Europeu, em que a sua agremiação, o Rassemblement National (“Reagrupamento Nacional”), obteve mais do que o dobro de votos do Renaissance (“Renascimento”) de Macron, fazendo antever um triunfo esmagador nas eleições antecipadas para o Parlamento francês e, olhando um pouco mais à frente, a possibilidade de um político de direita ganhar as eleições presidenciais de 2027.
Na Alemanha, um dos países que, juntamente com os nórdicos, mais radicalizaram a agenda ambientalista desde os tempos de Angela Merkel, os eleitores fizeram os verdes caírem de maduros, impondo mais uma derrota ao chanceler Olaf Scholz, um social-democrata alinhado com o credo globalista, fato que vem se tornando comum desde que ascendeu ao cargo, em 2021. Em outros países sucedeu o mesmo: na Bélgica, o primeiro-ministro Alexander De Croo demitiu-se, com direito a lágrimas represadas, depois do grande revés sofrido por seu partido (o Open VLD) nas eleições parlamentares nacionais e nas europeias, em que obteve apenas 5,8% dos votos; na Itália, a vitória da direita, sob o comando de Giorgia Meloni e do Fratelli d’Italia, foi também retumbante; e assim foi na maioria dos países da UE.
Esse avanço da chamada direita, além de refletir uma atitude de legítima defesa pela preservação — ou pela recuperação — das liberdades individuais, reflete sem dúvida o esgotamento da paciência dos eleitores com o blá-blá-blá de países sem fronteiras, o nhem-nhem-nhem da “descarbonização”, o mi-mi-mi da ideologia de gênero e com os demais chororôs progressistas que vêm descaracterizando as tradições da Europa e do Ocidente.
Em uma análise preliminar, parece que a votação expressiva da direita espelhou a preocupação dos eleitores com temas que afetam o dia a dia de todos os cidadãos e de suas famílias, mas não incomodam os globalistas. Vejamos quatro desses temas.
O primeiro deles é o da migração indiscriminada. A Europa vive uma crise migratória sem precedentes, que se iniciou no momento em que a UE decidiu que todos os imigrantes poderiam pedir asilo no país europeu a que primeiro chegassem, o que levou a maioria dos refugiados a procurar a Alemanha e outros países da Europa Ocidental. Foi uma chuva torrencial de refugiados, motivada por diversas causas, e que trouxe problemas crescentes de várias naturezas, dentre os quais o mais sério — e agora percebido pelos eleitores — é a ameaça de perda das identidades nacionais.
O Tratado de Schengen, iniciado em 1985 e atualmente integrado na legislação e nas normas da UE, é um acordo firmado entre 27 países que garante a livre circulação de pessoas entre eles. Nos últimos anos, começou-se a questionar se esse acordo poderia ser sustentado, tendo em vista, de um lado, as centenas de milhares de imigrantes que precisam de alimentos, abrigo e outros serviços básicos e, de outro, que uma parcela desses imigrantes simplesmente não mostram desejo de se adaptar às condições culturais do país que os acolhe.
Uma pesquisa realizada há poucos anos na Europa, publicada pelo jornal Público, de Portugal, indicou que metade dos cidadãos entrevistados era contra a ida de refugiados para o seu país e a favor da limitação da chegada de mais imigrantes, bem como à limitação dos direitos individuais daqueles que já se encontram no país. Isso reflete o renascimento de um nacionalismo sadio, que nada tem a ver com xenofobia ou intolerância cultural, mas simplesmente com amor à terra natal e às suas tradições, usos e costumes, e nem tampouco com o nacionalismo ideológico característico do fascismo e do nazismo.
Em segundo lugar, temos o apocalipse climático incentivado pelos globalistas. Uma questão que tem afetado a vida de todos os cidadãos, principalmente os agricultores, é a atitude totalitária da UE, com a ajuda da ONU e dos bilionários de Davos, de impor descabidamente uma “justiça ambiental”, com uma despesa monetária de trilhões de euros, além do custo não mensurável de afetar os hábitos de vida e de alimentação de milhões de pessoas. Esse devaneio, essa adoração à “mãe terra”, elevada à categoria de deusa por pesquisas supostamente científicas, sempre patrocinadas por conhecidas organizações globalistas, tem sido uma das prioridades do Leviatã de Bruxelas, que há muito tempo vem se arvorando em ser uma liderança mundial na “ação climática”.
O que aconteceu é que os eleitores, simplesmente, perderam a paciência com os ecochatos, termo que Roberto Campos já utilizava na década de 1990 para designar os radicais do clima. Quem tem inteligência suficiente para não se informar apenas pelos canais tradicionais da mídia sabe muito bem que nos últimos meses os agricultores em toda a Europa vêm promovendo uma verdadeira revolução contra as exigências absurdas dos fanáticos climáticos, com centenas de protestos em massa e marchas contra as regras ambientais que consideram injustas e desastrosas, um tema de que tratei aqui mesmo na edição 203 da Oeste, de 9 de fevereiro 2024, no artigo “A paranoia ambientalista”.
Qual será a reação esperada de um proprietário de uma fazenda na Holanda, na Bélgica ou na Alemanha, por exemplo, que pertence há gerações à família, quando escuta dos lunáticos do clima que de agora em diante só vai poder cultivar uma determinada parte da propriedade, ou que terá de se desfazer de suas vacas e ovelhas poluidoras? Ou qual será a atitude de um cidadão que, pelo andar da carruagem, percebe que em poucos anos os burocratas vão proibir o consumo de carne natural para impor o de carne sintética, além de decretar uma dieta baseada no consumo de insetos? Pois é. Você não acha, como eu, que esses motivos são mais do que suficientes para explicar por que os chamados partidos verdes perderam 20 assentos na votação para o Parlamento Europeu?
Receber indiscriminadamente multidões de refugiados pode ser uma atitude aparentemente humanitária, mas na verdade o que acaba acontecendo é que isso se torna uma porta aberta para sérios problemas econômicos
Um terceiro problema que influenciou a opção por partidos de direita foi o desenrolar da guerra entre a Rússia e a Ucrânia, com a UE gastando somas fabulosas para apoiar o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky e as ameaças frequentes de Vladimir Putin à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) de que poderá utilizar armas não convencionais. Ora, como a Otan conta com 30 países, entre os quais os Estados Unidos, e como provavelmente a China se alinharia com a Rússia, a possibilidade de um terceiro conflito de âmbito mundial — desta vez com armas com poder de destruição infinitamente superior ao existente há 80 anos — não pode deixar de ser levada em consideração. Se adicionarmos a isso a debilidade da política externa de Joe Biden e a expectativa de vitória de Donald Trump no final deste ano, podemos cogitar que os europeus, que já experimentaram duas grandes guerras em seu território, diante da questão de até que ponto vale a pena a UE continuar a apoiar a Ucrânia contra a Rússia, preferiram apostar na paz.
E em quarto lugar há as questões econômicas, especialmente o custo de vida. Receber indiscriminadamente multidões de refugiados pode ser uma atitude aparentemente humanitária, mas na verdade o que acaba acontecendo é que isso se torna uma porta aberta para sérios problemas econômicos. Melhor seria se a ONU e outros organismos, em vez de se preocuparem com agendas e protocolos progressistas, fizessem o dever de casa e contribuíssem para resolver as causas das debandadas nos países de origem. O europeu, então, faz a si mesmo duas perguntas antes de votar: como garantir empregos para tanta gente, em geral pessoas com baixa qualificação? E, já que é impossível fazer isso, como sustentar milhões de pessoas, a não ser à custa de mais impostos, mais dívida, mais expansões monetárias e, consequentemente, aumentos permanentes de preços?
Parece que os pagadores de impostos da Europa estão cada vez mais preocupados com o aumento do custo de vida e, por isso, resistentes às regras ambientais que os pressionam a adquirir novos sistemas de aquecimento para suas casas ou carros menos poluentes. A elite globalista de Bruxelas bem que tentou, depois de fortes pressões da população, acalmar os ânimos antes das eleições, ao diluir ou mesmo revogar diversas regulamentações ambientais, como as regras sobre o uso de pesticidas, mas “deu ruim”, porque o número de bobos que conseguiu enganar foi insuficiente.
Em suma, essas eleições dão indícios de que os europeus estão acordando para os muitos males do globalismo progressista e totalitário. É verdade que ainda há muito a ser feito, que essa guerra ainda terá várias batalhas, que os inimigos são organizados, jogam sujo e têm muito dinheiro, mas a liberdade começou a virar o jogo e haverá de vencer.
*Artigo publicado originalmente na Revista Oeste.