A sedutora retórica
Eu tenho repetido – o que representa uma certa ironia – que vivemos numa era da hipocrisia, da mentira escrachada e das aparências. A verdade dos fatos é desimportante, surpreendentemente irrelevante, prevalecendo o espetáculo da mentira, entoado, artisticamente, pela retórica. Bem, a mentira é artística!
Singelo é o poder da sedução das palavras, e sedução é poder. A retórica pode ser entendida como a arte da aparência, da linguagem impregnada de emoções. A linguagem possui uma força avassaladora, capaz de influenciar as crenças e, objetivamente, o comportamento das pessoas.
A razão, nesse contexto, desapareceu de cena. Valem ouro puro as metáforas, o entretenimento e o truque da distração, a fim de manipular e moldar a própria percepção da realidade do rebanho. Importa aquilo que é persuasivo, divertido e que toca nas emoções humanas.
O verdadeiro não é o real, mas uma miragem perfeitamente formada pelos apelos ao emocional, construída por uma constelação de metáforas. Persuasão sempre foi o nome do jogo, porém, na guerra das redes sociais, seu poder foi potencializado ao extremo.
Nosso cérebro adora receber estímulos externos, que nos influenciam e nos convencem. O ser humano busca atalhos mentais, acionados por meio de palavras e de atitudes que tocam a mente humana. Primeiramente, a parte límbica do cérebro, responsável pelas emoções. Somos presas indefesas das emoções.
A persuasão é individual e coletiva. A massa não dá bulhufas para a lógica, querendo se agarrar e acreditar em alguma coisa. Dessa forma, a mentira e a diversão se sobrepõem, manipulando, de forma imponente. É prudente dizer que o ser humano forma a sua identidade social, rechaçando características de que não gosta nos “outros”, buscando se afiliar e pertencer a grupos sociais em que as pessoas possuem “valores” e aspectos aos quais ele quer “ser” ou “parecer ser” igual.
Ansiamos por aprovação social. Portanto, somos persuadidos a agir de acordo com o comportamento tribal que, trivialmente, nos influencia até o pescoço. O medo é sempre o de ser, eventualmente, discriminado.
Oh, sagrada mentira! Ela cai como uma luva de pelica em corpos e mentes que desejam, ardentemente, pertencer a um grupo social. O processo é automático: aderem-se a ideias e a crenças, independentemente de sua lógica objetiva e de sua relevância factual. O pano de fundo perfeito, o paraíso para politiqueiros farsantes.
Muitos desconhecem o real significado de metáfora. É, basicamente, uma transferência de significado, a formulação de uma comparação. Porém, eles são seus “frequent users”. Não é por acaso que hoje escutam-se palavras, tais como “democracia, estado de direito, justiça social, dignidade”, entre outros chavões, sem direito a “pit stop”.
Eles arrotam tais palavras para manipular muitas mentes ingênuas e despreparadas. Geram emoção – e medo.
O objetivo é persuadir – melhor manipular – os reles mortais por meio de palavras e, assim, criar inimigos, por vezes, invisíveis, acessando as emoções humanas. Geram o pânico de que “outros” estejam operando para destruir aquilo que, de fato, representa o genuíno significado de tais palavras. Comuns, como eu, impulsivamente, pensam: onde há fumaça, há fogo.
Tais embusteiros usam palavras e/ou frases que denotam um bem automático. Como alguém, dotado de certo discernimento, poderia se posicionar contra a “democracia” ou o “estado de direito”? Claro, contém ironia.
O fenômeno, por óbvio, não é inovador, mas foi amplificado. Populistas e/ou totalitários sempre fizeram uso da manipulação sistemática da linguagem. Em um português claro, da mentira escrachada, da hipocrisia e das aparências.
Esses artistas do mal, focam em fatos específicos, mentindo, manipulando e, especialmente, repetindo e reverberando. A repetição é irmã siamesa da ilusão da verdade! É preciso muito cuidado! O que fazer para se proteger “deles” e de nossa própria mente? Acione o seu radar interior. Uma das possíveis respostas talvez seja a repetição sistemática dessa mesma pergunta!