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A ilusão da vitória: crítica à declaração de Luís Montenegro nas eleições portuguesas

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‘A formação de maioria no Parlamento português envolve negociações e alianças entre os diferentes partidos políticos’, afirma Bernardo Santoro.

Nas eleições legislativas portuguesas de 2024, a declaração de vitória feita por Luís Montenegro, líder da Aliança Democrática (composta principalmente pelo PSD, mas também por CDS e PPM), é uma clara manifestação da confusão conceitual sobre o que realmente significa vencer em uma democracia parlamentar. A coalizão de Montenegro obteve 79 deputados, o maior número entre os partidos, mas sem a maioria necessária para governar efetivamente. Essa visão distorcida da realidade política revela um entendimento equivocado do sistema parlamentar português e uma tentativa de redefinir o conceito de vitória de acordo com conveniências políticas.

Em uma democracia parlamentar como a portuguesa, o partido que obtém a maioria dos assentos no Parlamento não é necessariamente o vencedor absoluto das eleições. O verdadeiro vencedor é aquele que consegue formar uma maioria parlamentar capaz de governar e implementar sua agenda política. Isso significa que a verdadeira vitória não é apenas alcançar o maior número de cadeiras, mas sim garantir a capacidade de formar um governo estável e eficaz.

A formação de maioria no Parlamento português envolve negociações e alianças entre os diferentes partidos políticos. No caso em questão, a Aliança Democrática não obteve maioria absoluta de 115 deputados, ficando dependente do partido Chega, de direita, que conquistou 48 cadeiras. Luís Montenegro afirmou categoricamente que não fará aliança com o Chega, o que coloca em xeque a possibilidade de seu governo obter a legitimidade necessária para governar.

É importante ressaltar que o Partido Social Democrata (PSD), principal partido da AD, embora historicamente considerado um partido de centro-direita por ser o partido contraposto ao Partido Socialista (PS), não pode ser categorizado necessariamente como um partido de direita. O PSD adotou posições moderadas em várias questões, muitas vezes alinhando-se com políticas de centro-esquerda.

Essa ambiguidade ideológica do PSD contribui para a complexidade do cenário político português e dificulta a formação de uma coalizão sólida que represente claramente as preferências do eleitorado, em um cenário muito parecido com o papel que o PSDB, no Brasil, exercia nos anos de antagonismo com o PT.

Falando em PT…

Falando em PT, é preocupante perceber que o discurso inicial de Luís Montenegro se parece muito com a prática política de Luiz Inácio Lula da Silva depois da vitória nas eleições brasileiras de 2022. Na ocasião, Lula não entendeu que sua vitória veio de uma circunstância de coligação com partidos e políticos de centro antibolsonaristas a partir de um discurso de união – e radicalizou seu discurso, achando-se estrela e vencedor único de uma eleição.

O sistema presidencialista brasileiro valoriza e amplia esse tipo de comportamento. O resultado atual é a total dissociação entre a agenda do governo petista brasileiro e a agenda esperada por boa parte dos eleitores que elegeram o PT. Montenegro parece que trilhará o mesmo caminho de isolamento, agravado pela instabilidade que um governo de minoria gera em um sistema parlamentar, onde um governo pode cair por uma mera moção de desconfiança, sem necessidade do trauma de um processo de impeachment.

Governos de minoria, como aquele que parece se desenhar com a declaração de Montenegro, tendem a ser instáveis e enfrentar dificuldades para governar efetivamente. Na história das democracias parlamentaristas, há uma série de casos em que partidos tentaram formar governos de minoria, apenas para enfrentar instabilidade e, eventualmente, precipitar novas eleições.

Um exemplo marcante ocorreu no Reino Unido em 1974, quando o Partido Trabalhista, liderado por Harold Wilson, conquistou uma maioria frágil. Diante das dificuldades para aprovar legislação crucial, Wilson dissolveu o Parlamento depois de apenas oito meses no poder, convocando novas eleições que resultaram em uma pequena maioria trabalhista mais estável.

Na Bélgica, em 2010, um impasse político prolongado levou à formação de um governo de minoria, que lutou para avançar com medidas significativas diante das divergências partidárias. Eventualmente, o governo caiu em meio a uma crise orçamentária, levando a novas eleições. Além disso, houve o recente impasse político em Israel, com múltiplas eleições sem que nenhum partido obtivesse uma maioria clara.

Esses exemplos históricos e contemporâneos ressaltam como os governos de minoria frequentemente enfrentam dificuldades para governar efetivamente, resultando em novas eleições como meio de buscar uma solução mais duradoura.

O que Luís Montenegro precisa entender

Portanto, é essencial que Luís Montenegro, o PSD e seus aliados entendam a mensagem das urnas portuguesas e reconheçam a necessidade de formar uma coalizão sólida que reflita a vontade popular de ter um governo majoritário e estável.

Isso requer pragmatismo político e disposição para negociar e comprometer-se em prol do interesse público. A busca por uma verdadeira vitória política não deve ser obscurecida por jogos de poder e retórica partidária.

É hora de o PSD e seus parceiros assumirem a responsabilidade de construir uma governança estável e eficaz para o bem de Portugal e de seus cidadãos com o Chega e, se possível, também com a Iniciativa Liberal, o outro partido português de direita que também mostrou ter grande representatividade popular.

*Artigo publicado originalmente na Revista Oeste.

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Bernardo Santoro

Bernardo Santoro

Mestre em Teoria e Filosofia do Direito (UERJ), Mestrando em Economia (Universidad Francisco Marroquín) e Pós-Graduado em Economia (UERJ). Professor de Economia Política das Faculdades de Direito da UERJ e da UFRJ. Advogado e Diretor-Executivo do Instituto Liberal.

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