O tripé venceu!
Quem acompanha as notícias e debates econômicos provavelmente já ouviu a expressão “tripé macroeconômico”. Ao passo que alguns economistas tendem a defendê-lo, outros falam que é necessário flexibilizá-lo, ou até mesmo abandoná-lo. Mas, afinal, o que é esse tripé?
O tripé macroeconômico seria a ferramenta que passaria a guiar a política econômica, a partir do começo de 1999. Ela consistia em: câmbio flutuante, metas de inflação e superávit primário. Irei explicar a seguir cada um desses pontos.
Câmbio flutuante
Quando o Plano Real foi implementado, em 1994, o Brasil passou a adotar o regime de câmbio fixo e R$1,00 passou a valer US$1,00. Vale ressaltar que tal proporção não foi seguida fielmente, como é possível ver no gráfico a seguir:
Com o câmbio “mais ou menos fixo”, foi possível controlar a inflação, dado que, caso os produtores nacionais elevassem os preços de seus produtos, o consumidor poderia optar por importar produtos similares a preços mais baixos. Ou seja, tal taxa de câmbio expunha os empresários brasileiros a uma constante concorrência externa, o que era benéfico para o consumidor.
O problema de se manter um câmbio fixo ou “mais ou menos fixo” é que o Banco Central precisa fazer constantes intervenções no mercado de câmbio. Logo, se o dólar começa a se valorizar demais, o BC acaba tendo que vender dólares no mercado (aumentando a oferta de moeda americana) para segurar a cotação. Quando um país possui um grau elevado de reservas internacionais, fazer essas operações não é tão complicado. Entretanto, quando o Banco Central possui “pouca munição” (poucos dólares) para intervir no mercado, fica difícil controlar a cotação. Além do mais, para atrair capitais estrangeiros, dado que o país ainda não estava saudável em termos macroeconômicos, as taxas de juros eram excessivamente altas.
Em 1998, o Brasil passou a ser alvo de ataques especulativos. Os investidores passaram a apostar na desvalorização do real, dado que sabiam do baixo nível de reservas do Banco Central. A autoridade monetária, então, passou a intervir constantemente no câmbio, através da venda da divisa americana. O problema é que isso reduziu o nível de reservas internacionais abruptamente, causando um grave problema na balança de pagamento do país.
Em 1999, com a saída de Francisco Lopes do comando da autoridade monetária, assume a presidência do BC o economista Armínio Fraga. Fraga conseguiu conter a escalada do dólar (que voltou a subir alguns anos depois, por conta do “Risco Lula”), mas o custo disso foi a elevação da taxa de juros, como é possível ver a seguir. Em relação aos gastos do governo, outra medida foi adotada.
Superávit primário
Devido aos ataques especulativos sofridos em 1998, o governo solicitou um empréstimo da ordem de US$40 bilhões ao Fundo Monetário Internacional. Entretanto, o FMI exigiu que o Brasil contivesse gastos, através de reformas na previdência e no campo fiscal. Tal fato melhoraria a capacidade do país de honrar as dívidas com o fundo.
Para atender tais exigências e tornar o país macroeconomicamente saudável foi estabelecido o superávit primário. Basicamente, o primário é a economia que o governo brasileiro faz para pagar suas dívidas. Este as custeia através dos impostos que arrecada e da emissão de títulos públicos (que rendem juros aos detentores dos mesmos), o que eleva a dívida pública nacional. Logo, quanto mais o governo se endivida, maior terá que ser o superávit primário.
Um dos indicadores utilizados pelos credores internacionais para avaliar se o governo brasileiro é capaz de honrar seus compromissos é o superávit primário. Entre 1999 e 2008, o governo conseguiu destinar mais de 3% do PIB ao pagamento de dívidas, o que fez com que as agências de classificação de risco Standard & Poor’s, Moody’s e Fitch concedessem o grau de investimento ao Brasil em 2008, fazendo com que os juros pagos em empréstimos internacionais caíssem. Vale ressaltar que, sendo o Brasil o terceiro país com maior dívida externa do mundo, é interessante que o grau de investimento seja mantido.
Metas de inflação
Tendo o país sofrido ataques especulativos no final da década de 1990 e dado que este não dispunha de reservas internacionais elevadas para manter o câmbio quase fixo, um outro sistema foi adotado para segurar a inflação.
Adotado com sucesso em inúmeros países como Nova Zelândia, Chile e Reino Unido, o sistema de metas de inflação funcionaria da seguinte forma: o Banco Central passaria a perseguir uma meta de inflação, podendo haver uma margem de tolerância (teto e piso da meta). Dessa forma, a autoridade monetária daria uma garantia ao mercado de que não deixaria a inflação fora de controle.
Ou seja, na prática, o Banco Central tem que convencer os trabalhadores e empresários de que estes não podem elevar seus preços acima da meta estabelecida. A âncora, que antes era o câmbio, passa a ser as expectativas dos agentes do mercado.
Para que tal sistema funcione adequadamente, o Banco Central precisa ter autonomia do governo, para que aquele não faça política monetária em prol dos interesses deste. Além disso, a autoridade monetária não deve se preocupar com outra coisa (nível de emprego e câmbio, por exemplo), além de controlar a inflação.
Na prática, o tripé funcionou?
Alguns erros básicos na condução do tripé fizeram com que o mesmo não fosse adotado integralmente. Ainda assim, os resultados positivos obtidos através de tal ferramenta foram interessantes.
Como é possível notar a seguir, a inflação, medida pelo IPCA, caiu vertiginosamente entre 2002 e 2006. Boa parte dessa queda é atribuída aos ex-presidentes do BC Armínio Fraga e Henrique Meirelles. Entretanto, durante o período Fraga – Meirelles (11 anos), o IPCA ficou dentro da meta apenas 4 vezes, mesmo com o BC autônomo. Ainda assim, as expectativas do mercado foram controladas, pois o IPCA não ficou estacionado próximo ao teto da meta estipulada.
Outra crítica que pode ser feita em relação à atuação do BC foi a intervenção no mercado cambial. Segundo dados da própria autoridade monetária, desde 2002, as operações de swap (compra ou venda de dólares no mercado) vem sendo constantes. Tais intervenções ocorreram para evitar valorizações ou desvalorizações consideradas excessivas da taxa de câmbio, o que nos leva a mais um problema de execução do tripé.
Da mesma forma que a taxa de câmbio nunca foi fixa, o câmbio no país nunca foi flutuante, depois de 1999. Seja para segurar a pressão inflacionária, seja para tornar a taxa de câmbio “competitiva para o setor exportador”, o Banco Central praticou política cambial. Dado que tal fato vai contra um dos pilares do tripé, caso a autoridade monetária trabalhasse apenas controlando a inflação através da taxa de juros, sem fazer política cambial, o IPCA teria convergido mais rápido para o centro da meta, bem como não ficaria acima dos 4,5% tantas vezes.
No campo fiscal, a dívida pública bruta caiu consideravelmente. Em 2002, a relação dívida/PIB era de 76,2%, tendo este número caído para 63% no ano de 2008, como é possível notar a seguir.
Em relação ao superávit primário que é usado para pagar os juros da dívida do governo, o Estado foi capaz de realizar economias superiores a 3% do PIB. O relativo êxito no campo fiscal se deveu à atuação de Antônio Palocci e sua equipe (que na época tinha Joaquim Levy), enquanto estiveram no comando do Ministério da Fazenda. Contudo, é interessante frisar que o primário teria que subir continuamente dado que, mesmo poupando 3% do PIB, só é possível pagar os juros da dívida.
Para acabar com ela é necessário reduzir os gastos do governo, para assim sobrar mais recursos para o pagamento do valor integral da dívida. Talvez, mesmo com as duras críticas dentro do PT, Palocci tivesse elevado o superávit primário, mas após as inúmeras denúncias de corrupção em relação a ele, o mesmo acabou por deixar o comando da Fazenda.
O tripé ainda existe?
Infelizmente, após a Crise do Subprime, o governo foi cerrando aos poucos os pilares do tripé. Tal fato fez com que as ideias dos inúmeros críticos desse instrumento de estabilização econômica começassem a ganhar força, o que culminou na chamada Nova Matriz Econômica.
Esse novo modelo de crescimento, adotado a partir do governo Dilma, é caracterizado por uma política fiscal e monetária expansionista. Na prática, o governo passou a gastar mais para estimular a economia, bem como passou a conceder crédito barato através dos bancos públicos, como o BNDES. Além disso, a taxa de juros foi reduzida e o Banco Central passou a atuar mais no mercado de câmbio, para que a taxa se mantivesse em um patamar considerado competitivo para os exportadores. O resultado dessa política foi: crescimento baixo, aumento do endividamento do governo, queda da taxa de investimento e inflação.
Ao longo da condução de tal política, o governo teve que intervir de forma crescente no mercado para corrigir erros que ele mesmo criava. Um dos mais conhecidos e criticados foi o represamento dos preços administrados, especialmente o da gasolina. Como os preços estavam subindo devido ao aumento de moeda no mercado, o governo segurou o preço dos combustíveis, dado que estes possuem grande influência sobre o índice de inflação.
O governo, no final, não só ficou mais irresponsável em relação ao equilíbrio das contas públicas, como deixou a inflação muito próxima ao teto da meta. Isso fez com que os agentes do mercado reajustassem preços e salários acima da meta de 4,5%, o que vem dificultando o trabalho da autoridade monetária (que perdeu sua autonomia).
Qual o melhor sistema?
Os resultados pífios da Nova Matriz Econômica evidenciam que o tripé, mesmo tendo sido extremamente criticado por economistas mais heterodoxos e não tendo sido aplicado como dizia o manual, obteve resultados superiores em relação à atual política no que se refere à estabilidade econômica. Basta ver os gráficos acima.
Por mais que Joaquim Levy esteja comprometido com o ajuste fiscal, o Palácio do Planalto não parece aceitar que é necessário resgatar o tripé e reduzir a intervenção do Estado na economia.