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O que esperar dos militares no governo Bolsonaro

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Jair Bolsonaro chegou à presidência da República com o compromisso de priorizar a segurança nacional, o que sempre envolveu a valorização dos profissionais da área, como os membros das Forças Armadas e as polícias estaduais responsáveis pela manutenção da ordem pública nas unidades federativas. A atenção prioritária dada ao tema não é fruto apenas do desesperado anseio do povo brasileiro por proteção contra a ação de criminosos. É também fruto da simpatia de Bolsonaro pelo ethos militar. Foi no ambiente austero e rígido da caserna que o capitão obteve sua formação profissional e colheu parte dos principais elementos de sua personalidade. Em vista da familiaridade entre as Forças Armadas e o presidente, era relativamente previsível a presença militar no governo Bolsonaro. Mas o que representa essa presença? E o que podemos esperar da relação entre as autoridades civis e as eminências fardadas?

Segundo a opinião dominante no meio esquerdista, Bolsonaro trouxe as Forças Armadas de volta a Brasília com o propósito de estender os domínios militares para além dos quartéis e realizar um “governo de ocupação”, nas palavras do cientista político Wanderley Guilherme dos Santos. Nesse sentido, o apelo do presidente aos homens das armas é sintoma ideológico de “saudade da ditadura”. Porém a presença militar no novo governo não se explica apenas pelo saudosismo pessoal em relação aos governos que se seguiram à derrubada de João Goulart da presidência. É preciso mais que isso para sustentar a permanência de grupos organizados no interior do governo, pois a mera afinidade de ideias não satisfaz a necessidade de ajustamento do Executivo às circunstâncias externas que o formam. Se a composição da equipe ministerial pudesse se orientar apenas pelas ideias, Dilma Rousseff jamais teria nomeado Joaquim Levy ao Ministério da Fazenda, assim como Lula jamais teria empossado Henrique Meirelles no comando do mesmo ministério. O que poderia explicar a presença de ministros pró-mercado em governos petistas? A resposta é maquiaveliana: apenas a pressão exercida pelos próprios dinamismos econômicos – ou seja, o pragmatismo. Sem Levy ou Meirelles, a economia entraria em crises dramáticas – como entrou apesar deles.

Atento às exigências práticas, o presidente Bolsonaro sabe que os militares podem contribuir decisivamente na administração. A contribuição das Forças Armadas no interior do governo deve ser entendida em dois níveis: político e tecnológico. O primeiro se refere à necessidade de manter boa comunicação, sobretudo, com os comandantes do Exército, e assim garantir o apoio armado necessário para a manutenção do governo democraticamente eleito. É estranho como tanta gente se esquece desse detalhe crucial: todo presidente no Brasil precisa manter relações pacíficas com a alta hierarquia das Forças Armadas, historicamente inquietas e organizadas segundo seus próprios interesses. Os governos petistas de Lula e Dilma conquistaram esse apoio graças a aumentos nos repasses do Ministério da Defesa, em meio à criação da Comissão da Verdade (sic), que desagradou o alto comando militar. Um relato detalhado sobre como os últimos governos conseguiram se manter no poder sem desafiar os brios militares renderia um livro volumoso. Não seria diferente com Bolsonaro que, embora possua bom trânsito com o Congresso Nacional, não pode se sustentar sem dialogar satisfatoriamente com seus superiores de farda e agora subordinados na política.

Foi pensando nisso que Bolsonaro se cercou de generais na cúpula do governo. A vice-presidência, a Secretaria de Governo e o Gabinete de Segurança Institucional são ocupados por generais experientes com situações de conflito. Se é verdade que a política é a guerra por outros meios, então o presidente criou em torno de si um círculo blindado de autoridades armadas com poder de negociação, além do poder armado propriamente dito. A presença dos generais na linha de frente política é interessante por dois aspectos. Primeiro, ela substitui os líderes partidários de sempre por homens fortes do governo que não devem lealdade às facções dominantes do Congresso, o que contribui para assegurar a estabilidade interna da presidência. Enquanto o governo trabalha, Onyx Lorenzoni articula as alianças parlamentares necessárias à manutenção das pautas do Executivo. Além disso, o generalato nacional tem assim os devidos canais de comunicação com o Palácio do Planalto e pode ser acionado sempre que o presidente sentir a necessidade de convocar contingentes do Exército em casos extraordinários de anarquia. Do ponto de vista político, portanto, a presença militar deve assessorar Bolsonaro na execução dos projetos elaborados na Esplanada dos Ministérios – reduto dos ministros técnicos.

O mais interessante talvez seja a contribuição tecnológica que os ministros fardados podem trazer ao Brasil. Não é nenhuma novidade que os institutos militares são referências em ensino e pesquisa técnica, a exemplo do Instituto de Tecnologia da Aeronáutica (ITA) ou do Instituto Militar de Engenharia (IME). São instituições laureadas de qualidade acadêmica inconteste que refletem a prioridade geral das pesquisas militares em qualquer país civilizado: a tecnologia como um instrumento eficaz de intervenção na realidade. Exército, Marinha e Aeronáutica compartilham do mesmo gosto pelo saber técnico e positivo a serviço da defesa nacional. Essa boa educação produz indivíduos qualificados que eventualmente servem ao país nos quadros administrativos do Estado. Foi assim que Bolsonaro escolheu sete militares para comandar ministérios estratégicos, cumprindo sua promessa de nomear ministros tecnicamente qualificados.

São perfis técnicos que servem como modelo do tipo de serviço ministerial almejado por Jair Bolsonaro. Nosso presidente formou-se na mentalidade positivista do quartel, inspirado pelos ideais contidos no lema de Augusto Comte, “o amor por princípio, a ordem por base, o progresso por fim”. Os militares brasileiros têm uma longa história marcada pelos postulados positivistas. Desde a formação da República, capitaneada pelas armas de Deodoro da Fonseca e pelo gênio francófilo de Benjamin Constant, o positivismo conformou a atmosfera intelectual e ideológica da caserna. Os ensinamentos de Comte propunham uma sociedade reformada pela Ciência Positiva, isto é, os saberes técnicos capazes de incentivar o desenvolvimento racional da humanidade. A despeito de exageros filosóficos, o positivismo estimulou os nossos militares a unir a racionalidade cientificista à atividade pragmática da política. Talvez o elevado capital tecnológico das Forças Armadas seja um legado positivo (sem trocadilho) do pensamento positivista.

Entre os ministros fardados, três chamam a atenção: o almirante Bento Albuquerque, titular de Minas e Energia; o tenente-coronel da Aeronáutica Marcos Pontes, à frente de Ciência e Tecnologia, além do capitão Tarcísio Gomes Freitas, responsável pela Infraestrutura.

Bento Albuquerque

O primeiro deles defende que o Brasil desenvolva sua própria tecnologia nuclear como garantia da soberania nacional. Ele entende que o Brasil não pode fazer frente às nações desenvolvidas sem ostentar reservas nucleares que, na ética diplomática, constituem o recurso último na conversa entre países importantes. Engana-se quem pensa que o ministro de Minas e Energia é um estatista inveterado. Bento Albuquerque afirmou que pretende continuar com o processo de privatização da Eletrobras para abrir caminho a investimentos privados e reduzir a ingerência da União na empresa, além de diminuir os tributos incidentes sobre o consumo de energia. Com o anúncio, as ações da Eletrobras dispararam. O ministro sinaliza que deseja alinhar tecnologia de ponta na frente da defesa nacional com abertura econômica, uma fórmula interessante. As palavras de Bento Albuquerque são lúcidas e transmitem confiança. Na cerimônia de posse, o ministro afirmou que “o Brasil não pode se entregar ao preconceito e à desinformação, desperdiçando duas vantagens competitivas raras: o domínio da tecnologia e do ciclo do combustível nuclear e a existência de grandes reservas de urânio no nosso território”.

Marcos Pontes

Astronauta e engenheiro militar, Marcos Pontes é o segundo nome de peso no primeiro escalão do governo Bolsonaro. Pontes é tenente-coronel da Aeronáutica, o primeiro e único brasileiro a viajar para o espaço. Em quarenta anos de carreira, o ministro foi aviador e piloto de caça. Não podemos deixar de mencionar que Pontes é engenheiro aeronáutico formado pelo já citado ITA. Não há dúvidas quanto à competência técnica do ministro, mas é necessário esclarecer que Pontes não é insensível às demandas da comunidade científica.

Sabemos que a ciência brasileira não é tão desenvolvida ou prestigiada quanto poderia ser porque carece de investimentos e da estrutura adequada. Essas faltas são, porém, previsíveis quando o governo assume a responsabilidade exclusiva pelo financiamento de pesquisas e de instituições de ensino – como é o nosso caso. Pontes já disse que pretende chamar a iniciativa privada e negociar acordos de financiamento que coloquem a ciência na lista das prioridades.

Além disso, é interessante a proposta do ministro de criar uma secretaria permanente com o fim de levar a iniciação científica às escolas de nível básico. Não há programas nacionais de introdução à ciência nas escolas básicas, mas há colégios privados que já trabalham com o desenvolvimento científico e com robótica. Por que não seguir o bom exemplo e aplicar a prática na rede pública de ensino? Ganha o mercado – ganha a sociedade.

Tarcísio Gomes de Freitas

Tarcísio é o terceiro nome com especialização técnica e rigor militar. Engenheiro civil formado pelo IME, especializado em engenharia de transportes. À frente do Ministério da Infraestrutura, que absorveu a pasta de transportes, Freitas deve enfrentar o desafio de sanear a teia de obras inacabadas em todo o país. Trata-se de desafio maiúsculo. O ministro deverá rever contratos vencidos, calcular os recursos disponíveis para levar adiante as obras interrompidas, além de planejar cuidadosamente a execução de obras fundamentais como abertura ou ampliação de rodovias federais.

Todo brasileiro conhece os problemas de logística que acometem o Brasil: de pistas interditadas a portos abandonados. A proposta de Tarcísio é abrir o setor ao mercado e combinar investimentos privados com metas e planos estratégicos do Estado. Vale lembrar que o setor é usualmente atrativo para a iniciativa privada e deve receber quantias consideráveis nos próximos quatro anos. Foi assim que Juscelino Kubitschek atraiu empresários da indústria automobilística e consolidou a industrialização do país. Onde há demanda, deve haver oferta privada.

Em síntese, podemos afirmar que Bolsonaro trouxe os militares de volta ao centro do poder com o propósito de equipar seu governo com uma consistente tecnocracia armada. A técnica e a ciência tomada por critério definidor das políticas adotadas pelos ministérios e as armas usadas como trunfo contra golpismos e contra eventuais insurreições de criminosos e terroristas: essa combinação, se harmoniosa, pode funcionar e favorecer o caminho de Bolsonaro à frente do Planalto.

Por outro lado, é necessário abrirmos os olhos para o risco de as Forças Armadas sequestrarem o governo e o pressionarem no sentido de seus interesses corporativos. É sempre importante considerar as forças militares como o sustentáculo da defesa nacional, mas jamais como uma casta nobre de guerreiros abnegados e moralmente superiores. Existe uma linha tênue entre o respeito e a devoção: o Brasil já experimentou as consequências de se adular cegamente os militares.

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Rafael Valladão

Rafael Valladão

Licenciando em Ciências Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Colunista do Burke Instituto Conservador, coordenador do Students for Liberty. É professor voluntário de Sociologia em pré-vestibular desde 2014.

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