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O mito de que os ricos governam a América

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Muitas pessoas afirmam que os cidadãos mais ricos da América definem a agenda política do país. Em todo o mundo, os EUA são apontados como um excelente exemplo de como, nos países capitalistas, os ricos não apenas dominam a economia, mas também a política. Para muitos, o fato de Donald Trump, um bilionário, ter se tornado presidente parece confirmar esta tese. Entretanto, se você olhar mais de perto, a eleição de Trump na verdade prova o contrário.

Até Benjamin I. Page e Martin Gilens, os defensores mais proeminentes da tese de que a política é controlada pelos ricos, admitem em seu livro Democracy in America? (Democracia na América?) que “a maioria dos grandes contribuintes financeiros – e a maioria dos pensadores e titulares de cargos republicanos – apoiou outros candidatos” e que “as posições de Trump foram diretamente contrárias aos pontos de vista de doadores ricos e americanos ricos em geral.” Se os ricos realmente controlassem a política americana, Trump nunca teria vencido as eleições de 2016 – Hillary Clinton teria.

Page e Gilens admitem: “O candidato mais bem financiado às vezes perde, como Hillary Clinton.” Clinton e seus aliados, incluindo seus comitês conjuntos com o Partido Democrata e os super PACs que a apoiam, arrecadaram mais de US$ 1,2 bilhão para todo o ciclo, de acordo com a Comissão Eleitoral Federal. Trump e seus aliados arrecadaram cerca de US$ 600 milhões. De acordo com Edwards e Bourne: “Nenhum CEO da Fortune 100 doou para a campanha eleitoral de Trump até setembro de 2016. Sua vitória não resultou da influência dos ricos, mas mais da oposição popular às elites costeiras ricas.”

Se o dinheiro sozinho pudesse comprar poder político, Joe Biden não seria presidente hoje. Talvez fosse Michael Bloomberg, que, no momento de sua postulação à candidatura democrata, era o oitavo homem mais rico do mundo, com fortuna no valor de US$ 61,9 bilhões, de acordo com a Forbes. Provavelmente nunca antes na história um candidato gastou tanto do seu próprio dinheiro em um espaço de tempo tão curto em uma campanha eleitoral. Ele gastou cerca de um bilhão de dólares em pouco mais de três meses. Isso foi revelado em um relatório da Comissão Eleitoral Federal (FEC) sobre o financiamento da campanha. Bloomberg financiou sua própria campanha, sem aceitar nenhuma doação.

Bloomberg não é de forma alguma o único candidato cuja riqueza não o ajudou a ser indicado nas primárias. O republicano Steve Forbes gastou US$ 69,2 milhões enquanto tentava ganhar as indicações de 1996 e 2000, mas só conseguiu ganhar um punhado de delegados. Em 2020, o bilionário gerente de fundos de investimento Tom Steyer gastou US$ 200 milhões de seu próprio dinheiro sem ganhar nem mesmo um único delegado. Nas primárias do Partido Republicano de 2008, o rico Mitt Romney gastou mais do que o dobro que John McCain – incluindo uma parte considerável de seu próprio dinheiro -, mas McCain venceu as primárias. Os irmãos Koch sempre foram retratados pelos críticos do capitalismo como os pró-capitalistas mais perigosos, mas David Koch aprendeu o quão difícil é transformar dinheiro em poder político em 1980, quando apoiou fortemente o Partido Libertário e se candidatou como seu vice-presidente: ele obteve apenas 1% dos votos.

Na história das eleições americanas, alguns candidatos democratas foram apoiados principalmente por grandes doadores e outros, como Bernie Sanders, confiaram muito mais em doadores menores. Nas primárias de 2016, 60% das doações para Sanders vieram de pessoas que doaram menos de US$ 200. O claro que o mesmo também é válido para os candidatos republicanos. Barry Goldwater e Patrick Buchanan, por exemplo, mobilizaram um grande número de pequenos doadores, enquanto candidatos como Jeb Bush foram apoiados principalmente por grandes doadores.

Em seu livro Democracia Desigual (Unequal Democracy), Larry M. Bartels critica a desigualdade e a influência dos ricos nos Estados Unidos. Ele examinou o “efeito estimado dos gastos desiguais com campanha” em 16 eleições presidenciais dos EUA de 1952 a 2012, concluindo que “os candidatos republicanos gastaram mais do que seus oponentes democratas em 13 dessas eleições”. Porém, em apenas duas eleições, a de Richard Nixon em 1968 e a de George W. Bush, em 2000, Bartels conclui que “candidatos republicanos venceram eleições que muito provavelmente teriam perdido se tivessem sido incapazes de gastar mais do que seus oponentes democratas”. Com Hillary Clinton – como mostrado acima – arrecadando consideravelmente mais doações do que Donald Trump nas eleições de 2016, houve apenas duas das 17 eleições nos últimos 64 anos em que os gastos desiguais com campanha representaram o fator decisivo em uma eleição.

Em um artigo de opinião de 2016 para o The New York Times sob a manchete O Poder do Dinheiro Político é Superestimado (The Power of Political Money is Overrated)”, Bradley A. Smith, ex-presidente da Comissão Eleitoral Federal, concluiu: “embora o dinheiro seja fundamental para informar o público e ouvir todas as posições, esta eleição prova mais uma vez que o dinheiro não pode fazer os eleitores gostarem das posições que ouvem. Jeb Bush não é o único candidato ricamente financiado a desistir… O mal do ‘dinheiro na política’ é muito exagerado.”

Em seu livro Affluence and Influence, Martin Gilens argumenta que eleitores mais ricos influenciaram mais a política nos EUA do que eleitores de grupos de baixa renda. Ele examinou 1.923 perguntas de pesquisas de opinião nos EUA de 1981 a 2002, complementadas por conjuntos de dados de 1964 a 1968 e 2005/2006. Seu método: ele analisou as visões políticas das famílias de baixa, média e alta renda e, em seguida, comparou suas respostas em pesquisas de opinião com as políticas governamentais nos anos seguintes às eleições. Ele criticou uma “desigualdade representacional” que ficou evidente no fato de que as opiniões dos grupos de baixa e, em alguns casos, de média renda tinham menos chances de serem implementadas pelo governo do que as dos grupos de alta renda. No entanto, vale ressaltar que, embora isso se aplique a questões religiosas, política externa e política econômica, isso não se aplica a políticas sociais, como Gilens reconhece: “O domínio do bem-estar social é o único domínio político examinado no qual a divergência de preferências entre os grupos de renda não leva a um declínio substancial na capacidade de resposta às preferências dos americanos menos favorecidos.” Gilens explica que isso ocorre em grande parte porque “americanos pobres e de renda média têm aliados poderosos que tendem a compartilhar suas preferências sobre essas questões”, como a Associação Americana de Pessoas Aposentadas (AARP), um dos grupos de lobby  mais influentes dos Estados Unidos.

Em termos de política econômica, em contraste, Gilens observou que as opiniões de grupos de menor renda tinham menos chances de serem realizadas. Como Gilens acha que as políticas teriam que ser para levar a “maior igualdade representacional na esfera econômica” a esse respeito? Gilens sugere que, para lidar com essa discrepância, as políticas teriam que “resultar em um salário mínimo mais alto, benefícios de desemprego mais generosos, regulamentação corporativa mais rigorosa … e um regime tributário pessoal mais progressivo em geral”.

Porém, é questionável se um salário mínimo mais alto, impostos mais altos sobre os ricos e mais regulamentação são realmente do interesse dos trabalhadores manuais. Os dois presidentes americanos que foram mais advertidos nas últimas décadas por representar unilateralmente os interesses dos ricos e por buscar muita desregulamentação foram Ronald Reagan e Donald Trump. Ambos realmente impulsionaram cortes substanciais de impostos para os ricos e desregulamentaram em algumas áreas, mas isso ajudou os trabalhadores de baixa renda mais do que muitas políticas sociais.

Se os ricos nos países ocidentais são culpados de alguma coisa, não é de que eles sejam muito ativos politicamente, mas de que não sejam ativos o suficiente politicamente – pelo menos isso é verdade para os ricos pró-capitalistas. Enquanto as vozes de anticapitalistas como George Soros e Tom Steyer, que veementemente defendem impostos mais altos sobre os ricos, ressoam alto por todos os cantos da mídia, os apoiadores do capitalismo raramente falam em público. Page e Gilens se referem ao “silêncio público da maioria dos bilionários”. David Koch, que fornece financiamento para grupos de reflexão (think tanks) libertários, falou publicamente sobre política tributária apenas uma vez em um período de 10 anos. “O silêncio público da maioria dos bilionários”, explica Page und Gilens, “contrasta acentuadamente com a vontade de um pequeno e incomum grupo de bilionários – incluindo Michael Bloomberg, Warren Buffett e Bill Gates – de falar sobre políticas específicas … Todos os três favoreceram uma rede substancial de segurança social, impostos progressivos e regulamentação moderada da economia. Um americano comum que tentasse julgar o que os bilionários dos EUA pensam e fazem sobre política ouvindo Bloomberg, Buffett ou Gates estaria sendo enganado.”

Esta observação está correta e aponta para o cerne do problema: a pressão pública e o vento contrário à opinião anticapitalista são tão grandes que até silenciam os bilionários, enquanto as pessoas ricas que defendem impostos mais altos sobre os ricos e apoiam uma maior regulamentação estatal se sentem à vontade para falar publicamente. A mesma abordagem deve ser adotada por pessoas ricas que estão convencidas de que o capitalismo é o sistema superior e que são céticas em relação ao grande governo: elas devem ser mais audaciosas e desempenhar um papel muito mais ativo na formação do debate público.

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Rainer Zitelmann

Rainer Zitelmann

É doutor em História e Sociologia. Ele é autor de 26 livros, lecionou na Universidade Livre de Berlim e foi chefe de seção de um grande jornal da Alemanha. No Brasil, publicou, em parceria com o IL, O Capitalismo não é o problema, é a solução e Em defesa do capitalismo - Desmascarando mitos.

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