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O identitarismo é inimigo da liberdade (Parte 2)

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Para ler a primeira parte, clique aqui. 

Os que vandalizam estátuas e demonizam figuras históricas que colaboraram para a liberdade contemporânea são os mesmos que advogam a novilíngua identitária com seus impronunciáveis e ininteligíveis pronomes neutros; que, defendendo uma lógica de construção social, uma exacerbação irracional e anticientífica do conceito da tábula rasa, questionam a legitimidade de tudo, até mesmo do sexo biológico; que se queixam de pretensas apropriações culturais, paradoxalmente tentando reverter o intercâmbio cultural que moldou nações e que costumava ser ponto de honra para progressistas, entre outros exemplos de revisionismo.

Fosse todo esse devaneio meramente o produto de militantes, circunscritos a suas próprias bolhas de militância, e nos restaria a zombaria como recurso suficiente, mas fato é que tais devaneios estão encontrando cada vez mais penetração institucional. No momento em que trabalhava nesse artigo, por exemplo, me deparei com a notícia de que a Universidade de Edimburgo, na Escócia, decidiu, ainda que em caráter temporário, retirar o nome do filósofo escocês David Hume de uma de suas torres. A decisão foi motivada por uma petição de estudantes pelo fato de que David Hume, que viveu de 1711 a 1776, ter escrito textos considerados racistas.

Se seguirmos a lógica desses estudantes, que não veem problema em tentar defenestrar um dos maiores filósofos britânicos por coisas que escreveu no século XVIII, teríamos que começar a incendiar livros, quando não bibliotecas inteiras, no afã de apagar da história tudo aquilo que possa ferir sensibilidades modernas. Teríamos que não apenas apagar o registro de figuras ilustres e famosas, como Hume, mas a história em si. Sob a decisão da Universidade de Edimburgo, por exemplo, o historiador britânico Sir Tom Devine diz que “Pelo critério dessa decisão estúpida, toda a Escócia naquele período merecia condenação moral”.

Esse tipo de julgamento anacrônico é um sintoma do caráter reacionário do identitarismo. Por reacionarismo costumamos entender o desejo de resgatar valores devidamente superados. Os identitários fazem o movimento inverso, o que pode fazê-los parecer rivais do reacionarismo, o que é verdade apenas até o ponto em que tentam implantar o seu próprio reacionarismo. Ao invés de tentar inverter a roda da história, dão um passo além e tentam destrui-la de uma vez.

A revolução cultural que ambicionam tem um padrão próprio, pois eles não agem como se estivessem tentando fazer uma revolução. Agem como se ela já estivesse concluída e como se seus códigos morais fossem a lei vigente, questionada apenas por “reacionários” que por isso devem ser marginalizados. Isso fica muito claro quando presenciamos casos de “cancelamento”, que costumam ser nada mais do que a marginalização de alguém que ousou falar a “coisa errada”. A despeito do barulho dos identitários, os cancelamentos acabam demonstrando que sua revolução só está completa dentro de suas próprias bolhas, fato comprovado por só serem capazes de cancelar aqueles que empunham total ou parcialmente bandeiras progressistas e que aceitam se submeter aos tribunais das redes sociais. Ressalto: não basta ser progressista, é preciso também ser subalterno(a) – e há progressistas acordando para a loucura do identitarismo, mesmo tendo, muitas vezes, colaborado para alimentar a coisa.

Dizer que isso acontece em maior escala dentro das bolhas identitárias e que a sociedade, de uma forma geral, é avessa, ou ao menos indiferente, a isso, pode dar um certo alento, mas como o caso da Universidade de Edimburgo demonstra, o identitarismo tem encontrado penetração institucional e não só há razão para se preocupar, como também há para resistir.

Para que uma das universidades mais antigas da Escócia (fundada em 1583) aceitasse marginalizar Hume, bastou o murmúrio de alguns estudantes. Ora, é tão fácil assim dobrar instituições que, por sua natureza deveriam resguardar a história do pensamento e seus protagonistas? Possuem os militantes identitários tanto poder assim? Acredito que a resposta reside na covardia daqueles que têm o poder de dizer não para a loucura e dizem sim para agradar a patota politicamente correta, o que, como consequência, lhes dá poder. Mas por que dizem sim? Porque pensam ser a única resposta possível às palavrinhas mágicas: “me ofende”. Como a criança birrenta que percebe que diante da leniência dos pais sempre conseguirá o que quer, os identitários aprenderam que chorar – não raro literalmente – é o segredo para conseguir o que se quer. “Essa geração é muito sensível”, alguns dirão. Se os millenials e centennials são mais sensíveis do que gerações anteriores, eu deixo para a psicologia responder, mas mesmo que isso seja verdade, sou cético sobre o quanto dessa sensibilidade é real e o quanto é forjada.

Quando o militante percebe o poder de se dizer ofendido, invariavelmente passa a usá-lo como uma arma para subverter tudo aquilo que deseje que funcione à sua própria maneira. Aqui os identitários encontram um estímulo para simularem sensibilidades, para derramarem lágrimas de crocodilo. Por que isso? Porque aquelas figuras patéticas que se contorcem publicamente em exercícios retóricos de autodepreciação, pedindo desculpas por coisas como ser branco(a) ou hétero, ou tentando escapar de cancelamentos após terem fugido da cartilha, encontram como resposta não a aceitação do pedido de desculpas, mas ainda mais menosprezo. Não que quem se coloca de joelhos diante de autoritários não mereça as consequências, mas os que pisam ainda mais naqueles que, devotos a suas pautas, se colocam a seus pés, estão longe de ter empatia; têm é regozijo pela sensação de poder, exercendo-o com o sadismo comum aos bullies, que é exatamente o que são.

Colocar tudo na conta da sensibilidade é subestimar o inimigo, não enxergando que isso não passa de um exercício de poder, e um exercício que visa a alçar voos cada vez mais altos. Não é só contra o arbítrio estatal que o liberal deve se voltar, mas contra o de todos aqueles que se valem de táticas autoritárias e atacam as coisas mais fundamentais, em especial, a liberdade de expressão, mesmo porque o arbítrio estatal é aquilo a que visam em última instância. Alguém dúvida do que fariam se pudessem exercer o poder sem contraponto?

Os jovens – por vezes não tão jovens – idealistas, defensores das minorias, denunciadores dos “discursos de ódio”, igualitaristas, socialmente conscientes e moralmente superiores, destruiriam aquilo que chamamos de democracia liberal, relativizariam a liberdade de expressão a ponto de torná-la proibitiva, baniriam livros, músicas, filmes, lotariam prisões com supostos perpetradores de discursos de ódio, defenestrariam a ciência que trouxesse verdade incômodas, ao mesmo tempo em que patrocinariam toda sorte de bobagem acadêmica que promovesse a desconstrução da nova era e nos dividiriam em castas de identidade, sem pudor de defender a supremacia de umas sobre outras. Isso, é claro, é uma exacerbação, mas como exercício mental julgo totalmente válido imaginar como seria o exercício do poder daqueles que, com tanta veemência, querem moldar a sociedade ao seu bel-prazer.

(Continua…)

Fonte: https://www.heraldscotland.com/news/18717932.david-hume-sir-tom-devine-slams-university-edinburghs-decision/?ref=ar&fbclid=IwAR3C4vQxeqIfC56XO7mcqIfJw6P7dkMZAibaCGdYZIfcQ6iboE1EHf8dhGo

https://www.heraldscotland.com/news/18717638.university-edinburgh-renames-david-hume-tower-racist-views/

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Gabriel Wilhelms

Gabriel Wilhelms

Graduado em Música e Economia, atua como articulista político nas horas vagas. Atuou como colunista do Jornal em Foco de 2017 a meados de 2019. Colunista do Instituto Liberal desde agosto de 2019.

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