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O Estado Empreendedor de Mazzucato

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mariana mazzucato

Pode-se afirmar que o último livro da economista Mariana Mazzucato, italiana radicada em Londres, complementa O Capital do Século XXI, de Thomaz Piketty. Complementa o esforço do francês em tentar nos fazer crer que devemos confiar nosso presente e nosso futuro ao Estado. Mas ela ousa um pouco mais ao dizer que deveríamos também ser gratos ao Estado por tudo o que temos hoje. O esforço de Mazzucato é tão grande que chega a citar Schumpeter uma dúzia de vezes na esperança de que o leitor não a veja como realmente é: apenas mais uma keynesiana; mas não deixa de ser engraçado vê-la citando o pai da “destruição criadora” para justificar a existência do Estado, o pai do protecionismo.

Em pouco mais de 300 páginas, Mazzucato cita diversas empresas de sucesso como resultado do “potencial inovador e dinâmico” do Estado. Mazzucato escreve: “Investimentos visionários estão sendo feitos atualmente por bancos de investimentos estatais em países como Brasil e China. (…) No Brasil, não é coincidência o fato de o BNDES, banco estatal de investimentos, ser dirigido por dois indivíduos com conhecimento em economia da inovação schumpeteriana – e foi sua equipe de especialistas que possibilitou decisões ousadas e arriscadas em setores-chave, como biotecnologia e tecnologia limpa”. Sim, ela escreveu isso! Página 28. Mas, para nossa sorte, as poucas citações ao Brasil parecem ter sido apenas manifestações de “companheirismo”, já que o livro enfoca o sucesso de empresas norte-americanas, europeias e asiáticas.

A abordagem de Mazzucato pode ser dividida em quatro níveis:

1° – A distorção da relação entre Estado e iniciativa privada;

2° – A afirmação de que o Estado é vítima de difamação;

3° – A convicção na sabedoria, no dinamismo e na inovação do Estado;

4° – A comprovação da sabedoria, do dinamismo e da inovação estatal por meio do sucesso de grandes empresas multinacionais de tecnologia e de medicamentos.

Para Mariana Mazzucato, O Estado é vítima da coerção privada. “Quando não estão fazendo lobby por um apoio específico do Estado, grupos de pressão empresariais – em áreas tão diversas quanto armamentos, remédios e petróleo – há muito tempo defendem a liberdade do longo braço do Estado, que para eles sufoca sua capacidade de êxito com a imposição de direitos trabalhistas, leis e impostos”, escreve. O que ela ignora é a realidade de que o próprio Estado fertiliza o terreno para essa relação por meio da burocracia e da espoliação tributária – quebra nossas pernas com a certeza de que iremos procurá-lo para comprar cadeiras de rodas. A verdade é que o Estado é o responsável pela existência do lobby por só ele ter o poder de aceitá-lo sob justificativas sociais − aceitar o lobby das indústrias em nome da preservação dos empregos; aceitar o lobby dos latifundiários em nome da produção agrícola; aceitar o lobby dos banqueiros em nome da oferta de crédito. O que a autora faz questão de ignorar é que todo lobby é formado para se vencer obstáculos construídos pelo próprio Estado. Mazzucato ousa na mentira ao dizer que os grandes empresários cobram liberdade econômica, sendo que a realidade é que quanto maior a empresa, mais ela cobra protecionismo e incentivos do governo – e quanto maior o governo, mais ele tende a conceder.

Em algumas passagens do livro, Mariana Mazzucato assemelha-se a um militante petista defendendo seu partido. Ela escreve: “A mídia, os empresários e políticos libertários aproveitam esse contraste conveniente e dão munição para a dicotomia entre o setor privado dinâmico, inovador, competitivo e revolucionário e um setor público preguiçoso, burocrático, inerte e intrometido”. De onde ela tirou o… “políticos libertários”? Ela saberia citar quantos? Mazzucato prossegue… “A mensagem é repetida à exaustão, de forma que acaba sendo aceita pela maioria como uma verdade baseada no senso comum e até fez com que muitos acreditassem que a crise financeira de 2007, que logo se transformou em crise econômica generalizada, foi provocada pelo débito do setor público, o que não é verdade”. Do fantástico ponto de vista da autora, a opinião depreciativa da grande maioria dos seres humanos desse planeta sobre a qualidade dos serviços públicos é resultado de ardilosa manipulação do setor privado. Do fantástico ponto de vista da autora, existe um grande movimento libertário dentro dos governos para diminuir o tamanho do Estado. Do fantástico ponto de vista da autora, imposição de juros, emissão de moeda, concessão de incentivos, de subsídios e de isenções, inchaço da máquina estatal, criação irresponsável de programas sociais insustentáveis… tudo isso que gerou a crise de 2009, é obra da iniciativa privada! A própria autora nos ajuda a refutá-la ao dizer, referindo-se a crise, que “apesar de ter sido flagrantemente causada pelo excesso de endividamento do setor privado (principalmente no mercado imobiliário americano), muitas pessoas foram levadas a acreditar que o principal culpado foi a dívida pública”. Primeiro, ela se “esqueceu” de que o endividamento privado foi uma política dos Estados Unidos logo depois dos atentados de 11 de setembro de 2001, sob a justificativa keynesiana de reaquecer a economia. Esqueceu-se dos trilhões de dólares que o governo americano injetou no sistema financeiro para que fosse repassado à sociedade por meio de crédito até para quem não podia pagar. A afirmação da autora de que há um consenso sobre o Estado como culpado da crise econômica é uma das coisas mais estapafúrdias que já li.  A infeliz verdade é que a grande maioria das pessoas acredita que a crise foi causada pela “ganância capitalista” e que o Estado nos salvou da desgraça.

A maior parte do livro é dedicada à tentativa de nos fazer crer que o sucesso da Apple, do Google e de outras empresas ícones de sucesso são frutos da sabedoria e do “potencial visionário” (ela adora repetir isso) do Estado. Se não fossem os créditos, os incentivos e os investimentos de alto risco promovidos pelo Estado, não teríamos computadores, nem internet, nem biotecnologia… Não teríamos nada! Ela escreve: “Em todos esses casos, o Estado ousou pensar – contra todas as probabilidades – no impossível: criando novas oportunidades tecnológicas, fazendo os investimentos iniciais, grandes e fundamentais; permitindo que uma rede descentralizada desenvolvesse a pesquisa arriscada; e depois possibilitando que o processo de desenvolvimento e comercialização ocorresse de forma dinâmica”. Essa mulher só pode ser louca! Mas, num esforço de levá-la a sério, façamos o exercício de voltar no tempo, para o início do capitalismo, quando os industriais, diante da necessidade de mão-de-obra qualificada, pressionaram os governos a criarem universidades, dando origem aos laboratórios que promoveram as pesquisas que beneficiaram toda a sociedade. Ok, mas… e se os governos tivessem se negado a investir na massificação e na qualificação da educação, já que isso era do interesse direto dos empresários? A revolução industrial teria terminado logo depois de ter começado? Todos os produtos, serviços e procedimentos que hoje tornam nossa vida mais longa e menos dolorida não teriam sido desenvolvidos? Não! Com absoluta certeza, os próprios empresários teriam criado escolas e universidades ainda melhores, já que o investimento sairia diretamente de seus bolsos; e teriam formado profissionais ainda mais capacitados; e criado laboratórios de desenvolvimento de tudo o que a sociedade precisava, afinal, isso lhes daria dinheiro; e em consequência disso, muitas outras descobertas seriam feitas, porém, em processos mais dinâmicos do que aqueles sob a tutela do Estado, já que não estariam sujeitos a caprichos políticos e ideológicos. Afirmar (como a autora afirma) que se não fosse o departamento de defesa dos Estados Unidos nós não teríamos a internet é tão plausível quanto afirmar que se os chineses não tivessem inventado a pipa o homem não teria desenvolvido aviões.

Quanto às citações ao crédito estatal para pesquisa tecnológica, novamente pergunto: E se o Estado não tivesse assumido esse papel? A resposta é que os próprios empresários teriam criado seus fundos, assim como algumas cooperativas privadas fazem para fugir dos altos juros impostos pelo governo. Aos que possam gritar… “Mas os empresários não investiriam nos pobres!”, respondo que investiriam SIM, e até mais do que investem hoje. O capitalismo é sustentado pela demanda das massas, principalmente das classes mais baixas, não pela excentricidade dos mais ricos. De comida à roupa, de material de construção às mais altas tecnologias, tudo é desenvolvido para poder chegar ao maior número de pessoas possível; e não por “bondade” dos empresários, mas sim pelo desejo do benefício próprio, do lucro. Tudo o que um capitalista quer é mais e mais consumidores; e para se atender a esses consumidores, precisam de profissionais qualificados e bem remunerados para produzir COISAS. É o socialismo que vive da pobreza.

A verdade: O Estado, ao aceitar o lobby dos empresários, assumindo a responsabilidade sobre a educação e sobre desenvolvimento e financiamento da maioria das pesquisas científicas, limitou as condições da iniciativa privada fazê-las – crowding out, como diria Milton Friedman. Os empresários, inconscientemente, ofereceram ao Estado o direito de criar seu próprio monopólio; e o Estado nunca mais quis saber de outra coisa, afinal, tal “responsabilidade” lhe dá a justificativa perfeita para cobrar cada vez mais impostos da população e de se lançar cada vez mais sobre a liberdade das pessoas. Se, hoje, o empreendedorismo capta recursos no Estado é porque o Estado não permite fontes melhores. Não permite porque exerce a verdadeira concorrência desleal ao oferecer como crédito aquilo que ele mesmo, Estado, rouba da sociedade por meio dos impostos. No Brasil isso é muito evidente nos programas de crédito habitacional: o governo impõe juros altos aos bancos privados para que os bancos estatais possam cobrar juros menores da população. Quanta benevolência!

A mesma verdade: O capitalismo teria se desenvolvido melhor e mais rápido, beneficiando muito mais pessoas, se não fosse o Estado. Nenhum empresário ignoraria a possibilidade de ganhar dinheiro com as demandas humanas, ou mesmo diante da possibilidade de invenção de produtos que pudessem despertar o interesse das pessoas. COISAS como internet e nanotecnologias teriam sido desenvolvidas simplesmente porque haveria pessoas querendo lucrar com elas. Simples assim. O Estado apenas tornou o processo mais lento e mais caro.

De certo, o livro que motivou este texto é uma daquelas obras que consolidam os mais profundos equívocos. Lendo-o, é quase impossível não imaginar as reações do leitor ingênuo repetindo para si mesmo… “sim, é isso mesmo!”, mil vezes.

 

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João Cesar de Melo

João Cesar de Melo

É militante liberal/conservador com consciência libertária.

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