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Max Weber: a força de trabalho e salário, o risco do empregador e a pandemia no Brasil

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Em A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, o economista, sociólogo e “semi-liberal” – de acordo com Merquior (1941 -1991) – alemão Max Weber (1864 – 1920) discorre em determinado ponto sobre a relação “remuneração versus força de trabalho” do empregado. Seu objeto de estudo é um “patrão” do ramo da agricultura que decide aumentar a remuneração de seus empregados proporcionalmente à sua força de trabalho para conseguir uma maior produtividade na colheita. A verwertung (valorização) proposta pelo empregador, no entanto, gera um problema a ele. Os trabalhadores, sabendo que passariam a ganhar um valor maior por produção, em vez de no mínimo manterem a produtividade individual para, com isso, manterem o salário no final do mês – sendo que a ideia do patrão era incentivá-los a, com o aumento de remuneração, produzirem mais -, optaram por trabalhar menos, proporcionalmente aos seus aumentos na remuneração pela produção. Ou seja, entre ter um salário maior ou trabalhar menos, eles optaram pela segunda alternativa. O patrão, por sua vez, evidentemente teve prejuízo – ou redução em seu erwerb (lucro) -, pois passou a pagar mais pela mesma entrega final.

A opção dos trabalhadores do estudo de caso de Weber por Lebensgenuss (aproveitar a vida) em vez da escolha por mais empenho no trabalho me chamou atenção. Evidente que neste pequeno ensaio devemos considerar as condições do período e do local analisados por Weber, até para não cairmos em qualquer anacronismo. É importante salientar que a obra foi publicada por Weber primeiro em duas levas, 1904 e 1905, e depois em uma versão revista e ampliada em 1920 – ano sua morte.

Discorre Weber:

“Um dos meios técnicos que o empresário moderno costuma aplicar para obter de “seus” operários o máximo possível de rendimento no trabalho e aumentar a intensidade do trabalho é o salário por tarefa. Na agricultura, por exemplo, um caso que reclama imperiosamente o aumento máximo da intensidade do trabalho é o da colheita, visto que, notadamente, quando o clima é incerto, oportunidades de lucros ou prejuízos extraordinariamente altos dependem muitas vezes da possibilidade de sua aceleração. Daí o costume de usar quase sempre o sistema de salário por tarefa. E como, com o aumento das receitas e da intensidade do empreendimento, em geral costuma crescer o interesse do empresário em acelerar a colheita, é óbvio que repetidas vezes se tentou interessar os trabalhadores na elevação do rendimento de seu trabalho mediante a elevação da taxa de remuneração por tarefa, o que lhe daria em curto espaço de tempo a oportunidade de ganho que para eles era excepcionalmente alto. Só que aí surgiram dificuldades peculiares: o aumento do pagamento por tarefa o mais das vezes não teve por resultado maior produtividade do trabalho no mesmo intervalo de tempo, mas sim menor, porque os trabalhadores respondiam aos aumentos das taxas de remuneração não com o incremento da produtividade diária, mas sim com a sua diminuição. O homem que, por exemplo, à razão de um marco por jeira na ceifa de trigo estivesse acostumado até ali a ceifar duas jeiras e meia por dia ganhando assim 2,50 marcos por dia, depois que a remuneração por jeira foi aumentada em 25 Pfennige, ele passou a ceifar não as três jeiras como seria de esperar a fim de aproveitar a oportunidade de um ganho maior; em vez de ganhar 3,75 marcos – o que seria perfeitamente possível -, o que ele fez foi passar a ceifar menos, só duas jeiras por dia, já que assim ganhava diariamente os mesmos 2,50 marcos de antes e, como lá diz a Bíblia, “com isso se contentava.” Ganhar mais o atraía menos que o fato de trabalhar menos; ele não se perguntava: quanto posso ganhar por dia se render o máximo no trabalho? e sim: quanto devo trabalhar para ganhar a mesma quantia – 2,50 marcos – que recebia até agora e que cobre as minhas necessidades tradicionais?”

Uso apenas um recorte da obra de Weber, que é demasiado complexa e aborda muitas questões de trabalho, como pano de fundo para gerar uma reflexão. Weber nos dá uma aula, inclusive de críticas ao capitalismo (que não é perfeito, embora seja incontestavelmente o único modelo que gera riqueza). Bem diferente do que o outro “pai da sociologia” (assim considerado pela academia), Karl Marx (1818 -1883), fez. Além do horripilante manual genocida O Manifesto Comunista (1848), o prussiano escreveu os três prolixos volumes de O Capital (1867/1885/1894) – uma obra densa e escrita de trás para frente. Isso mesmo: Marx já partiu de uma conclusão e apenas “encheu linguiça” para comprovar o improvável. Críticas ao Pai da Economia Moderna, Adam Smith (1723 – 1790), Mais-Valia, blá blá blá, etc.

Observemos, todavia, que Weber destaca com propriedade no trecho acima que as condições climáticas influenciam em “oportunidades de lucros ou de prejuízos extraordinariamente altos”. Weber, portanto, traz à luz uma regra elementar do capitalismo: o futuro incerto do empregador e sua diária iminência de ir à bancarrota.

Imaginemos esse processo durante a pandemia. O empregador, via de regra no Brasil, já vive estrangulado pelo Estado. A força motriz que impulsiona a manutenção de empresas e, por conseguinte, menos demissões, é refém de um Estado controlador e burocrático. As engrenagens do livre mercado são interligadas, fundamentadas no eixo-mestre de uma relação de troca mútua. Para que a roda dessa economia possa girar, como bem diz o liberal Marcel van Hattem, os entraves do Estado precisam retroceder. Estamos andando com o freio de mão puxado em plena pandemia; mas onde entra a reflexão weberiana nesse processo? Aqui: 1) a pandemia refutou a tese esquerdista de que o “patrão” só lucra. Centenas de milhares de empresas no Brasil fecharam as portas; 2) tenho a impressão de que muitos na pandemia se acomodaram com “auxílio-isso”, “auxílio-aquilo” e se parecem com os empregados do exemplo exposto por Weber, ou seja, trabalhar menos e ganhar o mesmo – ou até menos.

De forma alguma manifesto indiferença com a preocupação de muitos setores, sobretudo os mais expostos ao vírus, devido aos riscos de contaminação. Sim, isso influencia a retomada do trabalho normal, pois as pessoas estão com medo. Nesse caso, tomando o exemplo de Weber, o “patrão” é o país e o mau tempo da colheita é a pandemia. A vacina é o caminho! Que a iniciativa privada possa auxiliar na importação de vacinas, porque, sabemos, Estado não resolve problemas – ele é o problema.

Quanto ao trabalhador, ressalto: não é momento para “lebensgenuss“. Com todas as medidas de segurança, é hora de trabalhar! O empregador, como bem cita Weber, assume seus riscos na colheita, e esse fator, aliás – como menciono acima -, escancara sua diferença de análise crítica ao capitalismo em detrimento de Marx. Cai por terra, portanto, conforme o pensamento weberiano, a máxima marxista de que o patrão só obtém lucro. No caso da pandemia, se a colheita for ruim, o empregado afunda com o empregador. Empresas estão falindo.

O coronavírus equivale a uma infestação de gafanhotos que devoram a lavoura citada por Weber, e a vacina no Brasil pode acabar com o gafanhoto destruidor e salvar empregos para que os trabalhadores assim possam ceifar uma boa colheita – e não ter suas próprias vidas ceifadas pelo coronavírus.

Que o bom senso prevaleça! Que os empregos possam ser mantidos ao máximo! Que a relação empregado versus empregador seja a melhor possível! E que a boa colheita seja o fruto do empenho dos trabalhadores, não suas vidas – como já citei acima -, ceifadas pela Covid-19.

Referência: Weber, Max, 1864 – 1920. A ética protestante e o “espírito” do capitalismo / Max Weber; tradução José Marcos Mariani de Macedo; revisão técnica, edição de texto, apresentação, glossário, correspondência vocabular e índice remissivo Antônio Flávio Pierucci. – São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

*Artigo publicado originalmente em 27/04/2021 no site do Instituto Liberal.

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Ianker Zimmer

Ianker Zimmer

Ianker Zimmer é jornalista formado pela Universidade Feevale (RS) e pós-graduado em Ciências Humanas: Sociologia, História e Filosofia pela PUCRS. É autor de três livros, o último deles "A mente revolucionária: provocações a reacionários e revolucionários" (Almedina, 2023).

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