Os perigos de um Brasil governado pelo Judiciário

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Nos últimos anos, o Brasil tem vivenciado um fenômeno preocupante: a crescente centralidade do Poder Judiciário nas decisões políticas, econômicas e sociais do país. O que antes era uma instância destinada à defesa da Constituição e à arbitragem de conflitos passou a se comportar como um poder interventor, legislando e governando sob o pretexto de “garantir direitos”.
Para o pensamento liberal, essa tendência representa uma ameaça grave à liberdade individual e ao equilíbrio entre os poderes, fundamentos essenciais de uma ordem democrática.

A supremacia judicial e a erosão da separação de poderes

Montesquieu, em O Espírito das Leis, advertia que “tudo estaria perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpo de principais, de nobres ou de povo, exercesse esses três poderes: o de fazer leis, o de executar as resoluções públicas e o de julgar os crimes e as querelas dos particulares.” Quando o Judiciário brasileiro assume o papel de legislador criando regras por meio de decisões vinculantes ou interpretações criativas da Constituição, ele viola diretamente o princípio liberal da separação dos poderes, convertendo juízes em atores políticos.

Essa “supremocracia”, como já diagnosticaram alguns estudiosos, inverte o eixo da soberania popular. Segundo Friedrich Hayek, em O Caminho da Servidão, “a liberdade desaparece quando as leis deixam de ser gerais e passam a servir aos propósitos de grupos ou indivíduos”. Quando ministros, não eleitos, decidem conforme suas convicções morais ou ideológicas, o direito perde seu caráter impessoal e passa a servir a fins particulares, ainda que bem-intencionados.

Judicialização da política e o enfraquecimento da democracia liberal

O liberalismo clássico entende o Estado de Direito como um sistema no qual as leis limitam o poder, não o ampliam. O Judiciário, ao intervir em políticas públicas, substitui o debate democrático pelo tecnocratismo judicial. John Locke, em Segundo Tratado sobre o Governo Civil, escreveu que “onde acaba a lei, começa a tirania.” Quando magistrados passam a interpretar a Constituição como um texto em aberto, moldando-a conforme preferências políticas, o país corre o risco de viver uma tirania de toga – uma dominação sutil, mas profunda.

Essa tendência tem se intensificado no Brasil: decisões sobre temas fiscais, ambientais, eleitorais e até de segurança pública têm sido tomadas por tribunais e não pelo Parlamento. O resultado é uma sociedade menos responsável por suas próprias escolhas, onde o voto perde peso e a deliberação pública é substituída por sentenças.

O risco da “toga iluminada”

O liberalismo rejeita a ideia de que exista uma elite moral capaz de conduzir o povo rumo ao “bem”. Como alertou Ludwig von Mises, em Ação Humana, “não há substituto para o julgamento do mercado e da sociedade livre; toda planificação central é um erro de pretensão de conhecimento.” Da mesma forma, o governo dos juízes é uma forma de centralização do poder baseada na crença de que poucos sábios togados sabem o que é melhor para milhões de cidadãos.

A liberdade, no entanto, exige autonomia e responsabilidade política. Um povo infantilizado por decisões judiciais perde a capacidade de autodeterminação e se torna dependente de interpretações arbitrárias da lei. O liberalismo, ao contrário, aposta na maturidade do indivíduo e no poder das instituições representativas.

Conclusão: retomar a República dos cidadãos

Um Judiciário independente é pilar da democracia liberal; um Judiciário governante, porém, é sua negação. O Brasil precisa urgentemente restaurar o equilíbrio entre os poderes e reafirmar que a soberania pertence ao povo, exercida por meio do voto e do debate parlamentar, não de sentenças monocráticas.

Como escreveu Alexis de Tocqueville em A Democracia na América: “Não há liberdade sem independência judicial, mas também não há democracia quando os juízes se tornam soberanos”.

A lição liberal é clara: o império da lei deve limitar o poder, não concentrá-lo. O Brasil só será verdadeiramente livre quando o Judiciário voltar a ser o guardião da Constituição e não seu intérprete supremo e exclusivo.

*Isaías Fonseca é associado I do Instituto de Formação de Líderes de Belo Horizonte. 

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