O que eles pretendem é amedrontar a imprensa e impedir o cidadão de fiscalizá-los

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argumentei que a onda censória protagonizada pela suprema corte é mais uma expressão do patrimonialismo brasileiro, haja vista que ela serve também a interesses e anseios pessoais dos ministros, a despeito da lenga-lenga de salvamento (eterno) da democracia. Enraizado como é o nosso patrimonialismo — a confusão entre as esferas pública e privada, o uso do que é público para interesses particulares e escusos -, já era bem óbvio que, para além de servir aos interesses dos onze deuses togados, a censura cairia como uma luva para outros magistrados com semelhante concepção torpe do serviço público. Para ser justo, isso não é exatamente uma novidade, e o jurista especializado em liberdade de expressão, André Marsiglia, em seu livro Censura por toda parte, cita vários casos de censura do judiciário brasileiro, antes ainda do inquérito das fake news. A diferença é que agora há um respaldo do STF, cujo esforço em separar o país entre “autoridades” e cidadãos, colocando os primeiros em posição sempre sobranceira (acima de críticas) e os segundos em lugar subalterno, verdadeiramente vexatório, se tornou sua razão de ser.

Em que pese o repúdio, não nos causa surpresa a notícia de que uma juíza do Rio Grande do Sul condenou a jornalista Roseane de Oliveira e o jornal onde trabalha, Zero Hora, a pagarem uma indenização de R$600 mil à desembargadora Iris Helena Medeiros Nogueira pela veiculação de uma matéria sobre remunerações acima do teto constitucional recebidas por magistrados em abril de 2023, mês no qual Iris recebeu R$662.389,16. O valor informado na matéria é público, passível de ser obtido por qualquer cidadão e absolutamente verdadeiro, mas ainda assim a ex-presidente do TJRS achou por bem processar o jornal e a jornalista com o argumento de que a divulgação de seu salário poderia  “despertar no leitor dúvidas acerca” de sua honestidade.

É interessante destacar que a juíza Karen Bertoncello, que condenou o veículo e a jornalista em primeira instância, também recebeu em um total de 30 meses, conforme dados que vão desde setembro de 2017, remunerações acima do teto.

Vale recordar que, conforme levantamento do UOL, 9 em cada 10 juízes ou promotores tiveram vencimentos acima do teto em 2024. Os chamados penduricalhos, que possibilitam essas cifras obscenas, têm sido massivamente autorizados por tribunais países afora. Os beneficiários argumentam que, por não integrarem os subsídios oficiais de seus contracheques, os valores não estariam sujeitos ao teto constitucional. O cidadão, contudo, pode ter uma opinião bastante diferente, não só quanto à legalidade, mas à moralidade destas cifras, e é aí que a imprensa tem papel fundamental em divulgá-las o máximo possível. Roseane de Oliveira merecia um troféu pela coragem de fazer jornalismo em tempos como este, não uma condenação.

E aí temos mais um exemplo sobre o que realmente se trata a tal “regulamentação das redes”. A onda censória, como não poderia deixar de ser, veio de cima para baixo, das “autoridades” para nós, a “ralé”. Mas alguns idiotas úteis ainda tentam nos convencer, depois de convencerem a si mesmos, de que podemos confiar na benevolência de poderosos que, não admitindo sequer serem xingados em aeroportos, pretendem agora que sua remuneração, paga com o suor do povo brasileiro, não possa ser devidamente divulgada. Como tenho dito desde o princípio, malgrado o apoio da banda podre da imprensa a liberticidas engomados, era inevitável que ela também se convertesse em um alvo.

Sim, pode ser que a condenação seja revertida, mas o verdadeiro desiderato é o medo. Conforme relatório da Federação Nacional de Jornalistas (Fenaj), houve um aumento de 120% em casos de censura judicial, saltando de 5 casos em 2023 para 11 em 2024. Uma imprensa amedrontada equivale a cidadãos impedidos de fiscalizar o poder público. O Estado nos arranca tudo que pode, nos devolve algumas esmolas e ainda pretende nos impossibilitar de saber o que diabos estão fazendo com nosso dinheiro. Tudo o mais constante, isso só tende a piorar. Que ninguém se finja de desavisado quando não puder nem mesmo fiscalizar e criticar aqueles que são pagos com nosso dinheiro.

Fonte:

https://veja.abril.com.br/coluna/radar/juiza-condena-jornalista-por-revelar-salario-publico-de-desembargadora/

https://www.metropoles.com/distrito-federal/na-mira/tjrs-condena-jornalista-por-expor-salario-de-r-662-mil-de-magistrada

https://noticias.uol.com.br/colunas/tiago-mali/2025/05/23/juiza-que-puniu-divulgacao-de-supersalarios-recebeu-acima-do-teto-30-meses.htm

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Gabriel Wilhelms

Gabriel Wilhelms

Graduado em Música e Economia, atua como articulista político nas horas vagas. Atuou como colunista do Jornal em Foco de 2017 a meados de 2019. Colunista do Instituto Liberal desde agosto de 2019.

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