O poder de uma fala na sociedade contemporânea
Há algumas semanas, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Flávio Dino, participou de uma palestra na UNDB, no Maranhão. Em um momento informal, dirigiu-se ao deputado estadual Felipe Camarão com a seguinte sugestão:
“É um prazer te ver, Felipe. Em nome dessa amizade, quero te dar uma sugestão: coloque a Teresa como vice-governadora, que essa chapa vai ficar imbatível, porque essa mulher é popular.”
À primeira vista, pode parecer apenas uma frase simpática e despretensiosa; mas, vinda de um ministro da mais alta corte do país, essa fala carrega um peso institucional grave. Afinal, quando um membro do Judiciário se posiciona publicamente indicando nomes para uma chapa eleitoral, está extrapolando os limites constitucionais de sua função. Está fazendo política ativa.
Esse tipo de manifestação coloca em xeque a imparcialidade do Supremo e levanta uma questão incômoda: até onde vai a liberdade de expressão de um ministro da Corte, e onde começa o crime de responsabilidade?
Segundo a Lei nº 1.079, de 1950, que define os crimes de responsabilidade e regula o processo de impeachment, é vedado aos ministros do STF o exercício de qualquer atividade política. O artigo 39 da referida lei é claro ao listar, como crime de responsabilidade, o ato de “exercer atividade político-partidária”.
A razão para isso é simples e essencial: o Judiciário deve ser neutro e técnico, não um ator nos bastidores eleitorais. A atuação de um ministro sugerindo publicamente a composição de uma chapa eleitoral compromete a confiança da sociedade na separação dos poderes e viola o espírito da lei.
Esse episódio também pode ser interpretado à luz dos grandes pensadores da política e da constitucionalidade. Em sua célebre palestra Política como vocação (1919), Max Weber define política como: “A tentativa de participar do poder ou influenciar a distribuição do poder, seja entre estados ou dentro de um estado.”
Dentro dessa definição, a fala de Flávio Dino é, inequivocamente, um ato político. Ele participa, ainda que indiretamente, da formação de uma chapa, influenciando diretamente a distribuição de poder dentro do Estado.
Já Montesquieu, em O Espírito das Leis, foi ainda mais além ao estabelecer que “A política é a arte de organizar os poderes de modo que a liberdade seja preservada.”
Para que essa liberdade exista, os poderes precisam estar organizados, separados e equilibrados. Quando um ministro da Suprema Corte atua como articulador político, esse equilíbrio se rompe. A toga vira palanque. O tribunal vira trincheira. E a democracia vira teatro.
O que deveria ser uma linha intransponível entre Judiciário e política vai se esgarçando, abrindo espaço para uma perigosa normalização da interferência. Em um país sério, essa fala seria tratada como violação institucional e não como piada de bastidor.
O Brasil vive uma confusão moral grave entre os poderes. As leis são claras, os conceitos são consolidados, mas a prática institucional segue relativizada. O episódio envolvendo o ministro Flávio Dino não é isolado; é sintoma de um sistema que tolera o ativismo judicial, desde que alinhado a certos interesses.
É urgente que os agentes públicos entendam que o poder que exercem não é pessoal, é institucional, e, por isso mesmo, deve ser tratado com responsabilidade e limites. Quando ministros viram cabos eleitorais, quem perde é a democracia.
*Lorenzo Kersting é coordenador do Instituto Atlantos.