Carta aberta à oposição: resgatem as nossas liberdades e os seus mandatos!

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À atenção dos deputados e senadores opositores ao autoritarismo judicial

Dirijo esta missiva à restrita gama de parlamentares que, da tribuna e fora dela, manifestam oposição aos crescentes desmandos do STF e, em particular, aos atentados judiciais à liberdade de expressão e à autonomia do Legislativo. Afinal, de nada adiantaria escrever aos inúmeros pares de V. Exas. que, traindo seus eleitores e a nossa ordem constitucional, aplaudem ou calam diante de decretos de juízes abusivos.

Ontem, o Brasil presenciou uma autêntica sessão legislativa na corte que deveria arbitrar litígios. Em vez de cumprir sua função institucional de aferir se julgados de outras instâncias ou normas infraconstitucionais são ou não compatíveis com a Constituição, o tribunal se arrogou a ditar as regras do jogo. No encerramento do julgamento sobre a responsabilização das redes sociais por conteúdos, o ministro Barroso, após a proclamação dos resultados dos casos concretos em apreciação, passou a palavra ao colega Toffoli para que este enunciasse as “teses” destinadas à regência dos conflitos no ambiente digital.

Na prática, juízes legislaram, pois criaram para as plataformas obrigações não-previstas no ordenamento vigente, dispondo sobre situações genéricas e futuras, em atuação que cabe tão somente a V. Exas., parlamentares. Responsabilizaram provedores pela não-remoção imediata de conteúdos relacionados a atos antidemocráticos, terrorismo, induzimento ao suicídio e à automutilação, incitação à discriminação, crimes sexuais e tráfico de pessoas e, ao assim fazerem, reescreveram dispositivos inteiros do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/14).

No dia seguinte à sessão, foi noticiada, pelo jornal Gazeta do Povo, uma reação parlamentar ao arbítrio da véspera, mediante esforços tendentes à aprovação de uma nova Proposta de Emenda à Constituição (PEC). Segundo a reportagem, a PEC, de autoria da deputada Caroline de Toni, promoveria uma alteração no artigo 5º da Constituição: a redação atual, que ampara a livre manifestação opinativa e veda o anonimato, seria substituída por uma versão que conferisse liberdade plena às opiniões e vedasse qualquer tentativa de limitá-la. Em que pese a coragem na iniciativa, a solução parece inadequada e ineficaz.

Inadequada, vez que redundante, ao conferir à liberdade opinativa um amparo já previsto em nossa Constituição e consagrado, diga-se de passagem, em sua plenitude. Embora repleta de imperfeições, a CF em vigor não pode ser acusada de não conceder uma amplíssima chancela ao direito natural de falar, pensar, e exprimir ideias. Promulgada após o trauma de um longo período de repressão, a Carta de 88 se preocupou em elencar a liberdade de expressão no rol das garantias fundamentais, que, ainda por cima, constam da seleta lista de cláusulas pétreas (art. 60, parágrafo 4, inciso IV). Assim, a PEC representará algo como “chover em um molhado” de proteção ampla à liberdade de expressão, que, de tão resguardada, sequer pode ser afetada por eventuais mudanças no texto constitucional.

Ineficaz, pois de nada adiantaria inserir, na Constituição, um reforço de proteção às manifestações opinativas. Afinal, a despeito da já robusta chancela constitucional, a liberdade de expressão já vem sendo desrespeitada pelo Judiciário pelo menos desde a instauração do Inquérito das Fake News, em 2019.

A supressão da vedação ao anonimato, também objeto da PEC, parece igualmente inócua no enfrentamento do autoritarismo togado. Como se vê nos últimos anos, o STF não se incomoda com opiniões provenientes de perfis anônimos, com poucos seguidores e baixa reverberação nas redes. Antes, a mordaça judiciária tem sido direcionada a contas de titulares conhecidos por seus verdadeiros nomes e sobrenomes, perseguidos exatamente em virtude da ampla repercussão de suas manifestações críticas ao STF. Não à toa, conforme revelado pelos Twitter Files, a censura maciça tem recaído sobre jornalistas e influenciadores notórios, e até sobre parlamentares!

A despeito desse cenário sombrio, V. Exas. podem e devem agir, lançando mão de todas as suas prerrogativas constitucionais para impor que juízes retornem às suas funções e deixem de se imiscuir na seara parlamentar. Cabe a V. Exas a tarefa de colocar em prática o artigo 49, XI da CF, que reconhece como sendo de atribuição exclusiva do Congresso nacional a faculdade de zelar pela sua própria competência legislativa. Ora, se o texto constitucional é claríssimo ao conferir a V. Exas. o poder de resguardar a exclusividade da função de promulgar normas jurídicas, então partam para a ação e neguem vigência a julgamentos como o de ontem, em que magistrados desempenharam indevidamente o papel de legisladores. Não se trata de disrupção, mas de simples aplicação de dispositivo da Constituição, norma fundamental que tem de reger todos os poderes!

Ainda no âmbito das atribuições legislativas de V. Exas., revoguem a Lei 14.197/21, que introduziu, em nosso Código Penal, os crimes contra o Estado democrático de direito. Trata-se de tipos penais perigosamente abertos, cuja redação genérica e indefinida foi maliciosamente usada como fundamento a todos os inquéritos e processos por suposto “golpismo”. Cabe a V. Exas. a faculdade constitucional de banir esses tipos penais do nosso ordenamento e, por consequência, de cancelar todas as condenações e os procedimentos injustos contra indivíduos que nada fizeram além de manifestar suas opiniões. Assim como cabe aos membros do nosso Senado processar e punir todos os magistrados que, sob o pretexto de “enfrentamento ao golpismo”, tenham incorrido em crimes de responsabilidade.

Momentos críticos como o presente demandam as respostas prontas que a Constituição coloca ao alcance de V. Exas. Em jogo, estão o cerceamento indevido às liberdades individuais e a invasão da esfera legislativa por togados, que vêm tornando V. Exas. figuras cada vez mais decorativas e vulneráveis. Coloquem um pouco de lado as aparições em redes e priorizem ações efetivas que V. Exas. podem e devem tomar para frear um J2udiciário que se coloca como “poder moderador”, pairando acima dos demais e da própria Constituição. Ajam, antes que seja tarde demais para chorarem por seus mandatos perdidos!

Atenciosamente,

Katia Magalhães

OAB/RJ 95.511

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Judiciário em Foco

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Katia Magalhães é advogada formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e MBA em Direito da Concorrência e do Consumidor pela FGV-RJ, atuante nas áreas de propriedade intelectual e seguros, autora da Atualização do Tomo XVII do “Tratado de Direito Privado” de Pontes de Miranda, e criadora e realizadora do Canal Katia Magalhães Chá com Debate no YouTube.

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