Carta aberta à OAB nacional

Print Friendly, PDF & Email

À atenção do Dr. Marcus Vinícius Furtado Coêlho, presidente da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais

A nota divulgada por V.Sa. no último dia 22 de maio, sob o título “Em defesa da soberania nacional e da independência da jurisdição brasileira”, corrobora a sua anuência ao autoritarismo judicial implantado no Brasil e a traição ao seu juramento de exercer a advocacia com dignidade, independência, ética e respeito à Constituição e às normas vigentes. Começo por identificar o fator disparador da sua nota, mas que V. Sa. sequer nomeou: a possibilidade de decretação, pelo governo norte-americano, de penalidades contra magistrados brasileiros, ao amparo da chamada Lei Magnitsky. Na opinião de V. Sa, eventuais restrições determinadas pelos EUA configurariam sanções “em razão de atos praticados no exercício regular da função jurisdicional”. No entanto, como não pode deixar de ser de pleno conhecimento de V. Sa., na qualidade de conhecedor do Direito, a atuação recente de vários integrantes da nossa cúpula judiciária não pode ser classificada como “regular”. Pelo menos, não sob a ótica estritamente constitucional e legal que deveria nortear as posturas públicas de representantes da OAB.

Não há regularidade nas condutas de magistrados que abrem inquéritos de ofício, sem objeto e/ou prazo definidos, e que, no âmbito desses procedimentos, proferem decisões contra indivíduos fora de sua jurisdição. Igualmente irregulares são os decretos prisionais fora das hipóteses legais, a censura prévia contra titulares de perfis removidos de plataformas digitais, a imposição de condenações longuíssimas por simples manifestação opinativa, a retenção de passaportes de indivíduos sem indícios de atuação delitiva, as reiteradas violações à imunidade parlamentar e os atentados às prerrogativas dos advogados. Cabe ainda menção às providências arbitrárias contra empresas americanas, tais como o banimento do X, e a reiterada censura à Rumble, inclusive para atingir perfis de residentes no exterior, como o do jornalista Allan dos Santos.

Quanto às eventuais sanções objeto do repúdio de V. Sa., elas decorreriam da aplicação de lei promulgada pelos EUA, no legítimo exercício de sua própria soberania. Se decretadas, as punições poderiam consistir na recusa de concessão ou renovação de visto de entrada no país e/ou no bloqueio de ativos situados nos EUA, ou sob a posse ou cujo controle acionário pertencesse a americanos. Portanto, como as sanções somente seriam passíveis de produzir efeitos em território americano e/ou na esfera de negócios de empresas americanas ou de entidades controladas por grupos americanos, não haveria que se falar em atentado à soberania brasileira ou ao princípio de não-intervenção em nosso território.

Outrossim, não se trata de uma redução ao “status de uma república de segunda categoria”, como pretende V. Sa, em nota de repúdio a decreto sequer editado. O menosprezo aos nossos princípios republicanos tem ficado a cargo de uma elite judiciária local que interfere na autonomia dos estados, promove uma legislatura oficiosa e atenta contra direitos e garantias individuais, colocando por terra as cláusulas pétreas da nossa Constituição.

Já a eventual punição contra a qual V. Sa. se insurge viria a ser estipulada com base na Convenção sobre Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), à qual tanto o Brasil quanto os EUA aderiram. A propósito, os principais abusos de nossa elite judiciária foram comprovados diante da OEA, em recente visita ao país, durante a qual os representantes do órgão tiveram acesso à vasta prova documental dos atentados mais gritantes à nossa ordem constitucional ao longo dos últimos 6 anos, penosos para os que nutram apreço mínimo por suas liberdades individuais.

Lamento que um representante da nossa outrora gloriosa OAB renuncie à sua função constitucional, legal e estatutária de defesa da Constituição, da democracia, da boa aplicação das normas vigentes e do livre exercício da advocacia para colocar-se ao lado de práticas indefensáveis aos amantes do estado de direito, independentemente de preferências político-partidárias. Espero que V. Sa tenha a sensatez de rever suas posturas antes de poder vir a ser mais uma vítima do sistema perverso beneficiado por sua nota.

Atenciosamente,

Katia Magalhães

OAB/RJ 95.511

Faça uma doação para o Instituto Liberal. Realize um PIX com o valor que desejar. Você poderá copiar a chave PIX ou escanear o QR Code abaixo:

Copie a chave PIX do IL:

28.014.876/0001-06

Escaneie o QR Code abaixo:

Judiciário em Foco

Judiciário em Foco

Katia Magalhães é advogada formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e MBA em Direito da Concorrência e do Consumidor pela FGV-RJ, atuante nas áreas de propriedade intelectual e seguros, autora da Atualização do Tomo XVII do “Tratado de Direito Privado” de Pontes de Miranda, e criadora e realizadora do Canal Katia Magalhães Chá com Debate no YouTube.

Deixe uma resposta

Pular para o conteúdo