A Inquisição de Toga
Chamam de julgamento. É uma palavra pomposa, dessas que soam bem nos jornais e transmitem a impressão de solenidade jurídica. Mas não nos enganemos: julgamento é coisa séria, técnica, sujeita a rito e a lei. Julgamento exige juiz imparcial, que não se confunde com acusador, que não se comporta como inquisidor medieval. O que se inicia hoje contra Jair Bolsonaro não é julgamento. É encenação. É liturgia de uma condenação previamente escrita.
Não há mistério sobre o desfecho. O país inteiro sabe. Condenação. O que se discute, no máximo, é se a pena virá embrulhada em seda ou em papel pardo. Quando o juiz do processo declara convicções fora dos autos, quando suas preferências transbordam na praça pública, o resultado deixa de ser incerto. Deixa de ser julgamento. Chame-se pelo nome: inquisição. Uma inquisição moderna, claro, com toga em vez de batina, com computadores em vez de tochas, mas com o mesmo espírito inquisitorial. Não se busca a verdade, busca-se a confirmação de uma culpa já estabelecida. O réu serve apenas para cumprir o roteiro.
E aqui se revela o verdadeiro propósito. Não é punir um homem, mas preservar um conluio. Para manter o lulopetismo entranhado no STF, é preciso afastar aquele que, goste-se dele ou não, ainda é a principal referência da direita no Brasil. A eliminação política de Bolsonaro, mais do que condenação jurídica, é cálculo de poder, isto é, tirar da disputa quem pode derrotar o descondenado.
Os mesmos que clamam pelos direitos humanos e pela defesa daqueles que historicamente foram marginalizados sabem, de antemão, que a justiça, para alguns, é automática: se negro, já se presume culpado. Para Bolsonaro, a lógica é exatamente a mesma — não há processo, apenas condenação prevista, em nome de um ideal seletivo de equidade. O paradoxo é irresistível. No Brasil recente, sempre há filigranas para “descondenar” o descondenado. Rasga-se a jurisprudência, torce-se a hermenêutica, adultera-se o devido processo — tudo em nome da generosidade jurídica para com quem transformou a prática de atos ilícitos em esporte nacional. Já no caso de Bolsonaro, não se cogita criatividade. O processo segue não a lei, mas o desejo.
Quando surgem críticas externas, vem o teatro da “soberania nacional”. Os mesmos que confundem toga com coroa denunciam Trump e os EUA por suposta ingerência. É argumento esdrúxulo. O que chamam de intromissão é a única pressão possível contra um processo ilegal, que sequer deveria tramitar no STF — se houvesse coerência, estaria na primeira instância, como foi com Lula. Soberania de papel timbrado não protege democracia; apenas encobre o arbítrio.
Assim a liturgia se cumpre: o tribunal se converte em teatro de conveniências, a toga perde a solenidade e se torna mero figurino de ocasião, e a sentença, antes promessa de justiça, não passa de um roteiro ensaiado à exaustão. Julgar seria arriscar-se ao imprevisível; inquirir é mais seguro. No fim, não se consome apenas um homem, mas a própria ideia de justiça. Pois, se julgamento é ato técnico, imparcial e sujeito a regras, o que se pratica hoje no Brasil é outra coisa. É teatro. É inquisição. É farsa.