A cruzada da ideologia de gênero contra os fatos
A disforia de gênero é definida pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) como um transtorno que se refere “ao sofrimento que pode acompanhar a incongruência entre o gênero experimentado ou expresso e o gênero designado de uma pessoa”. É claro que os identitários têm banalizado o conceito, questionando a própria legitimidade do sexo biológico, comprometendo a saúde mental de crianças e adolescentes que, muitas vezes confusas, se convencem de que sofrem do que não sofrem. Contudo, há muitas pessoas que realmente padecem com a disforia de gênero e seu sofrimento é digno da nossa mais sincera empatia.
Para que essas pessoas consigam levar uma vida funcional, muitas vezes, elas terão que fazer modificações — em casos extremos, até mesmo corporais — condizentes com sua chamada “identidade de gênero”. Tais modificações visam a tornar suas vidas mais confortáveis; porém, modificação alguma, nem hormônio, nem cirurgia, nem o que quer que seja, é capaz de alterar o sexo biológico. Sou sempre muito disposto a tratar as pessoas pelo nome social de suas preferências, mas isso não assinala nada além de educação. Ninguém deveria, em nome da empatia, patrocinar o devaneio de que o sexo biológico é mutável.
Em se tratando da deputada federal Erika Hilton, que, como todos sabem, é uma mulher-trans, sempre me referi a ela no feminino, mesmo quando tecendo críticas à sua atuação parlamentar, justamente pelo respeito e educação a que me referi no parágrafo anterior. Ser uma mulher-trans significa, conforme a definição contida no DSM-5, que, embora ela seja um homem biológico, ela se reconhece como mulher ou — o que dá no mesmo — que, ainda que se reconheça mulher, segue sendo biologicamente um homem, fato que não pode ser alterado por nenhum procedimento cirúrgico ou estético. A partícula “trans”, portanto, faz uma dupla referência: ao sexo biológico e a como a pessoa se reconhece, denotando a incongruência entre uma coisa e outra.
Se é um fato óbvio e perfeitamente científico que pessoas trans constroem sua identidade dentro do sexo oposto, mas seguem tendo seu sexo biológico inalterado, é uma aberração jurídica que alguém possa ser sequer processado por apontar para esse fato. De fato, a ativista feminista Isabella Cêpa, de 29 anos, corre o risco de pegar até 25 anos de cadeia por, pasmem, dizer que Erika Hilton é um homem. Após o primeiro turno das eleições de 2020, Isabella fez uma postagem nos stories de seu Instagram lamentando o fato de que a mulher mais votada para a Câmara de São Paulo era um homem, referindo-se a Erika HIlton. Desde então, a ativista se tornou alvo de uma perseguição, respondendo a cinco supostas ocorrências que poderiam configurar “racismo”. Além da referida postagem, ela responde por quatro retuites de terceiros. Vale recordar que, em 2019, o STF, em mais uma de suas incursões no território legislativo e sinalizações ativistas, equiparou a “transfobia” e a “homofobia” ao crime de racismo, alegando uma “omissão” por parte do Congresso. Novamente, o ativismo judicial, por si só uma aberração, possibilita outra aberração jurídica contra cidadãos pacíficos.
O processo, formalizado pelo Ministério Público de São Paulo em 2022, agora se encontra no STF. Em tese, o somatório das cinco acusações pode render até 25 anos de cadeia à Isabella, mas, corajosa, ela mantém o que disse. Em recente entrevista ao jornalista Michael Shellenberger, ela afirma: “disse algo muito básico”. Disse mesmo.
Temos, então, uma cidadã sendo perseguida por supostamente ter cometido um crime para o qual não há materialidade, já que o tal crime não existe em nosso ordenamento jurídico. Quando o STF fez a equiparação, muitos críticos disseram que aconteceria exatamente o que está acontecendo: criminalização da opinião ou da simples constatação dos fatos. Isabella é crítica da ideologia de gênero, como, aliás, o são também outras feministas (não todas) que veem no repertório de pautas trans um risco para as mulheres.
O que estamos assistindo é o uso do aparato estatal em favor do identitarismo para que suas pautas possam ser impostas da única forma que podem ser: à força. A melhor forma de se fazer isso é criminalizar a crítica e cercear o debate sobre determinadas políticas. Uma das postagens compartilhadas por Isabella que se tornou objeto da denúncia do MPSP foi uma enquete perguntando se mulheres trans deveriam ir para presídios femininos. O MPSP parece pensar que as pessoas sequer têm direito de propor enquetes em redes sociais e discutir questões de vital importância. Ora, a ideia por trás da segregação de sexos em presídios é, justamente, proteger detentas mulheres de possíveis violações de quem, por força da natureza, dispõe da “arma” preferencial para essas violações. Este articulista, aliás, é da opinião de que mulheres trans, por serem biologicamente homens, devem ir para presídios masculinos. Devo ser preso por colocar a segurança de detentas mulheres em primeiro lugar?
O fato de que essa perseguição é possível demonstra que, apesar de os identitários terem seus devaneios rejeitados pela maior parte da população, eles estão levando a melhor na via coercitiva. Não podemos permitir que cidadãos pacíficos, que não estão a defender qualquer forma de violência contra as ditas minorias, possam ser perseguidos pelo exercício de suas críticas, sobretudo quando amparadas nos fatos.
E vejam como são as coisas: o mesmo STF que, desde 2019, tem feito uma pretensa cruzada contra a “mentira” criou o cenário no qual alguém pode ser criminalizado por dizer nada mais do que a verdade. Vivemos mesmo na era da pós-verdade. Toda vez que um identitário referendar a censura à dita desinformação, tenha em mente que seu desiderato não é a busca da verdade (nunca alcançada pela coerção e sim pelo debate aberto), mas a proscrição de opiniões contrárias — que, copiosamente, tratam como “discurso de ódio” — e o estabelecimento, pela força, de sua própria verdade. De fato, eles não creem em verdade objetiva e, de forma cínica, argumentam que o que entendemos por verdade é determinado pelas “relações de poder”. Convictos disso, procuram estabelecer sua própria relação de poder para desenhar sua própria verdade. No caso específico do movimento queer, o desiderato final é a obliteração da ideia de sexo biológico, substituído pelo vago e anticientífico conceito de “gênero”. Como vimos, o termo aparece na própria definição de disforia de gênero do DSM, mas para explicar o transtorno, já que falar em “sexo experimentado” soaria estranho e transmitiria a falsa ideia de que o sexo pode ser mutável. Sendo o sexo um fato biológico que não podem refutar, apelam para seu escanteamento, tentando dar valor científico ao conceito de gênero ao invés disso. Mas gênero não é um conceito científico e não pode ser reconhecido como tal, sob risco de que, amanhã, até mesmo os professores de biologia tenham que sentar no banco de réus.
Fonte: