A interferência do Estado na propriedade privada
O instituto da propriedade privada consta na Constituição de 1988, nos seguintes termos:
Art. 5o (…):
(…)
XXII – é garantido o direito de propriedade;
XXIII – a propriedade atenderá a sua função social.
A Constituição garante o direito de propriedade, cujo conceito já foi explicado, mas o submete ao atendimento de uma função social.
O que é a função social da propriedade?
Como conceito fluido, vários autores já buscaram defini-lo, e não cabe aqui listar todas as pequenas variantes. Focando na idéia comum a todas as definições, função social da propriedade é o instituto que legaliza a intervenção do governo na propriedade privada, sob o argumento de um interesse público relevante, suprimindo ou extinguindo o poder do indivíduo sobre o bem anteriormente plenamente privado. Portanto, a base filosófica dessa intervenção é o interesse público. Interesse público, segundo a doutrina administrativista clássica, é a consecução do bem comum. O governo pode, então, suprimir ou extinguir a propriedade privada das pessoas tendo em vista o bem comum, e a idéia de bem comum muda de acordo com a filosofia política e econômica de um governo. Alguns governos podem achar que uma dada propriedade visa o bem comum apenas se atingir certa quantidade de produção de arroz, ou se aquele imóvel for destinado para o comércio, e não para a moradia. Bem, isso é uma óbvia piada de mau gosto.
Quando a Constituição dispõe que um homem somente pode exercer propriedade se atender o bem comum, sendo esse um conceito fluido, efetivamente se está negando o direito desse homem de possuir propriedade privada. O próprio sistema jurídico define propriedade como o direito de usar, fruir e dispor da coisa, além do direito de reavê-la de quem injustamente a possua ou detenha. Se esse uso, fruição e disposição do bem ficam subordinados à vontade e aprovação de burocratas do governo, sob o argumento de um bem comum volúvel e indefinível, então, de fato, o dono do bem é o estado, sendo o indivíduo mero detentor da coisa (nem mesmo possuidor ele é, pois acaba por exercer de fato o poder sobre o bem em nome do estado e nos termos deste).
Até mesmo certa doutrina positivista admite a existência de um interesse público primário, que seria o interesse da sociedade, e o interesse público secundário, que seria o interesse do governo, e o segundo só seria legítimo se compatível com o primeiro. Mas, bem, se não há como saber efetivamente qual é o interesse da sociedade no caso concreto, prevalece sempre o interesse do governo, que, via de regra, é o interesse em se desviar recursos do erário.
Por conseguinte, vemos chancelados comportamentos governamentais que destroem o direito de propriedade privada do indivíduo, sufoca o crescimento econômico dos governados, cria reservas de mercado, além de facilitar a construção de obras públicas temerárias e de objetivos práticos duvidosos, sempre baseado em uma imensa burocracia e troca de favores. Podemos listar as seguintes intervenções: ocupação temporária, requisição, limitação administrativa, servidão administrativa, desapropriação, entre outros, em regra visando interesses escusos.
A defesa desta relativização do direito de propriedade baseada na sua função social e interesse público é insustentável, sendo seus defensores inacreditavelmente ingênuos ou verdadeiros patifes que visam se locupletar.