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O documentário “Gigantes da indústria”

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“Gigantes da Indústria”, cujo nome original é The Men Who Built America, é um documentário em forma de minissérie, composto por oito episódios transmitidos pelo canal History Channel. Conta a trajetória dos homens de negócio responsáveis por transformar, num período de 50 anos, os Estados Unidos da América, de um país assolado pelas mazelas resultantes da Guerra de Secessão (1861-1865), na maior potência econômica do século XX. Ressalta a ação empreendedora de homens visionários que contribuíram individualmente para que a economia daquela nação se tornasse exemplo de inovação e livre-iniciativa.

O documentário começa reconstituindo os momentos finais de Abraham Lincoln, presidente americano que liderou a vitória da União contra os confederados, que foi assassinado em 14 de abril de 1865, apenas cinco dias após a rendição dos sulistas. Vale a pena transcrever a fala que abre o  primeiro episódio:

“Apenas cinco dias depois do final da Guerra Civil, o presidente Abraham Lincoln é a última das 600 mil mortes do conflito mais sangrento dos Estados Unidos. O país está dividido, e o mundo vê a democracia americana como um experimento fracassado. Mas o que a maioria não percebe é que uma nova era começou. A nação entra numa era de avanços e, do vazio deixado pela morte do talvez maior homem de Estado que já se conheceu, surge uma nova raça de líderes. (…) Homens de visão, inovação e engenhosidade, como o mundo nunca tinha visto. E, nas cinco décadas seguintes, esse pequeno grupo vai mudar a história, levando os Estados Unidos da América à grandeza.”

Este pequeno grupo  é formado por Cornelius Vanderbilt (1794-1877), John Davison Rockefeller (1839-1937), Andrew Carnegie (1835-1919), John Pierpont Morgan (1837 – 1913) e Henry Ford (1863-1947).

Ao longo dos oito episódios, conta-se a trajetória de cada um dos protagonistas, desde suas origens até a formação de seus impérios individuais, com destaque para os momentos em que vislumbraram suas oportunidades e as ações que empreenderam para aumentar e consolidar seus empreendimentos. As ações se desenrolam ao longo das últimas três décadas do século XIX, uma época que podia ser chamada de “capitalismo selvagem”, pois, dada a ausência de regras empresariais e trabalhistas, vivia-se em uma espécie de terra de ninguém, o que ressaltava aspectos pouco glamorosos de suas biografias, tais como a cobiça e a ganância. Outra peculiaridade é que a série traz vários momentos em que esses gigantes tiveram contato direto entre si, ora em interações de parceria e cooperação, ora de confronto e até sabotagem.

Em que pese os fatos se desenrolarem quase que simultaneamente até o episódio 5, pode-se dizer que cada episódio focou em um dos protagonistas especificamente. Deste modo, o episódio nº 1 foi destinado a Vanderbilt, o nº 2 a Rockefeller, o 3º e 4º a Carnegie (sendo que o nº 4 abordou a guerra particular entre Rockefeller e ele pelo topo da lista dos homens mais poderosos e influentes dos EUA, após a morte de Vanderbilt). O nº 5 é focado em Morgan. Os episódios nº 6 e nº 7 tratam das interações entre Rockefeller, Carnegie e Morgan. Já o  nº 8 tem o protagonismo de Henry Ford, apresentado como representante de uma nova geração de empreendedores, até porque, quando ele entra em cena, as regras do jogo já eram diferentes, com o advento das leis antitruste aprovadas por Teddy Roosevelt nos primeiros anos do século XX.

De fato, pode-se dizer que os quatro primeiros protagonistas exemplificaram o capitalismo baseado na busca do monopólio e de ações destinadas a afastar seus concorrentes imediatos do ramo de negócios em que se inseriam. Já Henry Ford simboliza o início de uma fase de maior concorrência nos setores produtivos.

Em 1865, Vanderbilt já era um empresário bem estabelecido nos ramos de transporte aquaviário de cargas e de construção naval, quando começou a voltar sua atenção para as ferrovias, o que o fez se desfazer de sua frota para investir no setor ferroviário. Rockefeller ainda estava iniciando no ramo de refinarias de petróleo. Carnegie era um imigrante escocês que, após ter sido tutelado por Thomas Scott, principal concorrente de Vanderbilt no ramo das ferrovias, estava iniciando no ramo siderúrgico. Morgan já atuava no setor financeiro a reboque do pai, um banqueiro muito bem-sucedido.

Vanderbilt teve uma infância pobre nas docas do Porto de Nova York e, após adquirir uma balsa por US$ 100,00, começou a construir o seu império até ser considerado o homem mais rico dos Estados Unidos, com investimentos no transporte de cargas por vias marítimas e fluviais, bem como na construção de navios, o que lhe rendeu a alcunha de “comodoro”. Isso não o impediu de vislumbrar o potencial das ferrovias como negócio. Isso fez com que ele se desfizesse de sua frota, investindo sua fortuna no ramo ferroviário. Ele foi agressivo no combate a seus concorrentes, mesmo que com métodos questionáveis, tais como mandar fechar a ligação de Nova York ao restante do país por meio do fechamento da ponte Albany, de sua propriedade, prejudicando não só seus concorrentes mas toda a população da cidade.

A necessidade de garantir a lotação de seus vagões de carga o fez contatar Rockefeller, então um incipiente dono de refinaria que, a exemplo do comodoro, tinha tido uma infância difícil em Cleveland. Desde criança, Rockefeller já era empreendedor, vendendo doces para complementar a renda familiar, já que não podia contar com a presença do pai, que abandonara a família. De forte formação religiosa, viu o mundo dos negócios como uma oportunidade de mudar o rumo de sua existência. Após incursão no ramo do comércio, foi impactado pelas atividades de exploração do petróleo que se desenvolviam na região, porém, foi sagaz o bastante para ver que o futuro dessa atividade estava no processamento e refino do petróleo, não na prospecção e extração, o que o fez entrar em contato com químicos e iniciar sua pequena refinaria. O principal produto oriundo do petróleo era o querosene, utilizado na iluminação das vias públicas e dos lares americanos, tendo em vista o encarecimento do óleo de baleia que, até então, era o insumo mais utilizado para tal fim. O problema é que o mercado local já estava saturado de pequenas refinarias e a dificuldade de escoamento da produção estava comprometendo o crescimento do negócio. Ele foi procurado por Vanderbilt, que lhe propôs um desconto vantajoso no transporte de seu produto via trens, desde que garantisse o fornecimento de uma quantidade mínima de barris de querosene que estava acima de sua capacidade atual de produção. Isso o fez se associar a outros pequenos produtores para garantir a quantidade mínima exigida pela parceria. Rockefeller percebeu também a necessidade de padronização e controle de qualidade do querosene, que estava tendo sua fama associada a incêndios provocados pela baixa qualidade do produto produzido pelos concorrentes. Deste modo, e em pouco tempo, expandiu suas atividades por meio da compra de refinarias menores. Curiosamente, o fator limitante à expansão de seu império foi justamente a falta de capacidade de Vanderbilt em escoar a sua produção.

Isso o colocou em contato com Andrew Carnegie, homem de confiança de Thomas Scott, o rival de Vanderbilt no ramo ferroviário. Scott lutava com Vanderbilt pelo controle do mercado e propôs a ele um desconto maior que o oferecido pelo concorrente, levando-o o a romper o contrato de exclusividade de transporte de querosene com Vanderbilt, o qual, enfurecido e percebendo a jogada de Rockefeller no sentido de provocar uma guerra entre as ferrovias, procurou Scott para propor uma aliança com o intuito de frear o ímpeto de Rockefeller e diminuir a dependência das ferrovias frente ao transporte de querosene. Em resposta, Rockefeller investiu na construção de uma rede de oleodutos para distribuição do petróleo, abastecendo diretamente suas refinarias, já então espalhadas pelos EUA, aplicando um duro golpe nos gigantes ferroviários que, após a morte de Vanderbilt e a falência de Scott, entraram em um período turbulento. O que interessa aqui foi a entrada de Carnegie, um imigrante escocês cuja família chegou aos EUA fugindo da fome e da miséria, no setor ferroviário. Enquanto homem de confiança de Scott, foi incumbido de capitanear as obras de construção de uma ponte sobre o Rio Mississipi que fizesse a ligação entre o leste e o oeste dos Estados Unidos. Devido às dificuldades para execução do projeto em virtude das limitações de resistência das estruturas de ferro, vislumbrou a utilização do aço como elemento estrutural, uma liga metálica muito mais resistente até então muito cara e utilizada apenas para pequenas peças, o que exigiria gigantescos investimentos para sua produção em larga escala. Levou sua ideia a Scott, que conseguiu o apoio de investidores para o projeto do antigo pupilo, inserindo Carnegie no mundo siderúrgico.

A construção do império de Carnegie deveu-se no início à utilização do aço em ferrovias, mas a crise no setor, em parte devido à manobra de Rockefeller com seus oleodutos, ameaçava seriamente a continuidade dos negócios. Isso pôs Carnegie em contato com empresários do ramo de construção civil, dando uma destinação ao seu aço estrutural aproveitando a tendência de verticalização das cidades por meio da construção de edifícios cada vez mais altos, amortizando assim o custo do capital investido na aquisição de terrenos. O sucesso estrondoso de Carnegie o levou em pouco tempo a rivalizar com Rockefeller na disputa pelo título de homem mais rico, influente e poderoso dos EUA, cuja economia girava em torno de petróleo e aço.

Correndo por fora nessa disputa por dinheiro e poder estava JP Morgan, que, na época, já era conselheiro de seu pai, Junius Morgan, um gigante da “indústria” de capital, poderoso e proeminente banqueiro com investimentos em diversos setores produtivos, utilizando o conceito de diversificação para proteger suas aplicações financeiras. No entanto, JP Morgan não queria viver à sombra do pai e, quando foi contatado por um incipiente cientista, um tal Thomas Alva Edison, que procurava financiamento para suas pesquisas, teve contato com algo que fez seus olhos brilharem: eletricidade. Contrariando as orientações do pai, começou a investir nas atividades de Edison, em cujo laboratório trabalhava um estagiário de nome Nikola Tesla. Após a morte de Junius, JP fica livre para aumentar seus investimentos nessa atividade, envolvendo-se diretamente na guerra travada entre Edison e Tesla, conhecida como “guerra das correntes”, que envolvia a disputa pela hegemonia da transmissão da eletricidade, se por corrente contínua (patenteada por Edison) ou por corrente alternada (criada por Tesla). Morgan apostou suas fichas e dinheiro em Edison; porém, quando a tecnologia de Tesla saiu-se vencedora, não se fez de rogado e, com base em métodos novamente discutíveis, fez valer seu poderio financeiro e influência junto a investidores e obteve as patentes envolvendo eletricidade. Essa nova tecnologia, todavia, ameaçava diretamente os interesses de Rockefeller, que, desde cedo, percebeu-a como risco ao seu querosene como principal insumo utilizado para iluminação das casas, escritórios, indústrias e cidades americanas.

Isso levou Rockefeller a investir pesado em propagandas negativas contra a utilização da eletricidade e, dessa maneira, contra JP Morgan, chegando ao ponto de patrocinar anonimamente ações judiciais em casos envolvendo acidentes causados pelo uso indevido da eletricidade. Entretanto, a partir da realização da Feira Mundial de Chicago em 1893, cuja iluminação foi toda feita à base de eletricidade, os benefícios da utilização dessa tecnologia eram incontestáveis e a popularização da eletricidade era inevitável.

Até então, a guerra pelo controle dos EUA estava restrita aos três gigantes da indústria e seus talismãs: o petróleo de Rockefeller, o aço de Carnegie e a eletricidade de Morgan. Foi quando entraram em cena os atores políticos que começaram a contestar os seus métodos negociais para eliminar seus concorrentes, levando ao surgimento das leis antitruste, capitaneadas por políticos cujo expoente foi o presidente Theodore Roosevelt. Isso levou os três titãs a esquecerem suas desavenças e se unirem temporariamente para preservar seus impérios monopolísticos. Nessa época, JP Morgan, que sempre defendeu o monopólio como um meio de harmonizar os interesses dos mercados, evitando os efeitos negativos da guerra entre concorrentes, juntou-se a um grupo de investidores e comprou as siderúrgicas de Carnegie.

Mas os ventos estavam mudando de direção, e a opinião pública estava convencida de que as mazelas oriundas das precárias condições de trabalho e do desemprego deviam-se à ganância desmedida dos “robber barons” (barões ladrões), como ficaram conhecidos os monopolistas.

Foi nesse momento de mudança das regras no mundo dos negócios que se deu a entrada do último protagonista da série: Henry Ford, responsável pela popularização do uso dos automóveis, utilizando conceitos de produção inovadores, tais como linha de montagem, padronização e especialização do trabalho, que baratearam sobremaneira os custos de produção. Henry Ford simbolizou uma nova geração de empreendedores que, ao menos no início se pensava, abandonavam as práticas selvagens e antiéticas de competição contra os concorrentes visando à construção de monopólios e se dedicavam ao aperfeiçoamento de seus processos produtivos e investimentos em novas tecnologias, o que acabava beneficiando os consumidores.

Nessa época, o lucro de Rockefeller com o petróleo vinha quase que exclusivamente do querosene, sendo que os demais subprodutos oriundos do refino eram praticamente desprezados e despejados na natureza sem nenhum tipo de preocupação com tratamento dos resíduos e seu impacto no meio ambiente. A crescente popularização da eletricidade e do automóvel, bem como a necessidade de fatiar seu império em empresas menores, levaram-no a investir no outro subproduto do petróleo: a gasolina.

Isso o levou ao posto de homem mais rico dos EUA e, quiçá, do mundo, mesmo tendo sofrido o revés da condenação judicial que fragmentou a Standard Oil.

O documentário apresenta várias lições de resiliência, convicção, senso de oportunidade e, exceto por ações condenáveis do ponto de vista ético cometidas pelos seus protagonistas na criação de seus impérios, mostra como um ambiente saudável de competição pode beneficiar trabalhadores e consumidores, desde que se criem instrumentos de ação do Estado, não na intervenção indevida e indiscriminada sobre a atividade econômica nem na execução dessas atividades por empresas estatais, mas sim na supervisão e regulação dos mercados, evitando o surgimento de cartéis e monopólios.

*Lucio Meira de Mesquita é engenheiro mecânico, servidor público federal e membro do IFL-Brasilia.

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