Juan Bautista Alberdi e a Constituição argentina de 1853: a influência do liberalismo
Introdução
O presente artigo tem como objetivo analisar a influência de Juan Bautista Alberdi na organização do Estado argentino a partir da Constituição de 1853. Para compreendermos a gênese do pensamento alberdiano, é crucial destacar sua participação no grupo de jovens liberais que deu nome à Geração de 1837. Esse grupo, do qual também faziam parte figuras como Esteban Echeverría, Domingo Faustino Sarmiento e Juan María Gutiérrez, entre outros, exerceu forte influência no desenvolvimento intelectual e político da Argentina do século XIX. Unidos por ideais de progresso, liberdade e modernização, eles se opunham ao regime autoritário de Juan Manuel de Rosas e buscavam construir uma nação baseada nos princípios do liberalismo. A obra Bases y Puntos de partida para la organização política de la República Argentina, escrita por Alberdi em 1852, é um reflexo dessa efervescência intelectual e serviu como guia para os constituintes argentinos, influenciando significativamente o texto constitucional. O pensamento alberdiano, amadurecido no seio da Geração de 1837, refletia as ideias liberais em voga na época, adaptadas à realidade argentina do século XIX.
Contexto Histórico
A Argentina, pós-independência, passou por um período de instabilidade política e conflitos internos, culminando no governo de Juan Manuel de Rosas (1829-1852). Rosas, um líder autoritário, exerceu o poder de forma centralizada e manteve o país sob seu controle por meio da força e da repressão. O período de seu governo foi marcado pela perseguição implacável aos opositores, com o fuzilamento sendo utilizado como instrumento de terror para silenciar qualquer forma de dissidência. A ausência de uma Constituição que limitasse o poder do governante e a disputa entre federalistas e unitaristas contribuíram para a instabilidade política. É importante destacar que, na Argentina, o conceito de federação se associava à autonomia provincial e à resistência ao centralismo portenho, enquanto a confederação representava uma união mais fraca entre as províncias, com Rosas exercendo um poder hegemônico.
Em 1852, Justo José de Urquiza, governador da província de Entre Rios, liderou uma coalizão de opositores a Rosas, que incluía forças do Brasil e do Uruguai, derrotando-o de forma decisiva na Batalha de Caseros. Esse evento marcou o fim do regime “rosista” e abriu caminho para a reorganização nacional. Urquiza, consciente da necessidade de unificar o país sob uma Constituição, convocou uma Assembleia Constituinte em Santa Fé, com o objetivo de elaborar uma Carta Magna que pusesse fim aos conflitos e estabelecesse as bases para um Estado organizado e próspero. A promulgação da Constituição de 1853, inspirada nas ideias de Alberdi, inaugurou uma nova fase na história da Argentina, caracterizada pela busca da estabilidade política, do progresso econômico e da consolidação do sistema republicano federal.
O Papel do Império Brasileiro na Batalha de Caseros
A Batalha de Caseros, ocorrida em 3 de fevereiro de 1852, marcou o fim do governo de Juan Manuel de Rosas na Argentina. O Império Brasileiro teve um papel fundamental na vitória de Urquiza, fornecendo tropas e apoio logístico à Grande Armada.
Visão de Rosas sobre o Império Brasileiro
Rosas via o Império Brasileiro com desconfiança e hostilidade. Ele acreditava que o Brasil tinha ambições expansionistas na região do Prata e que representava uma ameaça à soberania argentina. Rosas também se opunha à intervenção brasileira nos assuntos internos da Argentina, como a questão da independência do Uruguai.
Visão de Urquiza sobre o Império Brasileiro
Urquiza, por outro lado, via o Império Brasileiro como um aliado estratégico na luta contra Rosas. Ele buscou o apoio do Brasil para derrubar Rosas e acreditava que a aliança com o Império era essencial para garantir a estabilidade na região do Prata. Urquiza também reconhecia a importância do Brasil para o desenvolvimento econômico da Argentina, especialmente no que dizia respeito à navegação fluvial e ao comércio.
Por fim, o Império Brasileiro teve um papel decisivo na Batalha de Caseros, contribuindo para a queda de Rosas e a ascensão de Urquiza ao poder. A participação brasileira no conflito refletia os interesses geopolíticos do Império na região do Prata e a busca por estabilidade e influência na área. A aliança entre Urquiza e o Brasil marcou o início de uma nova fase nas relações entre os dois países, caracterizada pela cooperação e pela busca por interesses comuns.
Juan Bautista Alberdi e o liberalismo
Juan Bautista Alberdi (1810-1884) foi um intelectual e jurista argentino que teve papel fundamental na construção do Estado argentino. Em 1837, Alberdi publicou sua primeira obra, Fragmento Preliminar al Estudio del Derecho, na qual já se vislumbrava a influência do liberalismo em seu pensamento. Pouco tempo depois, com o intuito de homenagear o Império Brasileiro e demonstrar sua aprovação à atitude do imperador Pedro II em relação à Argentina, escreveu uma peça teatral intitulada “La Revolución de Mayo”. Nessa obra, enaltecia a figura de Pedro II como um monarca pacífico e ordeiro, contrastando com a instabilidade e o caos que assolavam as repúblicas hispano-americanas. Alberdi reconhecia a importância do Império para a estabilidade na região do Prata e via na monarquia um modelo a ser considerado pelos países vizinhos.
O liberalismo, corrente de pensamento em ascensão no século XIX, defendia a liberdade individual, a limitação do poder do Estado, a livre iniciativa e o progresso material. Alberdi, inspirado por autores liberais como Benjamin Constant, Pellegrino Rossi e Alexis de Tocqueville, adaptou as ideias liberais à realidade argentina, buscando conciliar a liberdade individual com a necessidade de ordem e progresso em seu país.
Bases y Puntos de partida para la organización política de la República Argentina e a Constituição de 1853
Em 1852, com a iminência da Assembleia Constituinte, e após um longo período de exílio, Alberdi escreveu Bases. Exilado no Chile desde 1838 devido à perseguição do regime “rosista”, Alberdi aproveitou o tempo longe de sua pátria para refletir sobre os problemas da Argentina e elaborar um projeto de nação que superasse o caos e a instabilidade. Em uma demonstração de sua impressionante capacidade intelectual, escreveu a obra em tempo recorde, concluindo-a em apenas três meses. Publicada em 1853, teve grande impacto na Constituinte, sendo considerada um guia para os constituintes.
Na obra, Alberdi defendeu a necessidade de uma Constituição que garantisse a estabilidade política, o progresso material e a liberdade individual. O autor propôs um sistema político que combinasse elementos da república e da monarquia, a fim de garantir a ordem e o progresso. Alberdi também defendeu a imigração europeia como forma de promover o desenvolvimento econômico e cultural do país.
A Constituição de 1853, fortemente influenciada pelas ideias de Alberdi, adotou o sistema republicano representativo federal, com um poder executivo forte e um legislativo bicameral. A Constituição garantiu a liberdade individual, a propriedade privada e a livre iniciativa. Diferentemente da Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988, que concentra poderes nas mãos de instituições e não nas mãos do povo, a Constituição argentina, inspirada em Alberdi, buscava limitar o poder do Estado e garantir as liberdades individuais, o que contribuiu para a construção de uma república constitucional mais eficiente.
Conclusão
Juan Bautista Alberdi teve papel fundamental na organização do Estado argentino a partir da Constituição de 1853. Sua obra Bases serviu como guia para os constituintes, influenciando significativamente o texto constitucional. O pensamento alberdiano refletia as ideias liberais em voga na época, adaptadas à realidade argentina do século XIX. A Constituição de 1853, fortemente influenciada pelas ideias de Alberdi, lançou as bases para a construção de um Estado argentino moderno e liberal.
Mas a influência de Alberdi vai além da esfera política e jurídica. Sua visão de uma Argentina inserida no contexto da civilização ocidental, aberta à imigração europeia e aos capitais estrangeiros, moldou profundamente a cultura e a identidade do país. A arquitetura argentina, por exemplo, reflete essa busca pela modernidade e pelo cosmopolitismo, com edifícios e monumentos inspirados na beleza da “época áurea” da Europa, em uma tentativa de reproduzir em solo americano o esplendor das grandes capitais do Velho Continente. Essa estratégia de “europeização” da Argentina, defendida por Alberdi, visava não apenas a atrair imigrantes e investimentos, mas também construir uma imagem de nação próspera e civilizada, capaz de superar seu passado de instabilidade e conflitos. Alberdi, portanto, foi um dos principais artífices da modernização da Argentina, deixando um legado que se faz presente até os dias de hoje.
*Rodrigo Piernas Andolfato é presidente do Instituto Liberal da Alta Noroeste (ILAN).