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Gastos militares no Brasil e no mundo

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No meio de tanta notícia envolvendo Fundeb, mini-reforma tributária e outros temas ligados à economia, recebeu pouca atenção uma proposta do Ministério da Defesa de elevar o gasto em defesa do país para 2% do PIB (link aqui e aqui). Se a proposta se tornar realidade, significará um aumento de pouco mais de 0,5% do PIB para área. Como o PIB do Brasil em 2019 foi de R$ 7,3 trilhões, estamos falando de aumento de cerca de R$ 36,5 bilhões de reais por ano. Para efeitos de comparação, o leitor talvez queira saber que o Bolsa Família custou cerca de R$ 33 bilhões em 2019. O custo de implementar a proposta do Ministério da Defesa permitiria dobrar o Bolsa Família; como de costume, cada um com suas prioridades.

Para avaliar a proposta de o Brasil ter um gasto em defesa de 2% do PIB, resolvi dar uma olhada nos gastos em defesa dos outros países. Peguei os dados do Banco Mundial de despesas em dólares e como proporção do PIB; selecionei o ano de 2018 e os países com mais de dez milhões de habitantes, o que me deixou com uma amostra de 79 países. Segundo os dados do Banco Mundial, o gasto com despesas militares no Brasil foi de 1,47% do PIB em 2018. Isso nos deixa abaixo da média mundial, que foi de 1,79%, mas acima da mediana, que foi de 1,44%. Na amostra o maior gasto militar como proporção do PIB foi na Arábia Saudita, 8,77%, e o menor foi no Haiti, 0,0008% do PIB. A figura abaixo mostra a distribuição do gasto militar como proporção do PIB em todos os países com alguns em destaque.

Na figura, constatamos que o Brasil de fato está na metade dos países com maior gasto militar como proporção do PIB. Repare que estamos logo acima do 0.50 no eixo vertical – para ser preciso, 51,9% dos países possuem gastos militares menores que o do Brasil como proporção do PIB. Caso nosso gasto fosse 2% do PIB, como propõe o Ministério da Defesa, 67% dos países teriam um gasto militar como proporção do PIB menor que o nosso.

Nos onze países da América Latina e Caribe que ficaram na amostra, o gasto militar como proporção do PIB ficou em média 1,28% e a mediana foi 1,19%. O Brasil está acima da média e mediana desse grupo de países. Caso nosso gasto fosse de 2% do PIB, estaríamos atrás apenas da Colômbia e do Equador. A figura abaixo mostra o gasto militar como proporção do PIB nos países da América Latina e Caribe e destaca os 2% do PIB.

Mesmo entre os países da OTAN, não são muitos que gastam 2% ou mais do PIB em defesa. Dos países da OTAN que ficaram na amostra em apenas quatro os gastos militares ficaram acima de 2% do PIB. A média do grupo foi 1,75% e a mediana foi de 1,78%. A figura abaixo mostra o gasto militar como proporção do PIB nos países da OTAN.

Se olhando o gasto militar como proporção do PIB o Brasil está na mediana, quando consideramos o gasto militar em termos absolutos, o quadro muda consideravelmente. Segundo os dados do Banco Mundial os gastos militares no Brasil em 2019 foram de US$ 27,8 bilhões. O número está acima da média, US$ 21,1 bilhões, e bem acima da mediana de US$ 3,1 bilhões. Considerando todos os países da amostra, 86,1% possuem gastos militares menores que os do Brasil. A figura abaixo ilustra essa distribuição.

A liderança dos Estados Unidos em termos de gastos militares impressiona. As despesas militares dos americanos em 2019 foram de US$ 648,8 bilhões. Na China, país com segundo maior gasto, as despesas militares foram de US$ 250 bilhões. Caso o leitor esteja curioso, em 2019 o gasto militar na China foi equivalente a 1,87% do PIB, um pouco menos que a proporção que o Ministério da Defesa propõe para o Brasil.

Quando a análise fica restrita aos gastos militares dos países da América Latina e Caribe que estão na amostra, a liderança do Brasil fica clara. Nossos gastos militares são mais que o dobro dos gastos militares do segundo lugar, que é a Colômbia. Caso a proposta do Ministério da Defesa estivesse em vigor, nossos gastos militares seriam mais que o triplo dos da Colômbia. A figura abaixo mostra os gastos militares na América Latina e Caribe.

Na comparação com os países da OCDE, os gastos militares do Brasil também não estão mal na foto. Dos quinze países da amostra, apenas cinco gastaram mais que o Brasil com os militares. A figura abaixo mostra os gastos militares nos países da OTAN e no Brasil. Os Estados Unidos foram excluídos para não distorcer as comparações da figura.

Considerando os dez países com maiores territórios da amostra, os gastos militares no Brasil são menores que nos Estados Unidos, China, Índia e Rússia, todos potências nucleares e envolvidos em conflitos. A figura abaixo mostra os dados para esse grupo de países. Mais uma vez os Estados Unidos ficaram de fora para não distorcer as comparações da figura.

Um último exercício consiste em deixar de lado as comparações com outros países e avaliar os gastos militares do Brasil no passado. No período entre 1960 e 2018, o maior valor do gasto militar como proporção do PIB no Brasil ocorreu em 1965. No ano seguinte ao golpe que derrubou João Goulart, os gastos militares chegaram a 3,35% do PIB; em 1966 caíram para 3,02%. Estes foram os únicos dois anos em que os gastos militares superaram 3% do PIB.

Até meados da década de 70, os gastos militares ficavam em torno dos 2% do PIB que o Ministério da Defesa deseja colocar como referência. Depois de 1976 os gastos militares começam a cair como proporção do PIB. O menor valor ocorreu em 1980 e foi de 1,14%. No final da década de 80, os gastos militares voltam a ficar acima de 2% do PIB por alguns poucos anos. A última vez em que os gastos militares ficaram acima de 2% do PIB foi em 1994. No período pós-estabilização, o maior valor dos gastos militares como proporção do PIB foi de 1,33% e ocorreu em 2013. O maior valor foi 1,95% em 2001. A figura abaixo mostra esses dados e destaca o valor de 2% do PIB.

Em termos gerais o gasto militar em torno de 1,5% do PIB deixa o Brasil na mediana dos países da amostra. Um aumento para 2% do PIB colocaria o Brasil no terço superior dos países com maior comprometimento do PIB com defesa. Em 2019, nem a China dedicou mais de 2% as despesas militares. Em termos absolutos, os gastos militares do Brasil estão entre os 15% maiores do mundo e são, com folga, os maiores da América Latina e Caribe. Aumentar os gastos para 2% do PIB não mudaria muito nossa posição global, mas aumentaria de forma significativa nossa distância para os outros países do continente. Considerando os países com grandes territórios, os gastos militares brasileiros ficam atrás dos Estados Unidos, China, Índia e Rússia. Gastamos mais com militares do que, por exemplo, Austrália e Canadá. Em termos históricos, o percentual de 2% dos gastos com defesa nos levaria de volta para o período pré-estabilização, quando a média era de 2,06% do PIB contra 1,54% no período pós-estabilização. Durante a ditadura militar, a média foi de 2,07%, bem próxima do desejado pelo Ministério da Defesa.

A divisão do orçamento público envolve conflito entre grupos de interesses e revela as prioridades dos governantes e do Congresso. O Brasil gastar 1,5% do PIB com defesa não parece algo fora de propósito. É legítimo que alguém diga que 2% seriam compatíveis com nosso passado e fariam mais justiça à nossa estatura, para usar a expressão do ministro da Defesa. Resta saber qual é nossa estatura, visto que já fomos chamados de anões diplomáticos, mas essa é outra história. Enfim, se a prioridade do governo é deslocar 0,5% do PIB para gastos com defesa é direito deles. Da minha parte, espero que o Congresso não concorde com a proposta.

Da minha parte, tentaria aliviar os pagadores de impostos de bancar esse aumento de 0,5% do PIB, mas, se não fosse possível, preferiria que os recursos fossem usados para dobrar o Bolsa Família. Enfim, como disse no primeiro parágrafo, cada um com suas prioridades.

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Roberto Ellery

Roberto Ellery

Roberto Ellery, professor de Economia da Universidade de Brasília (UnB), participa de debate sobre as formas de alterar o atual quadro de baixa taxa de investimento agregado no país e os efeitos em longo prazo das políticas de investimento.

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