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G.A. Cohen contra o libertarianismo (parte 1) – a crítica deontológica

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geraldocohenUm dos mais famosos contrapontos à teoria ética libertária é um livro do professor Gerald Cohen onde ele traz uma série de argumentos que supostamente deslegitimaria o libertarianismo e o explodiria[1].

 

O argumento principal de Cohen contra o libertarianismo é o argumento de que a união de “auto-propriedade” e a distribuição não igualitária de recursos escassos criaria indefinida desigualdade de propriedade privada, que é um dos interesses principais do libertarianismo[2]. A apropriação de um bem escasso necessariamente levaria a um prejuízo dos outros indivíduos, sendo, portanto, ilegítima[3]. Por fim, a abordagem lockeana-nozickiana seria aleatória, sendo mais justa a propriedade coletiva de todo e qualquer recurso escasso[4].

 

Podemos retirar dessa visão dois argumentos distintos: um, deontológico, no sentido de que a auto-propriedade e a liberdade não são princípios de justiça; e outro, utilitário, no sentido de que o libertarianismo é economicamente irracional e reduz a utilidade dos bens da sociedade.

 

Quanto ao primeiro argumento, de base deontológica, eu dou certa razão a Cohen. A auto-propriedade e o homesteading (aquele que primeiro usa possui o bem) são conceitos eivados de aleatoriedade, se construídos como modelos naturais de arranjo social. O conceito original lockeano de homesteading, inclusive, cria a exigência de que o ser humano não pode retirar da natureza bens em quantia que inviabilize a satisfação de outros seres humanos[5]. Essa aleatoriedade, contudo, poderia ser claramente estendida ao conceito de propriedade coletiva de Cohen, por carecer de uma lógica argumentativa bem construída.

 

Para pôr fim a essa aleatoriedade no que tange à auto-propriedade, a teoria lógica-argumentativa de Hans-Hermann Hoppe substitui a ideia de direito natural intrínseca aos modelos de Nozick e Locke pela ideia de que é uma escolha do próprio ser humano o exercício de sua auto-propriedade, e que qualquer conduta diversa a ela estaria eivada do vício da autocontradição performática.

 

Segundo Hoppe, o ato de argumentar, que está sendo praticado nesse diálogo acadêmico tanto por Cohen quanto por Nozick e Locke, nunca se baseia em proposições que flutuam livremente alegando veracidade, mas é sim uma atividade prática, e que portanto traz certas pré-condições para sua realização. Por isso, precisamos pesquisar os elementos apriorísticos dessa argumentação[6].

 

O argumento apriorístico da argumentação mais evidente é o exercício de propriedade privada do ser racional argumentador sobre seu corpo e demais instrumentos da natureza. Portanto, para realizar argumentação, o ser precisa necessariamente aquiescer na necessidade de se apropriar de elementos físicos de maneira exclusiva para tal fim. Portanto, o exercício de argumentação pressupõe a auto-propriedade, sob pena de sequer o ser racional conseguir se exprimir. Argumentar contra a auto-propriedade usando da auto-propriedade seria ilógico e, portanto, falso[7].

 

Essa argumentação, a princípio, não resolve o problema da justificação do homesteading e da propriedade privada de recursos externos ao homem através da mistura do trabalho do homem com recursos que não possuem dono. Mas dentro da mesma lógica de não se cair em auto-contradição, todo ser humano necessariamente se apropria de bens e os consome de maneira individual. Negar a validade dessa prática seria negar atos próprios que garantem sua sobrevivência[8]. Esse fato se torna mais evidente se posto em prática o sistema de propriedades coletivas de Cohen, onde, para cada ato a ser exercido pelo ser humano, ele teria de pedir autorização a todos os demais seres humanos para realizá-lo, em votação democrática. Tal situação é absolutamente inviável.

 

 

 

 

[1]    PALMER, Tom. G. A Cohen on Self-Ownership, Property and Equality. In Realizing Freedom: libertarian theory, history and practice. Washington: Cato Institute, 2009.  p. 129.

[2]     COHEN, G. A. Self-Ownership, Property and Equality. Cambridge: Cambridge University Press, 1995. p. 69.

[3]    Id, Ibid. p. 90.

[4]    Id, Ibid. p. 78.

[5]    KYMLICKA, Will. Filosofia Política Contemporânea. Trad. Luis Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2006. P. 143.

[6]    HOPPE, Hans-Hermann. A Ciência Econômica e o Método Austríaco. Trad. Fernando Fiori Chiocca. p. 126.

[7]    Id, Ibid. p.131.

[8]    Id, Ibid. p. 132.

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Bernardo Santoro

Bernardo Santoro

Mestre em Teoria e Filosofia do Direito (UERJ), Mestrando em Economia (Universidad Francisco Marroquín) e Pós-Graduado em Economia (UERJ). Professor de Economia Política das Faculdades de Direito da UERJ e da UFRJ. Advogado e Diretor-Executivo do Instituto Liberal.

Um comentário em “G.A. Cohen contra o libertarianismo (parte 1) – a crítica deontológica

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    01/04/2015 em 3:00 pm
    Permalink

    O tema é importantíssimo e deve ser vasculhado em todas as situações possíveis, pois certamente, em diversas haverá maiores dificuldades. No caso da propriedade pelo uso, de terras em particular, carece de uma definição adequada do que seja uso. Colocar um boi em 200 hectares não é uso. Nisso concordamos filosoficamente com a esquerda, que argumente que terras improdutivas deveriam servir para reforma agrária. Obviamente não concordamos com os métodos. O certo deveria ser a justiça definir, e não a invasão. Também é óbvio que existirão situações limítrofes, e que tenham que ser ajustadas ao longo do tempo. Por isso a justiça baseada na tradição é melhor que a baseada em leis.

    Também há a dificuldade na transitoriedade do não uso, pois não é comum se adquirir um terreno, e no dia seguinte já ter uma fazenda implantada ou uma casa construída. Quanto tempo de não uso descaracterizaria a propriedade do terreno?

    Bens de outra natureza, que tendem mais para “comuns” como água e ar são um caso à parte de muito maior dificuldade de idealização, pois como seria alguém que utiliza a cabeceira de um rio ou nascente utilizar toda a água fazendo uma represa e deixando todo abaixo sem água… Ou como é hoje, que uma indústria polui uma cidade inteira e os moradores pouco tem a reclamar.

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