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Entre liberdades: religiosa ou expressão?

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De algum tempo para cá o Brasil está sendo assolado por manifestações pró e contra a liberdade de expressão artística sem limites, em que diversas pessoas se sentiram ofendidas em razão de sua crença ou por questões morais, e, de outro lado, artistas se sentiram insultados porque grande parcela da sociedade brasileira se ofendeu por algumas “expressões da arte”, unindo-se pela manifestação artística sem limites, indo a público por meio de manifestos. Assim, de um lado, boa parcela da sociedade se levantou contra a arte sem limites, enquanto outra parcela revidou. Este é o cenário.

Com este cenário surgiu uma grande pergunta, que juristas, filósofos e intelectuais estão tentando responder: “Em razão da liberdade de expressão posso falar e fazer qualquer coisa?”. Entendemos que não, e, aqui, damos nossa módica contribuição a este debate. A liberdade de expressão encontra um limite: dignidade da pessoa humana.

Todas as liberdades emanam da Dignidade da Pessoa Humana, inclusive a de expressão. Em outras palavras, todas as liberdades são servas da dignidade e trabalham para seu crescimento. Ofender ou criticar uma instituição, entre elas, a igreja, encontra guarida na liberdade de expressão, senão vejamos: a igreja, como instituição, pode ser mais ou menos “admirada” por este ou aquele fiel, mas, regra geral (até por não ser o propósito da Igreja Instituição), a igreja não é adorada por ninguém. Por quê? Porque a instituição é composta por homens, logo passível de erros.

De outra banda, a igreja administra o sagrado, mas não é o sagrado em si (não levando em consideração questões teológicas, como o fato de ser a noiva de Cristo, no caso das igrejas cristãs, mas geralmente as críticas e ofensas são à igreja enquanto organização e não enquanto organismo vivo). Daí decorre a possibilidade de, sob a proteção da liberdade, eu criticar a Igreja Católica Romana ou a Igreja Batista, por exemplo.

Entretanto, o(s) objeto(s) e divindade(s) de adoração presentes em qualquer credo e fé, por mais que estejam associados a esta ou aquela igreja/instituição, são inerrantes para aqueles que o adoram. O sagrado é o alvo da fé e onde o ser humano deposita sua última e mais cara confiança. A esperança do crente é depositada aos pés do sagrado.

Esta confiança e esperança última nasce e encontra ressonância no mais íntimo de cada ser humano, e, como tal, funde-se com a dignidade. É inseparável. Metafísico, vai além de qualquer medida humana. Aquele que adora, o faz com todo o seu âmago e sem limites. Ofender e denegrir o sagrado é um ataque ao mais íntimo do homem. Aqui vale a expressão: “Ao que lhe é mais sagrado”. Atacar sua fé no sagrado é solapar a sua dignidade de ser humano. Esta é a última barreira, o último muro para a bestialidade. Aqui deixamos de ser humanos, para nos tornarmos animais.

Não podemos ultrapassar esta barreira. Precisamos lutar renhidamente quando vemos alguém tentar derrubar ou minar este muro. Sem dignidade não temos vida humana, voltamos ao status de res. Assim, sempre que alguém solapar o sagrado, é necessário a sociedade civil se interpor, contrariar, não aceitar. Estamos falando de dignidade humana, estamos falando de vida. Sem dignidade não há vida plena, apenas um suspiro dela. Todos os meios que tivermos para tentar barrar ataques à dignidade devem ser usados: boicote, justiça, etc. Por isso que os crimes contra a honra e contra o sentimento religioso são tutelados penalmente em qualquer lugar do mundo.

Não há liberdade que, ao colidir com a dignidade humana, resista, porque é a dignidade da pessoa humana que possui o condão de tornar um axioma em liberdade. Não se trata de pesar qual a liberdade é mais importante ou maior, se a de expressão ou religiosa. As duas liberdades, como todas as demais, existem para servir. Servir ao preceito fundamental da Dignidade da Pessoa Humana, para que seja exercida por todos e em sua plenitude. Aquela que não a serve, ou pior, a ofende, não está cumprindo seu propósito, em claro desvirtuamento. A dignidade da pessoa humana é base de todos os direitos, funda-se no próprio direito natural.

“A partir de la dignidad de la persona humana; en el bien entendido de que la dignidad, como ya he dicho otras veces, no es una simple predicación adjetiva de superioridad, sino el estatuto ontológico de la persona humana. Hablar de derechos inherentes a la dignidad de la persona humana equivale a hablar de derechos fundados en la naturaleza humana, esto es, de derechos naturales.” 

E continua…

“Cada derecho humano surge de la dignidad de la persona, al entrar la persona en contacto con cada relación social según las circunstancias y las situaciones multiformes de la vida en sociedad. En cada una de ellas la dignidad humana se presenta con unas cosas debidas a ella y unas exigencias, que hacen surgir los concretos y particulares derechos humanos.”

Quanto ao conceito de liberdade e sua subordinação, arremata Roger Scruton:

“O conceito de liberdade, portanto, não pode ocupar um lugar central no pensamento conservador sobre negócios nacionais e política internacional ou na orientação interna de uma instituição autônoma ( o que, para o conservador, tem especial importância). A liberdade somente é compreensível como meta social quando está subordinada a algo mais: a um arranho ou organização de que defina o objetivo individual. Portanto, focar na liberdade é o mesmo que focar no limite que lhe serve de pré-condição. Grosso modo, é o indivíduo que tem responsabilidade de conquistar qualquer liberdade de expressão, de consciência e de reunião que estiver ao seu alcance.” (grifo nosso)

Por fim, também não podemos olvidar que das liberdades, a liberdade religiosa é, senão a mais importante, uma das mais importantes liberdades. A liberdade religiosa é a pedra de toque dos direitos fundamentais e dela decorre a liberdade de consciência e de expressão. A liberdade de religião é gênero, enquanto a liberdade de consciência e de expressão é espécie da liberdade de pensamento. Ensina Javier Hervada:

“La libertad de conciencia es consecuencial a las libertades religiosa y de pensamiento (no al contrario). A su vez, la libertad religiosa y la libertad de pensamiento son paralelas y distintas; cada una de ellas tiene su propia configuración, y aunque no dejan de relacionarse, cada una es un derecho tipificado y delimitado como autónomo no confundible con el otro .
—Yo veo que la libertad de pensamiento ampara ante todo y fundamentalmente un ideario —unas ideas y convicciones—, junto con la correspondiente observancia. Y ya he dicho que éste no es el caso de la libertad religiosa. Lo que radicalmente ampara la libertad religiosa no es un sistema de creencias, sino la relación con Dios, la comunicación o comunión com la divinidad. Esta es propiamente la dimensión religiosa de la persona humana, que es su posibilidad de relacionarse con la divinidad, no unas creencias, que indudablemente existen y están en la base de la religión. La libertad de pensamiento y la libertad religiosa se diferencian no tanto en la distinta calificación del ideario que amparan, como en que una ampara un ideario y otra una relación vital.”

Brilhantemente Mário Ferreira dos Santos fulmina: “A blasfêmia e o sacrilégio são uma ofensa à dignidade humana e revelam a baixeza da alma de quem os pratica ”.

*Autores:

Thiago Rafael Vieira
Presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Religião, advogado, pós-graduado em Estado Constitucional e Liberdade Religiosa pela Universidade Mackenzie, pela Universidade de Oxford (Regent’s Park College) e pela Universidade de Coimbra (2017). Vice-presidente do Instituto Cultural e Artístico Filadélfia – ICAF; foi membro do Conselho Diretivo Nacional da ANAJURE, nos cargos de Diretor Jurídico e posteriormente de Diretor para Assuntos Denominacionais até 11/2018.

Jean Marques Regina
2º Vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Religião – IBDR, advogado, pós-graduado em Direito Constitucional e Liberdade Religiosa pela Universidade Mackenzie, pela Universidade de Oxford (Regent’s Park College) e pela Universidade de Coimbra (2017). Conferencista, consultor jurídico de organizações religiosas e entidades do terceiro setor.

 

Trecho adaptado da obra: Direito Religioso: questões práticas e teóricas, disponível para a venda no link:

 

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Thiago Rafael Vieira

Thiago Rafael Vieira

Presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Religião, advogado, pós-graduado em Estado Constitucional e Liberdade Religiosa pela Universidade Mackenzie, pela Universidade de Oxford (Regent’s Park College) e pela Universidade de Coimbra (2017). Vice-presidente do Instituto Cultural e Artístico Filadélfia – ICAF; foi membro do Conselho Diretivo Nacional da ANAJURE, nos cargos de Diretor Jurídico e posteriormente de Diretor para Assuntos Denominacionais até 11/2018.

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