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Uma leitura do Raio X das Universidades Federais

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Aproveitei o dia de folga da Copa para olhar com cuidado os números sobre repasses do governo para as universidades federais que o G1 obteve junto ao MEC e divulgou em uma série de reportagens (link aqui e aqui). Os valores, corrigidos pelo IPCA, dizem respeito aos repasses para universidades federais excluídas despesas obrigatórias como pagamento de professores e técnicos administrativos, ou seja, é o orçamento que a universidade pode usar para investimento e para manutenção (incluídos os gastos com serviços terceirizados de limpeza, portaria e vigilância). No decorrer do artigo vou me referir a esse orçamento de despesas não obrigatórias simplesmente como orçamento. O número que chama atenção é a queda de quase 30% nos repasses para as universidades quando comparados os valores empenhados em 2017 com aqueles empenhados em 2013. A figura abaixo reproduz a imagem que ilustra a reportagem do G1, nela estão os valores previstos para o orçamento das universidades e os valores que de fato foram empenhados, ou seja, os valores que foram liberados.

Até 2013 ambos os valores subiram de forma significativa e aparentemente insustentável. Em 2014 e 2015 ocorre um descolamento das séries com os valores previstos se mantendo estáveis e os valores empenhados caindo consideravelmente. O descompasso entre a promessa do governo e os recursos que realmente chegavam às universidades reflete bem uma época em que o governo Dilma tentava esconder a necessidade de ajuste fiscal. A partir de 2015, após as eleições, não havia mais necessidade de esconder o ajuste e os valores prometidos pelo governo caíram de forma a se aproximar dos valores reais. O gráfico também mostra que o ajuste nas universidades começou ainda em 2014, antes da chegada de Levy ao governo e antes da regra do teto de gastos, mas ficou “escondido” até 2015.

Comparando o orçamento de cada universidade durante o período de cortes é possível ver que apenas a Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), a Universidade Federal do Tocantins (UFT) e a Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) tiveram em 2017 um orçamento real maior que o de 2013. Na outra ponta nove universidades tiveram em 2017 um orçamento menor que a metade do orçamento 2013. A figura abaixo mostras as vinte universidades com maiores quedas de orçamento em 2017 relativo a 2013.

A maior queda ocorreu na Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), uma universidade fundada em 2005 que conta com menos de dez mil alunos de graduação, mas na figura também aparecem universidades grandes como a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), a Universidade Federal do Maranhão (UFMA), a Universidade de Brasília (UnB), a  Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), a Universidade Federal de Goiás (UFG), a Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) e a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), todas com mais de vinte mil alunos de graduação. Os valores significativos dos cortes explicam as medidas de contenção de despesas tomadas em várias universidades, inclusive a UnB, conforme os dados do G1 obtidos junto ao MEC teve em 2017 o equivalente a 54% do orçamento para despesas não obrigatórias de 2013.

Os dados parecem confirmar minha impressão que a elevação dos repasses as federais que ganhou força com o REUNI lá por 2008 era insustentável. Ao contrário de setores da comunidade acadêmica que enxergam os cortes como parte de um projeto dos atuais inquilinos do Palácio do Planalto acredito que os cortes eram inevitáveis. Do contrário qual seria a razão de Dilma e Mantega, a mesma dupla que bancou a expansão, passar a tesoura nos orçamentos das universidades? Desta forma acredito que as universidades vão ter de reajustar seus tamanhos e buscar outras formas de financiamento, tal financiamento não vai bancar totalmente as universidades, longe disso, mas pode ser fundamental para manter as despesas não obrigatórias financiadas com repasses da União.

As universidades custam caro, em parte por problemas em gestão, mas também porque ensino superior de qualidade custa caro. Laboratórios, professores doutores de tempo integral, passagens e diárias para participação em congressos internacionais e outros insumos necessários para uma universidade que se propõe a ser “de qualidade” custam muito dinheiro. Por outro lado, universidades “de qualidade” possuem meios para arrecadar recursos e não há razão para que tais meios não sejam utilizados para complementar os repasses da União. A figura abaixo mostra as vinte universidades que mais receberam repasses para despesas não obrigatórias, note que essas despesas costumam ser bem menores que as despesas obrigatórias, no caso da UnB as despesas com pagamento de pessoal e benefícios chega a 85% da despesa total (link aqui), a realidade das outras universidades, principalmente as grandes, não é muito diferente.

A grande maioria das universidades que aparecem na figura possuem mais de cinquenta anos (as exceções são a UFMT criada em 1970, a Unifesp criada em 1994 e a UTFPR criada em 2005) e tinham mais de vinte mil alunos de graduação em 2016 (a exceção é a Unifesp que possuía cerca de onze mil alunos naquele ano). A UFF, universidade federal com maior número de alunos de graduação, não é a primeira da lista, mas está no grupo das que receberam mais de R$ 200 milhões para despesas não obrigatórias na média de 2015 a 2017. Das cinco universidades que receberam mais de R$ 200 milhões a mais nova é a UnB, criada em 1962, e a que te menos alunos é a UFRN, com cerca de vinte e oito mil alunos de graduação em 2016 e única da lista com menos de trinta mil alunos de graduação.

Para ajustar o efeito do número de alunos a figura abaixo mostra os repasses para despesas não obrigatórias como proporção do número de alunos, assim como na figura anterior parecem os vinte maiores. O maior repasse por aluno ocorreu na UFABC, porém o valor muito longe das outras, R$ 89.792 por aluno contra uma média de R$ 8.427 por aluno em todas as universidades, e o número muito baixo de alunos, 1.299 contra um média de 17054, me fazem desconfiar que tenha algum erro nos números relativos a UFABC e, por isso, a retirei da figura. Caso os números da UFABC estejam corretos é preciso avaliar com cuidado as razões para tamanha diferença entre a federal do ABC paulista e as demais universidades federais.

Ao contrário da figura anterior com os repasses totais os primeiros lugares dos repasses por alunos não são dominados pelas universidades grandes e antigas. A UFABC, salvo erro dos dados a que está em primeiro lugar, foi criada em 2006 e, novamente salvo erros nos dados, tem apenas 1.299 alunos, é a federal com menor número de alunos em 2016. A Unila foi criada em 2010 no Paraná e tinha 2.764 alunos em 2010. Das vinte universidades com maiores repasses por alunos apenas seis (UFRJ (1920), UFRPE (1955), Furg (1969), UFMG (1949), UFU (1969) e UFRN (1960)) foram criadas antes de 1970 e apenas quatro (UFRJ (39.228), UFMG (32.144), UFU (21.597) e UFRN (28,416)) possuíam mais de vinte mil alunos de graduação em 2016.

A estratégia de pulverizar universidades talvez tenha tornado a expansão das federais mais caras do que seria com a expansão das universidades existentes. É certo que parte do custo maior das universidades mais novas está relacionada a necessidades de investimento que já foram realizados nas universidades antigas, porém universidades maiores conseguem reduzir os custos por aluno por conta de efeitos de escala. A figura abaixo mostra a relação entre número de alunos de graduação e repasses por aluno, para evitar distorções a UFABC foi excluída da amostra.

A relação entre repasses por aluno e alunos de graduação é negativa e significativa, na regressão descrita na figura o coeficiente foi de -0,27 e o p.value foi de 1.31e^-08, em variações da regressão incluindo ano de fundação ou excluindo as universidades fundadas depois de 2006 o coeficiente negativo e significativo se repete. É preciso tomar cuidado com regressões e mais cuidado ainda em tirar relações de causalidade de regressões, mas pelo que conheço de gestão de universidades federais vou tomar a liberdade de concluir que em geral universidades grandes implicam em menores custos por aluno. Eventuais efeitos de rendimentos decrescentes são dominados por efeitos de escala.

Um ponto que não foi considerado na regressão anterior (todo cuidado com regressão é pouco) são os cursos oferecidos pelas universidades. Para considerar essa questão é necessário um estudo mais amplo que foge as pretensões desse artigo, mas a questão é relevante. A figura abaixo mostra o custo por aluno nas diversas unidades da UnB conforme o relatório de gestão de 2016, repare que as diferenças são significativas, a unidade com maior custo por aluno tem um custo por aluno 7,8 vezes maior que a unidade com menor custo. Uma das explicações é que cursos com laboratórios custam caro, repare que o Instituo de Física (IF), o Instituto de Biologia (IB) e a Faculdade de Medicina (FM) estão entre os que apresentam maiores custos por alunos na UnB. Outro ponto importante é como custos e alunos são considerados. Os laboratórios de física são contabilizados como custos do IF, porém são utilizados por alunos de engenharia que são contados como alunos da Faculdade de Tecnologia (FT). O exemplo ilustra as dificuldades de mensurar custos por aluno, por isso é preciso tomar cuidado com comparações como as feitas acima e que vez por outra aparecem na imprensa.

O financiamento das universidades federais é um tema de extrema relevância que deve ser discutido com cautela. Sei que existe uma tentação de mandar as federais para o espaço e que várias ações das próprias universidades, inclusive a resistência a inovações na gestão, alimentam essa tentação, mas a questão é bem mais delicada do que pode parecer. Grande parte dos laboratórios e dos melhores pesquisadores do país estão nas universidades federais, nelas também estão alguns de nossos mais promissores jovens. Construir um sistema de universidades privadas nos moldes americanos leva tempo e pode não ser viável no médio prazo, as próprias universidades públicas dificultam tal construção à medida que oferecem condições vantajosas para atrair professores e alunos.

Privatizar as universidades pode ser um caminho, mas vai ser difícil encontrar compradores e, talvez ainda mais difícil vencer a resistência da classe média em ver privatizado um dos poucos serviços prestados pelo estado que ela ainda prefere aos serviços privados. Para não falar nos desafios legais de transferir para o setor privado uma força de trabalho regida pelo Regime Jurídico Único, para o leitor ter uma dimensão do que estou dizendo considere apenas a questão dos aposentados e dos servidores ativos que tem direito a aposentadorias com salário integral.

Dadas tais dificuldades acredito que a médio prazo o caminho é usar uma gestão inspirada em universidades públicas de outros países (o modelo das universidades públicas da Califórnia pode ser um ponto de partida) revendo a questão da carreira docente, principalmente no que tange à estabilidade precoce. A escolha de dirigentes (reitores, diretores, chefes de departamento e coordenadores) deve ser feita por outros processos que não as eleições periódicas dignas de “prefeituras do interior”. Imagino algo como o reitor escolhido por um comitê que pode ter participação de membros da comunidade acadêmica, porém esta representação não pode ser majoritária, usando critérios relacionados a capacidade e experiência em gestão de universidades. Uma vez escolhido o reitor será avaliado a partir de metas impostas pelo comitê que o escolheu. Diretores, chefes de departamento e coordenadores seriam escolhidos pelo reitor e também estariam sujeitos a metas.

Os Conselhos Universitários também teriam que ser reformados. Já participei de todos os conselhos superiores da UnB, é simplesmente impossível tomar decisões bem informadas em um conselho com sessenta ou setenta pessoas. Os grandes conselhos podem até continuar existindo, mas se reuniriam no máximo uma vez por semestre para avaliar o desempenho dos administradores de acordo com os parâmetros estabelecidos. Conselhos menores, entre sete e onze membros, ficariam responsáveis por acompanhar a gestão e avaliar questões estratégicas para a universidade. É possível pensar um arranjo em que os pequenos conselhos justificam suas decisões diante dos grandes conselhos;

Já falei em outro lugar a respeito da questão do financiamento (link aqui e aqui). Para além dos projetos e parcerias gosto de citar um post do Economista X (link aqui) com várias sugestões para o financiamento da USP que podem ser adaptadas para as universidades federais. Um último ponto que causa muita polêmica e que não vou deixar passar em branco é a questão da cobrança de mensalidades. A cobrança dos custos integrais me parece inviável, se fosse possível seria o caso de considerar a hipótese de privatização, logo, se for para ter cobrança, deve haver uma forma de transição que será tão mais suave quanto maior for a resistência política dos beneficiados pela ausência de mensalidades. Minha proposta é começar devagar com uma taxa de matrícula semestral que não seria cobrada de alunos de renda baixa conforme critérios estabelecidos pela universidade ou pelo MEC. Em uma universidade com cerca de trinta e cinco mil alunos de graduação, como a UnB ou a UFBA, me parece razoável supor que pelo menos vinte mil estariam em condições de pagar uma taxa semestral de, digamos, mil reais (menos de R$ 200 por mês). Isso daria cerca de vinte milhões de reais por semestre ou quarenta milhões por ano, muito pouco perto do orçamento total de uma universidade como a UnB (cerca de R$ 1,7 bilhões), mas equivale a um quarto dos quase R$ 160 milhões que a UnB recebeu de repasses para cobrir despesas não obrigatórias em 2017. Me parece um bom começo.

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Roberto Ellery

Roberto Ellery

Roberto Ellery, professor de Economia da Universidade de Brasília (UnB), participa de debate sobre as formas de alterar o atual quadro de baixa taxa de investimento agregado no país e os efeitos em longo prazo das políticas de investimento.

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