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Sobre a classe média e o desejo de taxar os ricos

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O que é classe média? Essa não é uma pergunta fácil de responder. Tradicionalmente o conceito de classe média faz referência a uma parcela da sociedade que está acima dos trabalhadores de chão de fábrica e abaixo dos ricos ou da classe alta. Na versão americana da Wikipedia, classe média é definida da seguinte forma: “The middle class is a class of people in the middle of a social hierarchy. In Weberian socio-economic terms, the middle class is the broad group of people in contemporary society who fall socio-economically between the working class and upper class.” (link aqui). Na versão brasileira, é dada a seguinte definição: “Classe média é uma classe social presente no capitalismo moderno que se convencionou a tratar como possuidora de um poder aquisitivo e de um padrão de vida e de consumo razoáveis, de forma a não apenas suprir suas necessidades de sobrevivência como também a permitir-se formas variadas de lazer e cultura, embora sem chegar aos padrões de consumo eventualmente considerados exagerados das classes superiores.” (link aqui). Em que pese a pegada mais marxista dessa última definição, nos dois casos a classe média é associada a um extrato da sociedade que está acima do proletariado, para manter o jargão marxista, e abaixo dos ricos.

Visões mais simpáticas à classe média a identificam com maiores níveis de escolaridade, posições profissionais qualificadas e defesa de valores tradicionais, ou seja, um certo conservadorismo. Outros preferem apontar um lado reacionário e um alinhamento com os ricos contra os pobres, talvez por medo de se tornar pobre, quase uma mesquinharia. Não por acaso, pensadores marxistas costumam criticar pesadamente e até odiar a classe média. Segundo eles, a classe média é o obstáculo à revolução. Talvez por isso alguns marxistas desistiram de brigar com a classe média e resolveram que melhor seria mudar os valores da classe média – daí vem muito do que se chama guerra cultural ou, para os mais conservadores, marxismo cultural. Nesta perspectiva, existe uma campanha sistemática para destruir os valores tradicionais da classe média e substituí-los por valores revolucionários ou um vazio de valores, a depender de abordagens específicas.

Na televisão, o grande representante da classe média é Homer Simpson. Um sujeito que divide um posto de trabalho com dois amigos no que parece ser a área de segurança de uma usina nuclear, a esposa dele é dona de casa, possuem três filhos, uma casa em uma boa vizinhança e dois carros. Antes dele, o papel foi de Fred Flintstone, um operador de guindaste, não é fácil distinguir operário qualificado do operário de chão de fábrica na idade da pedra, que também mora em uma boa vizinhança, a esposa é dona de casa, tem dois filhos, automóvel e um série de eletrodomésticos que davam graça ao show. George Jetson e mesmo Peter Griffin também estão na lista de representantes da classe média na televisão. A lista é grande, todos com emprego razoavelmente estável, esposas, filhos, casas, automóveis, viagens de férias e outras características que os distinguem bem dos pobres que coabitam o mesmo universo. Mesmo em South Park, uma série ácida que ironiza a classe média, é possível identificar Kyle e Stan como pertencentes a típica família de classe média, Eric na fronteira e, talvez por isso, como o mais ácido da turma, e Kenny como pobre.

Toda a sutileza de definir classe média a partir de valores, padrões de consumo e mesmo em termos de aliança de classes foi desafiada por economistas e estatísticos que resolveram estudar a classe média. Na falta de uma definição precisa e na abundância de dados, apareceu uma nova definição de classe média com base na distribuição de renda. A lógica, como costuma ser o caso com economistas e estatísticos, é cristalina: se é classe média, então é porque tem uma renda próxima da média. Por preciso que seja, esse conceito de classe média não bate com o anterior. A ideia de classe média dos Simpsons é universal – onde quer que passe o show Homer e sua família serão reconhecidos como classe média. A classe média estatística, chamemos assim a classe média definida por ter renda próxima à média, é local. Homer Simpson, Peter Griffin e Randy Marsh serão ricos em um país pobre do subsaara ou mesmo no Brasil e pobres em Luxemburgo. Da mesma forma, Stuart McCormick e Carol McCormick, pais de Kenny em South Park, poderiam ser considerados classe média no Brasil.

Confuso? É confuso. Sem a definição estatística, poderíamos pensar em classe média como algo difícil de definir, mas fácil de identificar. Com a definição estatística, a classe média ficou fácil de definir, porém difícil de identificar. Por exemplo, usando a definição estatística de classe média, o excelente Instituo Mercado Popular (link aqui) publicou em 2015 um texto de Daniel Duque chamado “Você provavelmente não é da classe média – e é mais rico do que pensava” (link aqui) onde podemos ler:

Como eu já disse, uma típica família de classe média brasileira tem renda entre R$ 300 e R$ 1000, o que garante uma posição entre os 30-75% da distribuição de renda no Brasil – ou seja, estatisticamente, a classe média é mais rica do que 30% dos brasileiros e mais pobre do que 25%.  Dos quase 100 milhões nessa ampla faixa de renda, 20% estudaram até o fim do Ensino Fundamental, 23% completou no máximo o Ensino Médio e somente 4% tem um diploma universitário, o que mostra que a educação superior ainda é artigo de luxo na sociedade brasileira. E não só a educação, mas também a inclusão digital ainda parece ser uma realidade distante para grande parte dessa população, uma vez que mais de 47% destes afirmava não ter usado a internet nos últimos três meses.

Definitivamente, a classe média dos desenhos e dos filmes, a classe média de Weber e Marx e a classe média que identificamos facilmente quando encontramos, não está descrita no trecho acima. Quem está aí é a classe média estatística, aquela que tem definição precisa, mas é difícil de ser identificada. Por essa descrição, apontaríamos Cletus Spuckler e não Homer Simpson como o representante da classe média.

Qual a relevância dessa discussão? Não se trata aqui de se rebelar contra a definição da minha profissão, longe disso. não creio que seja o caso de dizer qual definição seja certa ou errada e, por isso, não é o caso de adotar uma ou outra definição. O que é relevante é que muitas vezes os dois conceitos de classe média são usados como se dissessem respeito à mesma coisa e não é o caso. Se usamos o conceito estatístico, como, por exemplo, o de que classe média é quem está acima dos 30% mais pobres e abaixo dos 25% mais ricos, ou seja, entre os 30-75% da distribuição de renda, dizer que aumentou a classe média só tem implicações na distribuição de renda. Não é possível tirar daí nenhuma implicação quanto a mudanças de valores ou mesmo melhora no padrão de vida.

Creio que já deu para pegar a ideia. Todo cuidado com conceitos de classe média é pouco; toda vez que alguém tentar te convence de taxar os ricos, pergunte qual a definição de rico que está sendo usada – melhor, pergunte qual a faixa de renda que vai ser taxada. Se não fizer isso você corre o risco de apoiar uma medida para taxar o Mr. Burns e vai acabar taxando também o Homer Simpson e até o coitado do Cletus.

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Roberto Ellery

Roberto Ellery

Roberto Ellery, professor de Economia da Universidade de Brasília (UnB), participa de debate sobre as formas de alterar o atual quadro de baixa taxa de investimento agregado no país e os efeitos em longo prazo das políticas de investimento.

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